México: morrer em nome da verdade

Foto: Mauricio Pérez/Propuesta Cívica

Assassínios, sequestros, ameaças de morte. Exílio e fuga, silêncio. O México converteu-se no maior túmulo de jornalistas em todo o mundo. Só nos cinco primeiros meses de 2019 foram mortos sete repórteres. O Tribunal Penal Internacional já investiga denúncias de possíveis crimes contra a humanidade.

Texto de Pedro Cardoso, no México

16 de maio. Nem há um mês. No chão de cimento, um corpo com marcas de violência e um tiro na cabeça. Duas garrafas de cerveja vazias – uma verde, outra castanha – sustêm um plástico azul que mal cobre a cara e o peito de Francisco Romero. São seis da manhã e a notícia estala na turística Playa del Carmen, a 70 quilómetros de Cancun: mataram Ñaca-Ñaca. O jornalista de “Ocurrió Aquí” caiu numa emboscada.

“Por volta das cinco da manhã, recebeu uma chamada para cobrir algo no bar ‘La Gota'”, conta à “Notícias Magazine” Amir Ibrahim, diretor de “Quintana Roo Hoy”, jornal onde o repórter colaborava. Ñaca-Ñaca não hesitou. Meteu-se na moto e avançou sozinho. Uma hora depois estava morto.

O Ministério Público local deteve no dia seguinte o sicário que disparou o gatilho. Não tinha grande informação. Recebeu as ordens por telefone – não sabe de quem – e já no bar “alguém” lhe entregou uma pistola e indicou o alvo. Esperou, atirou e fugiu.

A execução foi rápida, mas a história não é tão simples. No ano passado, Rubén Pat e José Guadalupe Chan Dzib, dois colegas de Francisco Romero no site “Playa News”, também foram executados. Com o perigo por perto, Ñaca Ñaca refugiou-se na Cidade do México, sob alçada do Mecanismo de Proteção para Pessoas Defensoras de Direitos Humanos e Jornalistas, órgão estatal.

Regressou poucos meses depois ao Caribe mexicano e abriu a página de Facebook “Ocurrió Aquí”. “Era o meio de notícias de crime mais popular da cidade, com vários diretos por dia no lugar dos acontecimentos e milhares de seguidores que o adoravam”, reconhece Amir Ibrahim.

Foto: Yahir Ceballos/Procesofoto

Sem saber, Francisco Romero segurava nas mãos uma bomba-relógio. A 11 de abril passado, foi raptado. Vendaram-lhe os olhos, ataram-lhe as mãos e agrediram-no antes de o soltar. Duas semanas depois, piratas informáticos eliminaram a página de “Ocurrió Aquí”. Num vídeo que publicou no mesmo dia, Francisco foi cortante: “Responsabilizo diretamente [a presidente da Câmara Municipal] Laura Beristain por tudo o que me possa acontecer”. A autarca não respondeu ao pedido de entrevista da “Notícias Magazine”.

Francisco Romero foi o sétimo jornalista mexicano morto neste ano. Um personagem mais de uma história sem fim à vista, que já matou 117 repórteres desde que a violência estalou no país, em 2006, e que transforma o México no país mais sangrento em todo o mundo para profissionais de comunicação, segundo o “Barómetro 2019” de Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

O terror é a arma

Faltavam cinco dias para o Natal de 2018 em Ciudad Victoria, capital do nortenho estado de Tamaulipas. Às três e meia da tarde, uma pequena caixa térmica de esferovite aparece no estacionamento em frente ao jornal “Expresso”, com uma mensagem: “Para os jornais aliados do governo de Cabeza de Vaca [governador do Estado] por contratos multimilionários, eles não te vão salvar e esta é uma prova. Continua de boca fechada para ver. A carne não está com você. Entenda.” Dentro da caixa térmica, uma cabeça decapitada de um homem e mãos humanas mostravam quais seriam as consequências.

Esta imagem macabra é um “murro no estômago” que Gildo Garza conhece bem. Em conversa com a NM, o jornalista de Tamaulipas conta que foi raptado três vezes quando vivia na região. “Numa dessas ocasiões, fui torturado e espancado durante uma semana inteira”, detalha.

Em março deste ano, o jornalista publicou no portal “Horizontal” um relato desses tempos em Ciudad Victoria. Com uma linguagem crua, descreve como viu desaparecer “mais de quarenta companheiros” entre 2000 e 2013 e como os jornalistas da região foram “cooptados por grupos criminosos e obrigados, muitas vezes, a retratar os rostos dos inimigos dos delinquentes no último segundo antes de serem mortos”.

