Natal no Mundo, Natal à mesa: as tradições gastronómicas nos quatro cantos do globo

Tempo frio, lareiras acesas, árvores decoradas, mesas fartas com bacalhau e rabanadas, prendas para desembrulhar. Não é bem assim em todo o lado. As tradições gastronómicas têm as suas particularidades. Que ares natalícios andam a respirar os famosos portugueses espalhados por estes continentes fora?

Nova Iorque vive intensamente o Natal. A atmosfera enche-se de uma boa dose de glamour, as decorações ganham destaque nas ruas, nas lojas, dentro das casas. E há luzes. Muitas luzes. Os complexos comerciais têm árvores de Natal gigantes, fora do formato, e na Quinta Avenida passeia-se de mão dada com o espírito natalício. E com banda sonora a condizer.

Na cidade que não dorme, e que agora é a casa do anjo da Victoria’s Secret Sara Sampaio, o Natal sente-se debaixo dos pés. Há pistas de gelo, bonecos de neve, meias penduradas nas lareiras, cânticos alusivos à data em quase todo o lado, camisolas de lã com padrões da época – renas, pinheiros, prendas, Pai Natal -, doces em forma de bengala para decorar e comer e até excursões para não perder pitada das iluminações de Natal e ouvir os típicos sons dos trenós puxados pelas renas. Um Natal com tudo a que realmente tem direito.

Com requinte, ou não tivesse tantos famosos por metro quadrado. Com prendas, ou não fosse também a festa das compras e da partilha de presentes. Vibrante, porque o que toca no coração vive para sempre. E familiar, essa essência que nunca se perde. À mesa, e não muito diferente do que acontece no Dia de Ação de Graças, há peru assado com o afamado puré de batata, biscoitos de gengibre com formas de homem grande, tartes de maçã, noz-pecã, batata-doce e bolo de chocolate.

Mas, na verdade, pode haver de tudo um pouco. Os Estados Unidos são um país multicultural e as mesas de Natal repercutem essa diversidade de gentes e o respeito pelas origens. Por isso, quase nada é proibido. Frango, massas, carnes, hambúrgueres, pratos vegetarianos. O ator Joaquim de Almeida e a atriz Daniela Ruah, o cientista António Damásio e o secretário-geral da ONU António Guterres saberão, certamente, de que fibra é feito esse Natal.

O Natal americano é um clássico. As músicas que não saem do ouvido, o Jingle Bells que se entranhou para sempre, os filmes, que não se esquecem e se reveem vezes sem conta, foram cozinhados nesta parte do planeta. Por momentos, esquece-se a azáfama galopante dos táxis amarelos nas estradas e olha-se para os enfeites que brilham em toda a parte.

Os presentes abrem-se no dia de Natal, antes de um grande almoço em família. Mas não há panetone. Quanto a isso, o internacional português Cristiano Ronaldo não se pode queixar. Já deve ter ouvido falar deste doce, e provavelmente provado, na primeira atmosfera natalícia que estará a viver em Turim, Itália.

Pandoro: bolo macio italiano que demora tempo a fazer, de cor dourada, sem frutos e coberto com uma camada de açúcar branco

O panetone, o bolo de Natal que surgiu no norte de Itália – em Milão mais precisamente -, e que se espalhou por todo o país, tem um subtil sabor a baunilha. O recheio é generoso com frutas secas, damasco, laranja, figo, maçã, limão, uva-passa. É o típico doce italiano de Natal. A sua história não é clara. Terá sido um padeiro que quis impressionar a filha do patrão com um doce ou um empregado de cozinha que, para safar um bolo queimado, levou ao forno uma massa com frutas misturadas e apresentou à mesa da corte de Ludovico no século XV. Quanto a bolos, Itália tem também o pandoro, pão de ouro, outro doce que demora tempo a fazer, macio de cor dourada, sem frutos, e coberto com uma camada de açúcar branco.

O futebolista que joga com a camisola 7 da Juventus não deve ter razões de queixa. Turim veste-se de Natal, há mercados e decorações a condizer, locais para patinar no gelo, quilómetros de ruas e praças iluminados e um espírito familiar que lhe deve saber bem. Mesmo bem. À mesa, o jogador, se por ali ficar no apogeu do Natal, até pode matar saudades do bacalhau que, por aqueles lados, é servido frito ou guisado com tomate-cereja, alho e alcaparras.

