Mário Narciso: o homem dos gostos simples

Foto: A-Gosto.com/Global Imagens

Quatro de dezembro. Como todas as quartas-feiras à hora de almoço, o grupo de velhos amigos está reunido à mesa do restaurante, em Setúbal, tertúlia antiga fundada em torno de duas paixões: sabores do mar e futebol.

Esta é, porém, uma quarta-feira especial: celebra-se o aniversário e o título de campeão do Mundo de um dos convivas, Mário Narciso, aguardando-se a todo o momento a chegada do festejado. Será então servida a grandiosa pescada com todos, inteira e arrepiada de véspera, um dos manjares favoritos do selecionador (juntamente com a caldeirada), a comemorar 66 anos de vida.

“Defeitos, defeitos, deixe ver? Só se for muito teimoso, não estou a ver outro”, conta, ao telefone, José Luís Costa, um dos participantes na almoçarada. Antevê: “Vai entrar aqui alegre, muito contente, muito feliz, certamente. Mas, como sempre, nada altivo”. Mário é, nas palavras do amigo, “um homem que gosta da simplicidade”.

Gostos simples, de facto, que o próprio confessa, a caminho do repasto: passeios matinais nas praias da Arrábida e da Figueirinha – “sobretudo no inverno”. Camisas brancas – “tenho um roupeiro cheio”. Vitória de Setúbal – “clube do coração”. Futebol – “vejo tudo. Todos os jogos que passam, por menores e menos importantes que sejam, vejo e com todos eles aprendo alguma coisa”.

Foi jogador com algum destaque no início dos anos 1980, treinado por figuras maiores do futebol nacional: José Maria Pedroto, no Vitória de Guimarães, Manuel de Oliveira e Fernando Vaz, de quem era menino querido, no Vitória de Setúbal. Colega de Jorge Jesus, chamavam-lhe então “Gargantas”, dadas algumas semelhanças de estilo, em campo, com o carismático e controverso jogador do Benfica, dono daquela alcunha e com o qual, diz Mário Narciso, “nunca” teve a veleidade de se comparar.

“É um grande contador de histórias da bola”, diz José Luís Costa. E são muitas as histórias de uma carreira longa. Fernando Santos conheceu-o eram ambos meninos. Fernando Santos, júnior do Benfica, Mário Narciso no Vitória de Setúbal chegaram a defrontar-se em campo. “O Mário é uma pessoa boa, com muito caráter, alguém sempre ligado ao futebol e que tem feito um excelente trabalho.”

O título agora conquistado não surpreende Fernando Santos. “Já não é o primeiro”, lembra o selecionador de futebol. Do amigo e colega, “um homem discreto”, ressalta “a simpatia, o sentido de humor e a boa disposição”. Mário Narciso não desmente, mas acrescenta: “Quando me zango sou explosivo”. Muitos confirmam a veracidade da afirmação. “Mas, passado uns minutos, já não é nada com ele.”

Não gosta de hipocrisia. “Ainda que doa”, prefere a frontalidade. Detesta dobrada – “parece que estou a comer uma toalha turca”. Teme mudar alguns hábitos. “Sou bastante supersticioso, não deixo que nenhum jogador saia do autocarro depois de mim. Tenho de ser o último.”

Cumprindo promessa, trocou o bigode pelo título de campeão do Mundo. É a segunda vez que se vê de cara lavada. Da primeira, eram os filhos (uma rapariga e um rapaz) pequenos. Apanhados de surpresa, arregalaram os olhos. “Mãããe, o pai tem a boca cheia de dentes”, gritaram. Ri. Depois da vitória, a primeira voz familiar que ouviu foi a da filha, mãe do único neto (nove anos). “Disse-me que Setúbal estava em festa.”

Bicampeão do Mundo. E não põe de lado a hipótese de voltar a ganhar. Não há duas sem três. “Quando se ganha é tudo graça”, salienta. “Acabou, somos campeões”, foi a coisa mais bonita que ouviu nos últimos tempos. “Tu mereces”, o elogio que não esquecerá. Quase quatro horas depois, o almoço terminou. Com uma ruidosa salva de palmas.

Cargo: Selecionador nacional de futebol de praia
Nascimento: 04/12/1953 (66 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Setúbal)