O terror era – e continua a ser – a arma. Em 2013, o jornalista recebeu uma mensagem: “Vão ver os torresmos dos seus companheiros, os contras, assim vão ficar se não obedecerem, repórteres de merda”. O cenário era dantesco: em frente a um hospital de Ciudad Victoria, quatro jornalistas calcinados.

Em 2017, a situação tornou-se insuportável. Depois de “uma intensa campanha de desprestígio nas redes sociais”, Gildo recebeu uma ameaça direta: “Tens umas horas para deixar Tamaulipas. Se não, matamos a tua família e até o cão”. “Não quis ficar para ver o que aconteceria”, conta à NM. E fugiu para a Cidade do México.

Foto: Consuelo Pagaza/Propuesta Cívica

A história de Tamaulipas é o espelho de um país sem garantias e onde, “para se protegerem de agressões e também para se capacitarem, os repórteres formaram coletivos de apoio”, conta Félix Marquez, da Rede Veracruzana de Jornalistas. Marcela Turati, cofundadora da organização 5º Elemento Lab, a plataforma que apoia investigações jornalísticas de alto impacto no México, diz que “há estados inteiros onde não se pode publicar nada. São as chamadas zonas de silêncio, onde todos os dias os jornalistas jogam a vida”.

Só a sorte pode salvar

Eram vermelhas, as sapatilhas do homem que atacou Hiram Moreno. A 20 de março deste ano, o diretor do jornal online “Evidências”, em Salina Cruz, saía de uma loja de conveniência onde tinha comprado um refrigerante. Nesse momento, uma mota pára atrás do seu carro. Um homem desce e avança em direção a Hiram sem tirar o capacete. “Olho-o nos olhos e vejo como levanta a t-shirt com a mão esquerda e com a direita saca a pistola e começa a disparar”, relata.

Uma bala atinge o jornalista nas costas, “a milímetros da coluna”; outra no braço direito. O impacto atira-o para o chão. De pistola em riste, o motociclista avança, “muito provavelmente para dar o tiro de morte”. “Consigo agarrar-lhe o braço e atiro a garrafa de refrigerante que lhe bate na cabeça”. O assassino afasta-se. Hiram espreita por baixo do carro. Vê como as “sapatilhas vermelhas” sobem à mota e arrancam.

Num México conturbado, as investigações que Hiram publica há décadas têm potencial letal: corrupção política e sindical, revenda ilegal de combustível e de licenças de táxis. Para o jornalista, “há coincidências” em que não deixa de pensar. “Sofro o atentado no momento em que regressam a Salina Cruz pessoas que eu denunciei há cinco anos. Se as autoridades não avançarem com a investigação, se ninguém for preso, tenho a certeza que me vão tentar matar outra vez.”

No reino da impunidade

O apelo desesperado de Hiram Moreno no final da conversa com a NM é um eco sem resposta num México onde “muitas vezes quem comete os crimes contra a imprensa são os mesmos que lhes deveriam brindar proteção”, diz Jan-Albert Hootsen, responsável do Comité de Proteção de Jornalistas (CPJ) no México. Uma referência à chamada “narcopolítica”, fusão do crime organizado com políticos e polícias, sobretudo a nível municipal.

Como se não bastasse, um relatório da organização Artigo 19, publicado no início do ano, avançou que 99,13% dos crimes contra jornalistas que deram entrada na Unidade Especial para o Atendimento de Delitos contra a Liberdade de Expressão (FEADLE, na sigla em espanhol) continuam impunes.

“Matar um jornalista no México é como receber um cheque em branco”, atira Griselda Triana. Há dois anos, o marido, o icónico jornalista Javier Valdez, foi assassinado em Culiacán, estado de Sinaloa. Como em muitos outros casos, o processo deteve-se quando prenderam os autores materiais. “Falta agora saber quem deu a ordem para disparar”, aponta Griselda.

“A FEADLE é um reflexo de uma crise de justiça tremenda no país sem fim à vista”, considera Balbina Flores, representante de RSF no México. Jorge Sánchez, filho de Moisés Sanchez, jornalista assassinado há quatro anos, concorda, mas vai mais longe: “Deveriam investigar o organismo, para determinar se não funciona por mera negligência ou por cumplicidade”. O português Ricardo Neves, delegado de Direitos Humanos do escritório das Nações Unidas (ONU-DH) no México, entende as críticas, mas aponta: “O orçamento da FEADLE tem vindo a reduzir progressivamente e os valores para 2019 são uma terça parte do que era há cinco anos”.

