Mamadou Ba: ativista rima com otimista

Foto: Gerardo Santos/Global Imagens

Texto de Alexandra Tavares-Teles

Com familiares na Guiné-Bissau, Mamadou Ba, senegalês de nascimento, interessou-se cedo pelos portugueses e pelo país que viria a ser o dos seus filhos e que é, hoje, também o seu.

A licenciatura em Língua e Cultura Portugueses foi uma escolha natural. Também natural foi a candidatura à bolsa de mestrado, atribuída pelo Instituto Camões, que, em 1997, o levaria a Lisboa, cidade do clube do coração – o Benfica -, casa de um dos “melhores de sempre”, Eusébio, uma referência de infância. Ba era então, “ao contrário de hoje”, um menino “muito arrumado”, oriundo de Kolda, região a 670 km de Dakar, a capital.

Na residência universitária, ao Saldanha, seria obrigado a lutar pelo quarto individual, a que tinha direito por ser mestrando, e a lidar com a sátira pacóvia de alguns dos estudantes. “Olha lá, tiraste o curso debaixo de uma árvore, foi?” “Pendurado numa liana, por causa dos crocodilos”, respondia.

Era o mês de novembro. Nas primeiras cartas ao pai, antigo colaborador do PAIGC de Amílcar Cabral, o jovem, de 22 anos, dava conta do frio. Sobretudo, “da frieza em sentido lato”. Estranhava – ainda estranha – a ausência de resposta à saudação.

“No Senegal, não se nega um bom dia a ninguém.” Valeram-lhe o amigo espanhol, que o iniciou nas tortilhas e as jantaradas que reuniam senegaleses de outras residências universitárias, grupo fundador da Associação luso-senegalesa. Em 1999, trabalhador das obras, imigrante estigmatizado, iniciou o ativismo com a criação da Rede Anti-Racista. Foi despedido. “Não queremos cá sindicalistas”, disse o patrão.

Está habituado a mensagens de ódio. Já se viu obrigado a mudar de casa para proteger a família. Porém, nada que se compare ao fogo cerrado dos últimos dias, por críticas à atuação da polícia no Bairro da Jamaica, no Seixal. Rita Alves, amiga antiga, está preocupada: “Sinceramente, não sei como aguenta tanto insulto”. Descreve: “É generoso, é persistente, é resiliente”.

“É generoso, é persistente, é resiliente”

“Chamo-lhe teimosia”, diz Mamadou, “até porque sou escorpião”. Há momentos de descrença? “Todos vemos forças noturnas a emergirem, mas enquanto houver humanidade há esperança.” Declara-se: “Sou um otimista incurável”. “O desespero é para os privilegiados. Quem tem de lidar com isto diariamente não pode desistir.”

Defensor de cotas para negros, afirma que nenhuma sociedade pós-colonial está isenta de racismo entranhado. “O problema maior é quando o assunto se torna tabu”. É o caso de Portugal. Aos que o acusam de fundamentalismo e permanente vigilância da linguagem, responde: “A semântica faz parte da política”. “Profundamente solidário”, na descrição de José Falcão, dirigente do SOS Racismo, e apesar de estar a viver “os dias mais difíceis” da sua vida, promete que a luta continuará.

“O desespero é para os privilegiados. Quem tem de lidar com isto diariamente não pode desistir”

Poliglota (português, francês, inglês, castelhano, italiano e quatro línguas africanas), tradutor e assessor parlamentar do Bloco de Esquerda, junta ao Benfica (causou espanto em Atenas quando em plena Praça Syntagma celebrou esfusiante a conquista de um campeonato) e ao desporto em geral (jogou futebol como defesa central, fez atletismo, praticou basquetebol), mais duas paixões: a leitura e a música. E um imenso jeito para a culinária.