Mas, se quiser mergulhar na verdadeira tradição natalícia de Piemonte, com Turim como capital, aí é outra louça, ao jantar do dia 24 ou ao almoço do dia 25. Para entrada, vitela com molho de atum, pimentos, salada russa e anchovas com molho verde. Depois, entra o “agnolotti del plin”, ou seja, macarrão com carne dentro, ou Tajarin com trufas e, como segundo prato, “brasato al Barolo”, carne cozida em vinho da região ou, então, um misto de carnes e legumes cozidos. Para finalizar, além do afamado panetone, há o tradicional tiramisu ou um doce semelhante a bolas de massa recheadas com creme de pasteleiro.

Cristiano Ronaldo conhece bem o Natal inglês. Como o treinador José Mourinho, a artista Paula Rego, instalada na capital britânica desde meados da década de 1970, o cientista e escritor João Magueijo e o economista Luís Horta Osório, presidente do Lloyd Bank, um dos banqueiros mais bem pagos do mundo. Podem até não passar a consoada no país que poderá deixar de pertencer à União Europeia no próximo ano, mas o ambiente que ali se vive cola-se à pele. Se o acordo vingar, será o último Natal como pedaço de território inserido no espaço comunitário.

Mas haverá sempre meias à lareira, mercados natalícios, luzes por todo o lado. O dia 24 é mais para sair com os amigos, ver espetáculos, participar em celebrações religiosas. O dia de Natal é que é. Feriado no Reino Unido, de manhã abrem-se as prendas; o resto do dia é para reconfortar o estômago. Com tortas recheadas de carne moída para abrir o apetite e, antes de a refeição começar, os crackers, uma espécie de bombons gigantes, não comestíveis, que têm dentro um brinde ou uma coroa de papel.

Foie Gras. Nas mesas francesas, é sinal de requinte e deve ser acompanhado com champanhe

O peru é o prato principal, acompanhado com batatas assadas, legumes cozidos e com um denso molho feito com o caldo suculento do assado da ave. Os bolos também são densos e recheados, como o Christmas Pudding, com frutas secas e molho de conhaque no interior. O pudim de ameixa também tem muita saída. A quadra continua no dia seguinte. A 26 de dezembro é o Boxing Day, feriado no país e início da época de saldos. Mas não só. A bola rola em vários relvados ingleses. Nesse dia, Mourinho estará ao serviço do Manchester United, onde é treinador, e entrará em campo para mais um jogo, marcado para as três da tarde.

Ostras e caracóis, marisco e torrone

Atravessando o Canal da Mancha, o Natal francês tem uma dose de glamour e de exotismo. Ostras e ganso, peru assado com castanhas, escargots (iguaria de caracóis), salmão fumado e ainda foie gras fatiado, acompanhado por champanhe, pois claro. Felipe Oliveira Baptista, criador de moda, natural dos Açores, que até maio deste ano foi diretor criativo da Lacoste, e o gestor Victor Borges, diretor-geral da Hèrmes, depois de ter sido diretor de loja da Louis Vuitton nos Campos Elísios, em Paris, conhecem bem os ares natalícios da capital francesa.

Por lá, as pastelarias são conhecidas pelo extremo bom gosto e os doces de Natal não lhe ficam atrás. Bûche de Noel, o tronco de Natal, é uma sobremesa obrigatória na ceia. Em forma de tronco, recheado com frutas ou com castanhas. Os chocolateiros franceses têm trabalho adicional nesta época com doces feitos especialmente para a ocasião. Nas suas mãos, as massas ganham contornos condizentes com a época. Biscoitos de Natal, frutos secos encaixados em bases de chocolate, nougats brancos ou pretos. Na Alsácia, por exemplo, há uma espécie de panetone. Chamam-lhe “stollen”.

Ao lado de França, no país nosso vizinho, o atleta Nelson Évora está em Madrid, tal como João Fernandes, subdiretor do Museu Rainha Sofia, e o tenista João Sousa vive em Barcelona. É um pulinho até cá, mas a verdade é que Espanha também não deixa créditos em mãos alheias. Se é Natal, veste-se como o Natal, decora-se como o Natal, canta-se como o Natal. Tem encanto e prolonga-se no tempo. Ruas, praças, monumentos, estabelecimentos comerciais ficam com mais brilho.