Foto: Jornal Norte, Ciudad Juárez

Há dois meses, a RSF e a associação mexicana Proposta Cívica (PC) enviaram ao Tribunal Penal Internacional (TPI) uma comunicação em que defendem que nos últimos 12 anos se cometeram crimes de lesa-humanidade contra os jornalistas mexicanos. O TPI analisa agora o documento. “Temos de deixar de encontrar desculpas e apurar responsabilidades”, comenta Sara Mendiola, diretora de PC. A FEADLE não respondeu ao pedido de entrevista da NM.

Refúgio e exílio

Sem garantias de justiça e de proteção no lugar de origem, a Cidade do México tornou-se refúgio para jornalistas de todo o país. Quando chegou à capital, Jesús Medina estava assustado. Acabava de chegar de Tetela del Volcán, estado de Morelos, onde uma perseguição cinematográfica com um helicóptero à mistura o obrigou a fugir às pressas.

“Durante um ano, na Rádio Tlatoa, toquei os interesses das autoridades municipais e estatais, ao denunciar uma negociata que ia tirar à minha vila o acesso a um manancial de água. Estavam agora a cobrar-me o preço. Na mão, trazia uma Bíblia que a minha sogra me tinha dado e onde escrevi os números telefónicos que me podiam ser úteis”, conta à NM.

“Estava convencido que me estavam a seguir e que me iam matar. Escrevi no meu braço, com tinta permanente, o número de telefone do meu irmão, para que quem encontrasse o meu corpo soubesse a quem ligar.” Nunca o apanharam. A 2 de outubro, Jesús contou a sua história à revista “Proceso”. Três dias depois, o Mecanismo de Proteção trouxe a mulher e os filhos para junto dele. “Só regressei uma vez a Tetela para trazer o meu cão, o Zombie. Tinha de arriscar. É o melhor cão do mundo”, sorri.

Leonardo Martinez também se refugiou na Cidade do México, mas a família não sabe. “Pensam que vim por trabalho”. Chegou há três meses, quando um cartel de narcotraficantes ameaçou metralhar o jornal onde trabalhava. “Os cartéis são quem define a linha editorial. Quando há um ato violento relacionado com o narcotráfico, temos que lhes perguntar primeiro se a notícia pode sair”, explica. “Se um diz que sim e o outro diz que não, então é como jogar à roleta russa”, acrescenta Omar Bello, ex-colega de Leonardo no mesmo jornal, e que fugiu em 2017, depois de dois sequestros.

Leonardo não se habitua à Cidade do México, mas regressar a Zihuatanejo não é opção. Para obter o estatuto de vítima, teve de apresentar uma denúncia formal contra os dois cartéis que o ameaçaram. “Se regresso a casa, a investigação ativa-se de imediato e os narcotraficantes vão saber que os denunciei… e isso é complicado.”

Para Anabel Hernández, o México já não é opção. Em 2017, saiu do país para o exílio num lugar seguro. A conversa é por Skype. Sem números. Nem referência a lugares. Nos últimos 20 anos, Anabel fez uma série de investigações que a transformaram numa das jornalistas mais respeitadas no país. E, literalmente, num alvo a abater. Desde a publicação do polémico livro “Senhores do Narco”, o mundo começou a desabar.

Em 2012, uma das fontes “mais sensíveis” de Anabel, o general Mario Arturo Acosta Chaparro, foi assassinado na Cidade do México. Em 2013, homens armados entraram em casa da jornalista. “Puseram uma pistola na cabeça de uma criança de seis anos para que os pais lhe dissessem onde é que eu estava”, conta. Decide, então, partir para o que chama de “primeiro exílio” em São Francisco, nos Estados Unidos.

No vaivém em que se converteu a sua vida, regressou ao México para terminar um livro sobre a participação do Estado no desaparecimento de 43 estudantes em 2014. A bomba rebentou ainda antes de a obra ser publicada. Em 2016, é evacuada de urgência da apresentação do livro na cidade de Guadalajara. “Identificaram oito pessoas que me estavam a seguir desde que cheguei à cidade e que já tinham cercado o lugar onde eu estava com a audiência para o lançamento.”

A falta de proteção e segurança atirou-a novamente para um autoexílio que dura até hoje. “É uma vergonha para o México que um jornalista tenha que sair para o estrangeiro para poder continuar a investigar livremente o que acontece no seu próprio país”, comenta. Com Patricia Mayorga, Ana Lilia Pérez, Carmen Aristegui e Lydia Cacho, a jornalista Anabel Hérnandez pertence a um grupo de jornalistas mexicanas premiadas internacionalmente por defender com unhas e dentes a liberdade de expressão no país.

