Nunca foi tão fácil estar na moda

Por Ana Tulha

Christian Dior, o estilista francês que criou uma das marcas mais famosas da moda mundial, costumava dizer que não é o dinheiro que faz a pessoa ser bem vestida. “É o discernimento”, defendia. A citação tem décadas mas está cada vez mais atual. Afinal, se houve um tempo em que “estar na moda” era um desígnio reservado a um punhado de endinheirados que podiam correr mundo e seguir tendências, hoje o conceito é de alcance global. Todos, ricos e pobres, aprumados e alternativos, podem, no fim de contas, estar na moda. Assim defende quem conhece a área de ginjeira.

“Hoje não existe uma moda, uma tendência. Há lugar para a diferença. A moda é muito diversificada, diferente e abrangente. Existe uma democratização de estilos”, aponta a estilista Fátima Lopes. A subjetividade impera. Ainda mais porque as modas, já sabemos, se reciclam com o tempo. “Mesmo as coisas que há alguns anos achávamos que não se usariam voltam a usar-se. As modas são cíclicas.”

A democratização é tal que, admite a estilista, começa-se a entrar em terrenos algo… inesperados. “Chegamos ao cúmulo de haver tendências de peças muito feias. Hoje, deparamo-nos com o culto do feio, do deselegante. Há marcas que parece que procuram isso. As misturas de padrões opostos, por exemplo. Parece que quanto mais estranho ficar, mais o objetivo foi conseguido. Por isso digo que não há nada que se possa dizer que não está na moda. Tudo é permitido. Como há tanta diversidade, cada um se identifica com o que gosta mais.”

Nesta abertura ao diverso, ao diferente, ao inclusivo, os influenciadores digitais também têm uma palavra a dizer. Longe das tendências ditadas pelas capitais da moda, estas estrelas cibernéticas, que reúnem milhões de seguidores, têm um alcance tal que conseguem, elas próprias, ditar tendências. A moda de hoje é, por isso, uma amálgama de estilos que podem ser repescados à vontade do freguês.

Celeste Reis, formada em Sociologia e Design de Moda e com mais de 15 anos de experiência nesta indústria, também põe a tónica na democratização. “Atualmente não há um só código. Há códigos. De há uns tempos para cá a moda deixou de ser ditadora e tornou-se mais democrática. Quase que é difícil de acompanhar.” Lembrando uma frase do poeta francês Jean Cocteau (“a moda morre jovem, o que é comovente”), Celeste Reis refere “um patchwork de estilos e tendências” e um “fascínio pelo novo e pelo ideal, seja ele qual for”.

Estar na moda é “podermos ser excêntricos ou convencionais. Não vivemos uma moda, vivemos uma sociedade de modas”.

Por isso, ninguém duvida que estar na moda é hoje muito mais fácil. “Claro. Toda a informação que há, a Internet. Hoje em dia, todos temos acesso a tudo.” Mesmo que não tenhamos consciência disso. “Preocupamo-nos sempre com a moda. Mesmo que achemos que não. Quem diz que não liga nenhuma à moda, provavelmente não tem perceção de que, quando faz escolhas e compra uma peça de roupa ou opta por um determinado penteado, está a assumir um ato de escolha, de seguir a atualidade.”

Rita Calheiros, diretora de marketing e marca da Salsa, também realça a facilidade crescente: “Acredito que hoje é mais fácil estar na moda, não só pela democratização – cada vez mais marcas trazem as grandes tendências a preços acessíveis – como pela diversificação de estilos. Hoje há moda para um estilo mais clássico, mais arrojado, mais romântico, mais hippie, etc.”.

A questão do preço também pesa. “Peças que em tempos seriam inatingíveis estão hoje ao alcance de todos, dispostas em lojas com preços acessíveis”, advoga Celeste Reis.
Mesmo que os estilistas não morram de amores por esta faceta da democratização. “Há marcas de grande distribuição que vivem das cópias assumidas do trabalho dos criadores da moda. É óbvio que isso, para o criador, é completamente injusto. Custa muito criar uma peça original. E depois acabam por ser reproduzidas pelas marcas a valores muito em conta. Hoje, quase toda a gente acede à moda de autor, seja a verdadeira ou a cópia. E seja que estilo for.”

Olhando para esta mescla de tendências, continua a ser importante estar na moda? Porventura mais do que nunca. Fátima Lopes tem a palavra. “É evidente que cada vez mais a imagem é importante. E cada vez é mais importante em todas as áreas. Até na política.” Outro sim. No caso, de Celeste Reis. “Mais do que nunca, a moda está na moda”, assegura a socióloga, que destaca o peso desta enquanto fenómeno social. “A moda não são só tendências nem estilos. A moda é um autoconhecimento, uma mensagem, um statement. Quando me refiro ao autoconhecimento falo, por exemplo, do simples processo rotineiro de escolhermos o vestuário que nos faz sentir bem perante nós e perante os outros.”

E sim, o conforto também tem que ver com o caso. “Acima de tudo, hoje em dia, acredito que mais do que estar na moda, as pessoas valorizam o facto de se sentirem bem e com peças que se ajustem ao seu estilo e ao seu corpo.” Caso para dizer que nunca estivemos tão na moda.