O café nunca poderia ser uma bebida de lata

Texto de Sara Dias Oliveira

O café é uma bebida que exige atenção, dedicação, tempo. E a sua história é rica, suculenta, aromática, pelo menos desde o século XV. Conta a História que os grãos dos cafeeiros não passaram despercebidos aos camponeses e pastores da Etiópia que começaram por moê-los para comer em papas. Os grãos atravessaram o mar Vermelho, chegaram ao Iémen, daí não demoraram a instalar-se em Meca e no Cairo, espalhando-se depois por todo o mundo muçulmano. Chegou à Europa no século XVII e ainda hoje, onde quer que esteja, nunca se deixou enlatar ou engarrafar. Os seus aromas, perfumes, sabores, qualidades e intensidades, não vivem bem em latas fechadas. A bebida do convívio, da proximidade, das conversas, do lazer e do prazer precisa de liberdade para mostrar o esplendor dos seus sabores. O seu poder.

Duas em cada três pessoas bebem café, mais de 2,5 mil milhões são servidos num único dia em todo o Mundo, 70 países produzem cerca de 100 milhões de sacos de café por ano que representam seis milhões de toneladas. É obra. Um cafeeiro dura, em média, 15 anos, e aguenta seis a oito colheitas por ano. O fruto do café, a cereja como é conhecida, tem dois grãos. Os grãos são lavados, secos, triados, selecionados e depois torrados. São estas etapas que conferem qualidade e personalidade.

O café chegou a ser o segundo produto mais usado nas transações comerciais, logo a seguir ao petróleo.

O café tem os seus segredos, os seus mistérios. Não é uma bebida banal. Precisa de uma boa água sem cloro, de nascente mineral ou filtrada. Deve ser preparado entre 90 e 95 graus, deve levantar fervura mas com cuidado. Água demasiado fria não consegue extrair os compostos aromáticos do café. Água a ferver quebra esses compostos e torna o café amargo. O café tem a sua ciência e fechá-lo numa lata seria, na verdade, contrariar a sua própria natureza.

Ar puro, entre 800 e dois mil metros de altitude, temperatura média entre 20 e 25 graus, chuvas regulares, mas não muita humidade. Estes são alguns dos requisitos que os cafeeiros valorizam. No entanto, não são muito esquisitos, tanto se dão nas florestas no Brasil, como nos socalcos do Iémen, ou nas escarpas na cordilheira dos Andes.

Uma bebida tão apreciada espicaça a imaginação. Foi isso que aconteceu em várias partes do Mundo. A primeira máquina de café, uma cafeteira com filtro, foi inventada em França, em 1800, por Jean-Baptiste de Belloy. Tinha duas partes sobrepostas com água na parte de cima que escoava através do café moído colocado sobre um filtro. A cafeteira foi um êxito e imitada em várias partes do mundo.

Em 1908, a alemã Melitta Bentz, mãe de família, cansada de café com borras, picou uns pequenos orifícios numa vasilha de cobre, colocou um papel mata-borrão e filtrou o seu café. Melitta percebeu que a sua invenção iria dar que falar e registou a patente em Berlim. Pouco depois, surgia a Bentz a vender filtros de papel e suportes para filtros. Os filtros Melitta. O método de fazer café com filtro a alta pressão foi criado anos mais tarde pelo italiano Achille Gaggia, em 1948.

O segredo de um bom café: água de qualidade, lote selecionado, moagem adequada.

As inovações à volta do café não param. Não há café em lata, porque o café não é uma bebida pronta a beber, exige preparação e até um certo ritual – por muito rotineiro que seja -, mas há cápsulas com café que vieram alterar hábitos de consumo. O novo método, que permite tomar café sem sair de casa, surgiu há vários anos e tornou-se um negócio que está instalado em vários países. Portugal que o diga. O sistema é prático e cómodo. Ou seja, pó de café dentro de uma cápsula, injeção de água sob alta pressão durante alguns segundos. E o café pinga para uma chávena estrategicamente colocada.

O café não é todo igual. Um café, várias modas: “petit noir” em França, “ristretto” em Itália, “irish coffee” na Irlanda, café “brûlot” com aguardente queimado com açúcar em New Orleans, café vienense com natas batidas na Áustria. Café curto, café comprido, café pingado em Portugal. E o café turco, o único café servido em borras que permitem a arte da adivinhação, a chamada “cafeomancia.” Volta-se a chávena no prato logo que é bebido e os desenhos, reza a tradição, adivinham o futuro. Uma cruz é sinal de cuidado com a saúde. Um traço que parece uma borboleta assinala a presença de inimigos por perto. Uma cabeça de cavalo é bom sinal para os assuntos amorosos e um peixe indica sorte no futuro.