“Ninho Vazio”: os filhos saem, os pais reaprendem a viver

Paulo Santos e Cristina Santos adotaram a cadela Benny depois de a filha mais velha Inês, ter saído de casa

Texto de Cláudia Pinto

Passaram-se mais de 20 anos desde que as filhas de Leonilde e Dino Rasga, a viver em Avelãs de Caminho, Aveiro, saíram de casa pela primeira vez. Diana, hoje com 44 anos, foi estudar para a faculdade em Lisboa, aos 17, e a irmã Andreia fez o mesmo percurso, aos 18. Tem hoje 39. Confessam que atualmente é mais fácil e que as novas tecnologias ajudam a atenuar as saudades. “Antigamente, como só havia telefones fixos, sofríamos mais porque não se podia ligar a qualquer momento, tínhamos de marcar hora para falar com elas”, explica a mãe. Nos fins de semana em que as filhas iam de visita a casa, o simples facto de os pais as levarem ao comboio também era um fator de stresse porque não havia forma de saber como corria cada viagem.

Este não foi o primeiro afastamento de Leonilde e das filhas. Por motivos profissionais, e o facto de ter sido professora do primeiro ciclo, acabou por ser colocada em Arcos de Valdevez era a filha Andreia bebé, e a irmã tinha cinco anos. Foi uma espécie de ninho vazio mas para as filhas. “Chorei, sofri, revoltei-me contra o sistema de colocação de professores. Tive de fazer as malas e ir para longe, de coração partido. Foram três anos de luta mas precisava de trabalhar para poder dar-lhes um futuro risonho”, conta a mãe, lembrando que as meninas ficaram ao cuidado dos avós maternos.

Dino e Leonilde Rasga, no quarto de uma das filhas com as fotografias de ambas, Diana e Andreia

Com o passar do tempo, e quando percebeu que as filhas estariam a apostar no seu próprio futuro, Leonilde convenceu-se que a saída das filhas não seria assim tão sufocante. “Ensinei-as a irem atrás dos seus sonhos. Foram educadas para que pudessem fazer as suas próprias escolhas.” Quando falava com ambas e percebia que estavam realizadas e felizes, a fazer novas amizades e a viver novas experiências, sentia-se mais segura e tranquila.

Com três netos, Tiago de 13 anos, Maria Inês de 11, e Benjamim com dois meses, as saudades são uma constante ainda que a família se reúna com frequência e que as viagens de férias em conjunto sejam frequentes. “Numa fase da vida em que gostaríamos de estar mais presentes, o afastamento custa sempre”, confessa. O sentimento em relação aos netos já é diferente do que sentiu com a saída das filhas. “A sensação de tristeza e de vazio é inevitável. Eles não são meus mas fazem parte de mim, do meu mundo.”

Voltar a ser um casal

A síndrome do ninho vazio é o nome coloquial que se dá à saída dos filhos de casa dos pais. Para alguns é vivida com ansiedade e até com sofrimento excessivo. “Existem pais e mães que não suportam viver sem os filhos por perto, independentemente da idade dos mesmos”, afirma Lídia Craveiro, psicoterapeuta. Nesta fase da vida podem surgir alguns sinais típicos como “tristeza, sentimentos de inutilidade e de abandono. Por vezes, aparece uma depressão reativa à situação. Isto não significa que a mesma apareça logo após a saída dos filhos de casa. Pode surgir ao final de algum tempo e as pessoas não relacionarem os acontecimentos entre si”, acrescenta.

Como em qualquer outra etapa da vida que implique mudança e que gere modificações no estilo de vida, como o nascimento dos filhos ou o seu crescimento, o “ninho vazio” pode trazer desafios ou dificuldades de adaptação. Saem os filhos e a família nuclear fica reduzida ao marido e à mulher.

