Matthew Goodwin e Roger Eatwell: “Nunca nos vamos livrar do populismo”

Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens

Roger Eatwell, de 70 anos, é professor emérito de Política Comparada na Universidade de Bath, no Reino Unido, com vasta obra publicada sobre o tema do fascismo e populismo contemporâneo. Matthew Goodwin, de 37 anos, é professor de Política na Universidade de Kent, também no Reino Unido, publicou cinco livros e trabalhou com centenas de organizações em temas relacionados com a volatilidade política no Ocidente. Apresentaram esta semana, em Lisboa, a edição portuguesa do livro “Populismo: a Revolta Contra a Democracia Liberal” e conversaram com a “Notícias Magazine”.

Há uma enorme diferença entre o uso que habitualmente é dado à palavra populismo e a definição que apresentam.
Roger Eatwell (RE): É uma palavra tipicamente usada com um sentido pejorativo e muito poucas pessoas se descrevem a si próprias como populistas. Hoje, é usada para descrever um estilo político que envolve fazer promessas que não se podem cumprir, dizer às pessoas aquilo que elas querem ouvir, ter líderes carismáticos que usam uma linguagem muito simples para que as pessoas se identifiquem com eles. Esta é a abordagem académica e jornalística atual, que considera o populismo perigoso.

Mas não é a vossa abordagem.
RE: Não é a nossa abordagem. Julgamos que esses traços podem ser encontrados nos populistas, mas também em muitos outros políticos. Acreditamos que o populismo, assim como o liberalismo, é uma ideologia, apesar de ser uma ideologia estreita, ou seja, com poucos princípios definidores e que, por isso, se pode moldar a outras ideologias mais desenvolvidas, como o socialismo e o nacionalismo. Podemos resumir o populismo em dois pontos-chave. Primeiro, a palavra do povo deve prevalecer – sendo este povo visto como uma classe trabalhadora e rural, por oposição às pessoas que vivem nas cidades grandes e sofisticadas. Segundo, a ideia de que a política está dominada por uma elite liberal de políticos, jornalistas e académicos que não ouvem o povo e não querem saber o que ele pensa. Por isso, para nós, o populismo é um discurso democrático que alega que a verdadeira vontade das pessoas não está a ser escutada porque a política está dominada por estas elites liberais. Há uma situação que descreve bem este cenário: Hillary Clinton desdenhou dos apoiantes de Donald Trump, descrevendo que metade deles são “uma cesta de miseráveis”, ele, por seu turno, fez comícios a dizer “eu adoro os que têm menos educação”.

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E quais são as razões que levam as pessoas a apoiar estes partidos populistas?
Matthew Goodwin (MG): Acreditamos que esta tendência está ancorada em mudanças históricas que têm ocorrido nas últimas décadas a que chamamos os 4 D’s. O despojamento, caracterizado pelo sentimento que as pessoas têm de que o grupo a que pertencem está a ser deixado para trás em detrimento de outros grupos sociais; a desconfiança em relação aos políticos e às instituições, que as pessoas sentem cada vez mais distantes do cidadão comum; a terceira está relacionada com o sentimento de destruição do seu estilo de vida, das suas comunidades e costumes como consequência da imigração e das mudanças demográficas, e por fim, o desalinhamento, já que os laços entre os eleitores e os partidos tradicionais estão a quebrar-se, o que torna o sistema político mais volátil, fragmentado e imprevisível.

Há quem alegue que os principais eleitores destes partidos são sobretudo homens brancos mais velhos.
MG: Definir os eleitores destes partidos como “velhos homens brancos zangados” é um dos muitos mitos que têm sido encorajados pelos analistas políticos, académicos e muitas pessoas de esquerda. E isso não é verdade: há muitas mulheres, muitos jovens e muitas minorias a votarem nestes movimentos. É preciso não esquecer que um em cada três eleitores negros ou de minorias étnicas votou a favor do Brexit e um em cada três eleitores latinos e hispânicos votou em Donald Trump. Se quisermos abordar este assunto de forma séria, teremos de aceitar algumas coisas que nos fazem sentir desconfortáveis.

Como por exemplo?
MG: Por exemplo, admitir que estes votos não são apenas votos de protesto em resposta à crise económica, que nem todos os eleitores destes partidos são racistas e que há queixas e preocupações legítimas que podem e devem ser discutidas: por que razão temos tão poucas pessoas da classe trabalhadora na política e nos media? Porque é que no Reino Unido as discussões nacionais são dominadas por pessoas que frequentaram Oxford e Cambridge? Porque é que há tantos milionários no congresso americano?

“Temos de fazer um debate sério sobre o populismo, em vez de ofender os seus eleitores”

Mas concedem que alguns desses votos são efetivamente contra o sistema e não necessariamente a favor das ideias desses partidos?
RE: Acho que uma pequena percentagem pode ser associada a um voto negativo ou um anti-voto, mas a maioria destes eleitores quer uma nova democracia e uma sociedade mais igualitária, apesar de nem sempre conseguir articular bem o que deseja. No entanto, por outro lado, não há nenhum contrassenso no facto de um voto de protesto poder, ao mesmo tempo, trazer pontos de vista positivos. O voto no socialismo começou por ser um voto de protesto contra as desigualdades, e isso não quer dizer que o socialismo não tenha tido coisas boas a dizer sobre como a sociedade deve estar organizada.

