Texto de Sofia Teixeira
Em Cabeço de Vide, freguesia alentejana do concelho de Fronteira, as cerca de mil pessoas que vivem na vila já estão habituadas a ver investigadores, portugueses e estrangeiros, andarem cá e lá com complicados aparelhos de análise e medição. E, na verdade, sentem-se orgulhosos pela atenção dispensada ao património local.
As propriedades terapêuticas das águas minerais naturais da zona são conhecidas e usadas há centenas de anos mas, em 2000, o então diretor técnico das Termas da Sulfúrea solicitou ao Instituto Superior Técnico (IST) um estudo para melhor as conhecer e preservar.
E foi então que as águas captadas na nascente Ermida das termas começaram a despertar maior atenção de cada vez mais investigadores de outras universidades portuguesas e internacionais (Itália, Japão, EUA), e a NASA se deslocou a Portugal para fazer testes.
Na origem deste interesse não estão apenas as propriedades terapêuticas mas antes, e sobretudo, o sistema geológico e hidrogeológico em si. “É raro no mundo, por isso desperta a curiosidade da comunidade científica no sentido de se estudarem os processos de interação água-rocha e da atividade microbiana existente nestes ambientes extremos, de pH tão elevado, no caso de 11,5”, explica a investigadora Carla Rocha, atualmente a fazer doutoramento sobre estes sistemas no Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA) e C2TN – Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares do IST, com bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Na origem de todo este interesse e de tantos estudos académicos está um processo geoquímico chamado serpentinização, que acontece quando uma rocha rica em magnésio e ferro é convertida em minerais de argila do grupo das serpentinas. Juntamente com o pH elevado, este processo produz hidrogénio que, por sua vez, pode conduzir à formação de microrganismos, ou seja, gerar vida.
E é por isso que a National Aeronautics and Space Administration (NASA) é um dos organismos tão interessados nesta pequena localidade alentejana. “Estamos muito entusiasmados com a serpentinização ativa que acontece em Cabeço de Vide”, conta à “Notícias Magazine” o astrobiólogo e geofísico Steve Vance.
“Estamos muito entusiasmados com a serpentinização ativa que acontece em Cabeço de Vide” (Steve Vance, astrobiólogo e geofísico)
O investigador do Jet Propulsion Laboratory da NASA esclarece que o hidrogénio produzido em Cabeço de Vide pode suportar microrganismos sem a necessidade de energia solar. “E isso é empolgante para a NASA, porque achamos que pode haver água líquida sob a superfície seca e empoeirada de Marte e sabemos que há água líquida sob as superfícies geladas das luas de Júpiter (Europa, Ganimedes e Calisto) e também nas luas de Saturno (Encélado e Titã). Se a serpentinização acontece nesses lugares, talvez possamos finalmente encontrar lá vida.”
À semelhança de The Cedars, na Califórnia, Cabeço de Vide é considerado “um laboratório natural porque tem um ambiente hidrogeológico e uma interação água-rocha que poderá ser em tudo semelhante à que ocorreu ou que decorre atualmente no planeta Marte”, concorda Carla Rocha, cuja tese de doutoramento se intitula “Cabeço de Vide (Portugal) mineral water as a possible analogue to Mars: a water-rock interaction approach”.
Estes estudos, de acordo com a investigadora, “podem vir a ser de grande importância para perceber qual o tipo de microrganismos que se poderão ter desenvolvido ou que se poderão estar a desenvolver em Marte”.
Cabeço de Vide é considerado “um laboratório natural porque tem um ambiente hidrogeológico e uma interação água-rocha que poderá ser em tudo semelhante à que ocorreu ou que decorre atualmente no planeta Marte” (Carla Rocha, investigadora)
As respostas para as grandes perguntas da Humanidade podem estar escondidas em todo o lado. Até (ou sobretudo) em Cabeço de Vide.
Uma água que faz bem à saúde
A água de Cabeço de Vide não está indicada para beber, salvo em pequenas quantidades e apenas por indicação médica, já que tem um pH de 11,5 e o limite para consumo humano situa-se nos 9,5. Tem, no entanto, propriedades terapêuticas – sobretudo associadas aos elevados níveis de enxofre – que resultam da sua interação com a pele e o sistema respiratório, e das quais é possível usufruir nas Termas da Sulfúrea, em Cabeço de Vide.
A água de Cabeço de Vide não está indicada para beber.
As suas indicações terapêuticas são, de acordo com os médicos hidrologistas e o site das Termas de Portugal, três: doenças crónicas e alérgicas das vias respiratórias superiores e inferiores, como a asma, sobretudo em crianças; patologias osteoarticulares e reumatismais crónicas, como as osteoartroses; e em doenças crónicas ou alérgicas de pele, como a psoríase ou o eczema.