Nasceu para ficar pendurada

Texto de Ana Tulha

O que é que as cruzetas que tem no guarda-roupa lá de casa têm a ver com Thomas Jefferson, o homem que conduziu os destinos dos Estados Unidos da América entre 1801 e 1809?

A avaliar por várias versões que foram correndo ao longo da História, tudo. É que, por muito que a primeira patente deste objeto só tenha sido registada em 1869, por um tal de O. A. North, é ao terceiro presidente americano que é atribuída a invenção da primeira cruzeta: algures no arranque do século XIX, o estadista americano terá desenvolvido um engenho de madeira para poupar espaço no armário da roupa.

Para a História, admita-se, ficou a tal patente de 1869, embora os louros do misterioso O. A. North saiam a dividir com os de Albert J. Parkhouse, um responsável da empresa Timberlake Wire and Novelty Company, que, farto das queixas dos funcionários por não terem onde pendurar os casacos, terá pegado num pedaço de arame e o terá dobrado de uma forma semelhante à atual cruzeta. Foi já no arranque do século XIX que a invenção de O. A. North se massificou – em 1906, Meyer May, um comerciante do Michigan, terá sido o primeiro a ter cruzetas num espaço comercial.

Depois, como em todas as invenções, o engenho original foi sendo aprimorado com o tempo: em 1932, Schuyler Hulett patenteou uma cruzeta com um design melhorado, que usava tubos de papelão em volta dos fios de arame, para prevenir possíveis vincos; três anos depois, Elmer Rogers acrescentou-lhe um terceiro tubo, na parte de baixo, com a cruzeta a ganhar aí uma forma triangular.

O protótipo da cruzeta moderna ficou então definido, por muito que os novos tempos tenham trazido uma panóplia de opções para todos os gostos – hoje, há-as de madeira, de plástico, de borracha, ou até de materiais mais requintados, como o cetim e a renda. Entre outras especificidades: com molas, sem molas, próprias para calças, saias, camisolas, com material que impedem a roupa de escorregar, ou quase tão simples como as primeiras a ser inventadas.

Imune ao passar do tempo é o regionalismo que, em Portugal, dita diferentes terminologias para este objeto consoante a latitude. Na certeza de que a cruzeta (como se diz a norte; o cabide, mais a sul) será sempre um objeto útil para quem procura rentabilizar ao máximo o guarda-fatos. Sem vestígios de encorrilhas. Thomas Jefferson ficaria orgulhoso.

Um símbolo pela legalização do aborto

Apesar de ser automaticamente reconhecida como um objeto útil em qualquer guarda-fatos, a cruzeta tem uma outra conotação, tão macabra como relevante. Tudo por causa de uma arrepiante prática, vulgar nos Estados Unidos até à década de 1970 e ainda utilizada em países onde o aborto não é permitido, que consiste em introduzir a parte de cima da cruzeta na vagina, até ao colo do útero, com o propósito de acabar com uma gravidez indesejada. De tão impactante, este costume acabou por promover a cruzeta a símbolo de vários movimentos favoráveis à legalização do aborto, pelo mundo fora.