“Temos reaprendido a viver”, comenta Paulo Santos, 57 anos, marido de Cristina, 56, e pai de Inês, de 29, e David, três anos mais novo. “Estávamos tão envolvidos nas rotinas dos filhos que parece que nem sabíamos viver os dois. Aprendemos a adaptarmo-nos novamente um ao outro, enquanto casal”, salienta. Joaquim Cerejeira, diretor clínico da Unidade Psiquiátrica Privada de Coimbra, professor de Psiquiatria na Universidade da Beira Interior e investigador da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, denota que os casais que mais sofrem com esta fase da vida são os que se “dedicaram mais às questões dos filhos e minimizaram a importância da relação do casal”.

Paulo e Cristina Santos com os filhos Inês e David, de férias em Nova Iorque, em julho de 2018

Inês saiu de casa dos pais há três anos para viver com o namorado Ricardo, casando um ano depois. Cristina não aligeira as palavras para relembrar o dia em que a filha saiu. “Foi horrível. Ela pedia ajuda para fazer as malas, e eu não conseguia, só chorava.” Durante seis meses não conseguiu abrir a porta do quarto. “Custou muito. Não é nada fácil, e por mais que sejamos pais de mente aberta e pensemos que estamos preparados, na verdade nunca estamos. Até tínhamos o discurso de que eles deveriam ir à vida deles, mas da teoria à prática vai uma grande distância”, diz a mãe.

A filha é mais caseira, muito lutadora, multiplica-se em projetos, e acaba por estar mais perto do que o irmão, que deixou “o ninho vazio” em abril de 2018 para ir trabalhar numa startup em Berlim. Antes, já tinha feito Erasmus no Vietname e voluntariado no Cambodja, nada muito surpreendente para os pais dado o seu perfil aventureiro. “O David é do mundo”, constata o pai. “Ainda que o nosso filho não esteja assim tão longe, o coração fica fora do controlo, as saudades são muitas”, assume Cristina. Os pais já foram visitá-lo duas vezes, e David passou o último Natal em Portugal.

Minimizar as saudades

A partir do momento em que os filhos saem de casa, as relações entre os casais podem retrair-se. “Como abdicaram do seu tempo e do seu espaço, foram perdendo atividades a dois, e é difícil readquiri-las”, resume Joaquim Cerejeira. Cristina e Paulo confirmam. “Nesta fase em que já gozámos dois terços da vida, voltamos a fazer programas a dois. No ano passado, no inverno, íamos todos os domingos de manhã a um museu ou um monumento diferente, em Lisboa”, adianta Paulo. Cristina acrescenta que há anos que não jogavam às cartas ou iam ao cinema, algo que passaram ter tempo para fazer.

Leonilde Rasga encontrou no voluntariado uma forma de distração, partilhando os dias com os cem utentes e 37 colaboradores da Associação Social Avelãs de Caminho, tendo-se tornado presidente da direção. “Foi há dez anos que me entreguei de alma e coração a esta causa, com o intuito de contribuir para o bem-estar de todos e tentando fazer o elo entre família e utentes.” Esta é uma das estratégias que o psiquiatra recomenda para esta fase da vida. Mas também a entrada em universidades seniores, em grupos de prática de atividade física, ou o envolvimento em momentos culturais.

Dino e Leonilde Rasga com as filhas, os genros e os netos em Évora, na Páscoa de 2018

Os pacientes de Lídia Craveiro e de Joaquim Cerejeira não recorrem a ajuda especializada pela saída dos filhos de casa. “As queixas são camufladas por outro tipo de problemática. No entanto, já tive casos de terapia individual de adultos em que, ao fim de algum tempo, acaba por aparecer esse fator”, explica a psicóloga. Habitualmente, são pessoas que descrevem os sentimentos de inutilidade quando se reformaram, ou a partir de uma certa idade. “Nas consultas, queixam-se que não se sentem bem, que não conseguem dormir e que se sentem angustiadas, mas não afirmam que isso se deve à saída dos filhos de casa. Normalmente, têm dificuldade em fazer a associação entre a causa e efeito”, realça o psiquiatra.

Leonilde e Dino têm sempre a porta aberta de casa para receber os filhos, nos bons e nos maus momentos. Como forma de atenuar as saudades, em cada mensagem trocada ou em cada videochamada, Cristina despede-se com um “até já” e nunca com um adeus. E a vida segue em frente, ainda que de forma diferente.