Mecanismo de proteção alvo de críticas

Uma destas “vergonhas” que Anabel aponta “tem nome e apelido”: Mecanismo de Proteção de Pessoas Defensoras de Direitos Humanos e Jornalistas. A repórter está adscrita desde 2013 a este órgão da Secretaria da Governação e as críticas são contundentes: “Categoricamente, não serve para nada”.

Foto: DR

A entidade foi criada em 2012 para tentar dar resposta à crescente violência contra os defensores de direitos humanos e jornalistas. “Apoia-os com medidas de proteção no lugar de residência através de escoltas ou reforço da segurança das casas, por exemplo. Ou se a avaliação de risco determina que o perigo é elevado, apoia os jornalistas a ir para outro ponto do país, normalmente a Cidade do México, onde os ajuda com alimentação e habitação”, descreve o titular do órgão, Aarón Mastache.

À primeira vista, o plano é perfeito, mas são muitas as críticas. Os homicídios dos jornalistas Rafael Murrúa e Francisco Romero e o atentado contra Hiram Moreno, este ano, expuseram uma vez mais as debilidades do sistema. Os três estavam sob proteção do Mecanismo.

O Presidente de Jornalistas Deslocados do México, Gildo Garza, reconhece que “se o Mecanismo não existisse, haveria mais mortos,” mas defende que “é preciso fortalecê-lo”.

Aarón Mastache concorda e comenta que “está em curso um processo de formação a ponto de terminar, e o objetivo é certificar os técnicos nas avaliações de risco”. Ao mesmo tempo, acrescenta, “a ONU-DH está atualmente a fazer uma avaliação do funcionamento do órgão”. Ricardo Neves é um dos principais implicados nessa avaliação que deverá sair em finais de junho.

Numa análise preliminar, é taxativo: “Sozinho, o Mecanismo não pode fazer face aos problemas”. E defende uma mudança. “As instituições têm de começar a ter uma perspetiva de prevenção. Se não, não vão poder dar resposta ao número crescente de pessoas em risco que pedem ajuda”. Itzia Miravete, de Artigo 19 México, acrescenta: “Enquanto não se desenvolver uma política pública estrutural que proteja os jornalistas – física, psicológica e digitalmente -, e que venha acompanhada de um combate à impunidade e reparação do dano, o mecanismo não vai ser a resposta”.

Alerta nas redações

Nos últimos meses, a violência sobre os jornalistas mexicanos tem vindo a deslocar-se para as comunidades mais pequenas e afastadas dos maiores centros urbanos. No entanto, as redações dos meios de comunicação das grandes cidades não fogem à pressão. “Já é muito normal que entre nós troquemos impressões sobre que aplicação devemos usar para falar de forma segura, ou como aplicar protocolos de segurança e encriptar informação”, comenta Marcela Turati, cofundadora de 5º Elemento Lab, a plataforma que apoia investigações jornalísticas de alto impacto no México.

Com 45 anos de publicação ininterrupta, “Processo” é um ícone do jornalismo de investigação no país. O subdiretor de informação da revista, Homero Campa, relata que “ao longo do tempo houve situações bastante difíceis, como o assassínio da correspondente em Veracruz, Regina Martinez, ou de Rubén Espinosa, um fotojornalista que colaborava com a publicação e que foi assassinado na Cidade do México”.

Num meio complicado, “a segurança é a prioridade absoluta”, comenta. “Não acreditamos em jornalistas mártires. Se detetamos uma situação que põe em perigo a segurança de um jornalista, podemos deter a investigação ou fazê-la em conjunto. Às vezes não assinamos os trabalhos, o meio assume a investigação por completo”, comenta.

Com menos passado, a redação de Mexicanos Contra a Corrupção e Impunidade (MCCI) é atualmente uma das vozes mais contundentes do jornalismo mexicano. As denúncias de esquemas de corrupção, com nomes, documentos e pontos nos is, trouxeram consequências. No início do mês, a página de MCCI foi atacada por hackers. “Apagaram toda a informação do servidor”, conta-nos o diretor de comunicação, Dario Ramírez. O meio interpôs uma denúncia na PGR, sem grandes esperanças. “Pelos níveis de impunidade que há para estes casos, não acho que vá terminar em alguma coisa”, infere Dario Ramirez. Na última semana, o site de MCCI voltou a ser atacado duas vezes, com a criação de páginas apócrifas com notícias falsas.