Isso quer dizer que não consideram o nacional-populismo um movimento racista, xenófobo e que desrespeita as minorias?
RE: Claro que ainda há racismo nas sociedades ocidentais, mas também há uma vulgarização do termo racismo e as pessoas que estão envolvidas na luta antirracista têm tendência a vê-lo em todo o lado. É preciso não esquecer que nos anos 1950, nos Estados Unidos da América, apenas 10% das pessoas concordava com casamentos inter-raciais e, hoje, 90% da população apoia-os. Em relação à xenofobia, acho que muitos desses partidos são xenófobos, sim, se por xenofobia se entender que exploram a hostilidade pelos estrangeiros. Mas isso não quer dizer que sejam necessariamente racistas. Acho que perguntar “Quantos imigrantes não qualificados queremos receber?” ou “Como devemos integrar os imigrantes muçulmanos no nosso país?” são perguntas legítimas e não racistas.
MG: Desde o Brexit as pessoas tornam-se mais positivas em relação à imigração. O apoio ao casamento entre pessoas do mesmo sexo continua a aumentar. Os liberais, por vezes, esquecem as suas conquistas. Dizer que toda a gente que votou pelo Brexit é intolerante ou que toda a gente que votou no Trump é racista deixa-me preocupado: o que se está a fazer é a criar mais polarização, a perder a possibilidade de trazer essas pessoas para o debate público, comprometendo assim a criação de consensos.

O Brexit é uma expressão clara do nacional populismo no Reino Unido?
MG: Há elementos do Brexit que são inquestionavelmente de cariz populista. Contudo, para entender o Brexit, é preciso ter em conta uma longa tradição britânica de euroceticismo, que sempre foi uma corrente bem estabelecida. Mas, claro que o elemento-chave para apresentar esta tendência a uma audiência maior foi o Nigel Farage, primeiro com o Partido de Independência do Reino Unido e agora com o Partido Brexit, que são inquestionavelmente projetos nacional-populistas. Pegaram no euroceticismo e anexaram-lhe as questões da imigração. Pode dizer-se que o Nigel Farage é o arquiteto do voto do Brexit, mas de certa forma também o Tony Blair o foi, na medida em que cometeu muitos erros no seu Governo e, em certa medida, também Margaret Thatcher tem alguma responsabilidade, já que as suas reformas fizeram com que muitos dos seus eleitores se tenham sentido traídos.

Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens

Como é que vê o que está a acontecer no seu país neste momento?
MG: O Brexit colocou na agenda pública temas que tinham sido afastados dela. Por exemplo, as sérias desigualdades regionais, as desigualdades educativas, o domínio das elites. Agora é que está a ser feito o debate sobre onde estamos e para onde queremos ir. Há quem diga “podíamos ter feito o debate enquanto ainda estávamos na União Europeia”, ao que eu respondo “podíamos, mas não fizemos”. A questão é precisamente essa. Agora, como consequência, temos um movimento ligado ao nacional-populismo que está a colocar essas questões em cima da mesa e não temos alternativa a não ser fazer o debate que já devíamos ter feito há muito tempo.

Onde é que desenhamos a linha entre populismo e fascismo?
RE: Há muitas pessoas a dizer que o Donald Trump é fascista, incluindo historiadores americanos, porque tendem a olhar para o estilo de discurso e para o seu chauvinismo. Mas, se olharmos para a ideologia do fascismo, vemos que é intrinsecamente antidemocrática. O seu discurso nunca foi sobre dar poder ao povo, mas antes sobre a necessidade de uma nova elite que crie uma nova sociedade, se necessário com violência. Nada disto está presente nos movimentos populistas. Creio que na maioria das democracias – exceção feita para o Brasil e para a Hungria – o nacional-populismo está apenas a tentar reajustar o equilíbrio entre liberalismo e democracia, tornando o sistema menos liberal e mais democrático.

Que análise fazem da atual situação em Portugal?
RE: Portugal não é imune à ascensão do nacional-populismo, como nenhum país é. Acho que o Chega, que elegeu o seu primeiro deputado nas últimas legislativas, tem potencial para vir a crescer nos próximos anos. Apesar de Portugal não ter problemas com movimentos independentistas, como em Espanha, e apesar de não ter muito imigrantes – exceção feita para pessoas dos países de língua oficial portuguesa – é preciso ver que o partido Chega se saiu bem em sítios onde existem muitas minorias étnicas. Além disso, o país pode vir a sofrer o impacto de um grande escândalo de corrupção que afete os partidos que costumam estar no poder, e isso pode alterar dramaticamente a situação.

Podemos – ou devemos – tentar erradicar o populismo?
MG: Não podemos olhar o populismo como um vírus que pode ser tratado. Nunca nos vamos conseguir livrar do populismo porque é tão velho como a própria democracia. A solução é aprendermos a viver com ele, tentando diluí-lo, para que não se torne numa forma perigosa de fazer política, como vemos hoje na Hungria. Para não deixar que isso aconteça, a forma como lhe reagimos e respondemos é muito importante.

De que forma devemos responder?
MG: Temos de conseguir sair da nossa zona de conforto e começar a fazer um debate sério sobre as questões que o populismo levanta, em vez de simplesmente ofender os seus eleitores. Acho que talvez os liberais tenham de conceder em perder duas ou três batalhas para poderem ganhar a guerra. E isso significa discutir temas como o abrandamento e controlo da imigração para tentar criar soluções de compromisso. O que vai acontecer, se não o fizermos, é que vamos perder estes eleitores para sempre, o que dará ao populismo muito mais força.