Texto de Sara Dias Oliveira
Os doentes oncológicos têm uma série de fatores de risco e a infertilidade é um deles. Os principais inimigos para essa quebra de fertilidade são conhecidos. A quimioterapia, a radioterapia na região pélvica e a irradiação corporal total para transplante de medula diminuem as possibilidades desses doentes conseguirem ter um filho depois de um cancro. Tudo porque estes tratamentos danificam os ovários e os testículos, interferindo com a capacidade de se produzirem óvulos e espermatozoides.
“A diminuição da fertilidade nos doentes oncológicos é causada sobretudo pelos tratamentos a que são sujeitos para tratar a doença e prevenir recidivas, como quimioterapia, cirurgias que afetam o sistema reprodutor e a radioterapia”, explica à NM Iris Bravo, ginecologista e obstetra, do Centro de Infertilidade e Reprodução Medicamente Assistida (CIRMA) do Hospital Garcia de Orta de Almada.
Estima-se que até 2030 os casos de cancro vão aumentar em 12%. Segundo dados do Instituto Português de Oncologia são acompanhados, por ano, cerca de 57 mil pacientes nesta instituição.
É possível dividir os cancros mais problemáticos em termos de perda de fertilidade. Há essencialmente dois grupos. Os cancros que surgem e se desenvolvem nos órgãos necessários para a reprodução, como o carcinoma do testículo, os tumores do ovário e do útero – e em que a cirurgia curativa implica, muitas vezes, a remoção de todo o órgão afetado. E o grupo, em que mais doentes se incluem, que engloba cancros frequentes em idades jovens, com altas taxas de sobrevida à custa de tratamentos que vão danificar os ovários e os testículos, como os linfomas e o cancro da mama nas mulheres e neoplasia testicular nos homens.
A perda de fertilidade é uma situação reversível? Não é bem assim. “A falência dos ovários e dos testículos após esses tratamentos não pode ser revertida. No entanto, podem ser guardados espermatozoides, óvulos e também tecido ovárico antes de iniciar estas terapêuticas. Se o doente não conseguir ter filhos após o tratamento, pode usar o material que ficou guardado para obter uma gravidez”, afirma a especialista. No caso de não haver óvulos nem espermatozoides guardados, há a hipótese de recorrer a dadores.
Em Portugal, as técnicas de preservação do potencial reprodutivo feminino e masculino estão disponíveis no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e em diferentes instituições privadas de saúde.
Os métodos mais eficazes para prevenir a perda da fertilidade passam por guardar óvulos e espermatozoides antes de se iniciar a quimioterapia, a irradiação corporal total ou a radioterapia pélvica. Segundo Iris Bravo, “as mulheres também poderão fazer uma injeção que as coloca numa ‘menopausa artificial’ durante a quimioterapia, mas os resultados não são tão bons. Em caso de tumores do aparelho reprodutor, se clinicamente possível, poderá optar-se por uma cirurgia conservadora.”
A ciência continua atenta a esta parte da saúde. “Existem muitas investigações nesta área tanto para otimizar os tratamentos disponíveis, como para estudar novas opções. Neste último campo, penso que haverá desenvolvimentos muito interessantes a médio prazo, como a criação de ‘ovários artificiais’ em laboratório e cirurgias de ‘rejuvenescimento ovárico’”, revela Iris Bravo.