Na administração passada, a pressão do Estado sobre MCCI assumiu formas mais indiretas. Dario Ramirez conta que “por nove vezes” as Finanças mexicanas passaram aquele órgão a pente fino. Um corre-corre inusual, mas que não é um método novo. Óscar Cantú, diretor do “El Norte”, em Ciudad Juárez, já passou pelo mesmo. O jornal é um dos símbolos da violência contra os jornalistas. Há dois anos, uma das repórteres da publicação, Miroslava Breach, foi assassinada em Ciudad Chihuahua. “Fechei-o durante um ano como forma de protesto”, relembra Óscar.

“Se Vale a pena? Claro”

A pergunta impõe-se: vale a pena arriscar a vida, abandonar tudo e todos para continuar a informar? Dois meses depois do atentado que quase o calou, Hiram Moreno pensa uns segundos. Ajeita a voz quebrada e desabafa: “Não sei se sou um jornalista honrado ou um jornalista patético e imbecil por continuar a insistir. Quero publicar o que não se publica. É por isso que as pessoas confiam em mim. Sabia que isto podia acontecer a qualquer momento, que pode voltar a acontecer e quero que os meus filhos saibam que os amo muito”.

Pausa.

“Se vale a pena?… Contribuímos para que as pessoas não perdessem os seus trabalhos; para dar as licenças de táxi a quem está atrás de um volante há vinte, trinta anos, e não a quem se quer aproveitar deles; denunciámos políticos corruptos que deram cabo do orçamento público. Valeu a pena? Claro que valeu.”

Enquanto escrevo, “Artigo 19” lança um novo alerta por Facebook. “Repórter é ameaçada em Michoacán por documentar incêndios florestais e possível relação com a delinquência organizada.” Mais uma. A jornalista chama-se Alejandra Jiménez García. As ameaças são de morte.

Desde que comecei a reportagem, tive de atualizar duas vezes a lista de jornalistas mexicanos assassinados em 2019. A folha branca com cada vez menos espaço, e com a respiração em suspenso, tornou-se numa lápide coletiva:

20 de janeiro Rafael Murrúa. Fundador da Rádio Kashana, estado de Baja California Sur. “Saiu de casa num sábado, apareceu no dia seguinte, baleado. Nos últimos tempos recebia muitas ameaças”, diz Alfredo Murillo, amigo do jornalista e membro da rádio. “Ultimamente, Rafael tinha denunciado irregularidades na administração local”, acrescenta Cristina Medina, amiga e jornalista.

A lápide coletiva

Desde que comecei a reportagem, tive de atualizar duas vezes a lista de jornalistas mexicanos assassinados em 2019. A folha branca com cada vez menos espaço, e com a respiração em suspenso, tornou-se numa lápide coletiva:

  • 20 de janeiro: Rafael Murrúa. Fundador da Rádio Kashana, estado de Baja California Sur. “Saiu de casa num sábado, apareceu no dia seguinte, baleado. Nos últimos tempos recebia muitas ameaças”, diz Alfredo Murillo, amigo do jornalista e membro da rádio. “Ultimamente, Rafael tinha denunciado irregularidades na administração local”, acrescenta Cristina Medina, amiga e jornalista.
  • 9 de fevereiro: Jesús Ramos, jornalista da Rádio Oye 99.9, no estado de Tabasco. Um homem entrou no hotel onde tomava o pequeno-almoço com amigos e disparou oito vezes à queima-roupa.
  • 20 de fevereiro: Samir Flores, da Rádio Amitzinko, estado de Morelos.
  • 15 de março: Santiago Barroso, da Rádio Rio Digital (Sonora). Executado à porta de casa.
  • 2 de abril: Omar Camacho, da Rádio Chávez (Sinaloa), desaparecido a 24 de março e encontrado morto junto a uma ponte, com sinais de violência.
  • 6 de maio: Telésforo Santiago Enriquez, da Rádio Comunitária Estereo Cafetal, estado de Oaxaca. Baleado dentro do carro.
  • 16 de maio: Francisco Romero, repórter de “Ocurrió Aquí”, estado de Quintana Roo.

 

Nota – A 11 de junho, dois dias depois da publicação em papel desta reportagem, a jornalista Norma Sarabia, correspondente dos jornais “Presente” e “Tabasco Hoy”, foi assassinada em Huimanguillo (leste do país). Norma foi o oitavo jornalista executado no México em 2019.