Na capital espanhol, a Puerta del Sol e as ruas ali à volta, a Plaza Mayor, a Gran Via, acompanham este momento especial do ano. Espanha gosta do Natal. À mesa, há presunto pata negra, marisco e peixe, paella, cordeiro assado e torrone, os torrões com amêndoas e mel, e a rosca de reis. Depois da ceia de 24, vai-se à missa do galo, mas os presentes só são abertos no ano seguinte, a 6 de janeiro, Dia de Reis, feriado nacional. É preciso esperar.

Chinelo no pé, mergulho no mar, farofas à mesa

Do outro lado do Atlântico, com o oceano pelo meio, o Natal é quente. O ator Ricardo Pereira e o realizador António Ferreira devem senti-lo na pele com bastante regularidade. No Brasil, há calor, é verão, é tempo de calções e chinelo no pé. Calor, sol, música, praia. E caipirinhas, pois claro. Não há casacos fechados, termómetros a descer ou neve a cair. É um Natal maneirinho e quentinho. Há ceia a 24 e abrem-se as prendas nesse dia.

À mesa, peru ou chester, que é um tipo especial de frango brasileiro com bastante carne nas coxas e no peito. Há também arroz, feijão, rabanadas e farofas. Doces, muitos doces. Mais cerveja do que vinho – o calor explica a preferência. Há samba, vontade de dançar e cantar, e o Natal é uma festa. No dia 25, quem não quiser regressar à cozinha, aproveita o que sobrou da mesa no dia anterior. E se houver praia ao pé, há mergulho, com certeza. No dia 25, Copacabana fica com poucos centímetros disponíveis na areia.

Num outro continente, África celebra o Natal à sua maneira. Cada país, suas tradições. Em Angola, Paulo Bracons, CEO da Saham, a maior seguradora do país, Fernando Teles, fundador do BIC, e Fernando Marques Pereira, presidente da comissão executiva do Banco Caixa Geral Angola, conhecerão esses meandros. Há hábitos que perduram e o bacalhau cozido e as rabanadas encontram-se em várias mesas porque sim, porque há vontade de matar saudades.

O funge, a mistura de farinha de mandioca ou milho com água, e pratos vegetarianos com mandioca também entram no menu angolano. É um Natal quente, a árvore é normalmente um cipreste, há missa do galo e troca de prendas. O cabrito assado é muito apreciado em Moçambique. Os cabo-verdianos preparam um cozido natalício. É um continente vasto, como vastas são as tradições por tantos países.

Do outro lado do mundo, no Oriente, na China, onde Vítor Pereira levou a equipa do Shangai SIPG ao título, e em Macau, onde o chef Luís Américo tem um restaurante, o Natal é uma modernidade levada pelos rápidos ventos da globalização do Ocidente. Já há luzes e troca de presentes, comércio preparado para a época, porque ali percebe-se de consumo até ao tutano, e até uma versão do Pai Natal para alegria dos mais pequenos. No entanto, no fundo, no fundo, são os estrangeiros que ali moram que fazem questão de exportar esse espírito natalício, colocando à mesa o que se come nos países de origem: carne, peixe e doces. Mesmo assim, o Ano Novo Chinês, celebrado em fevereiro de 2019, é o grande momento de celebração em família, a anos-luz do Natal.

Na Arábia Saudita, onde Jorge Jesus partilha as táticas de jogo, o Natal não tem espaço no calendário. Não há tradições nem raízes. Tal como na China, são os turistas e imigrantes que vão alimentando à sua maneira a época, católica por excelência, num país islâmico. Não há feriado para ninguém. Todos trabalham a 24 e 25 de dezembro. Dentro das casas de quem gosta e sabe o que é o Natal, celebra-se a festa de família com lembranças e recordações guardadas no coração e presentes para distribuir.

E nós, por cá, temos frio, lareiras acesas, bacalhau com batatas e molho de cebola, peru assado, polvo, filhoses, rabanadas, bolo-rei, fatias douradas e aletria. Temos também iluminações de Natal, lojas decoradas, ruas mais aconchegantes, músicas de fundo. Um Natal à portuguesa. Um Natal em família. Um Natal multicultural também. Os doces e salgados do Mundo também se vendem por cá.