Laranja Pontes. Uma vida contra o cancro

Foto: Leonel de Castro/Global Imagens

Texto de Alexandra Tavares-Teles

Nasceu no dia 29 de novembro de 1951, passava o comboio das sete da tarde na estação de Vila do Conde, chefiada pelo pai, ferroviário de profissão. Cresceu, mais novo de seis irmãos, na estação da Boavista, na rotunda com o mesmo nome, no Porto, novo poiso dos Pontes. Sempre entre comboios. Os pais tinham, porém, outros planos para a prole. Foi por isso encorajado a licenciar-se: medicina, gosto antigo, média de 14 valores.

Andou então de terra em terra: Barcelos, Vizela, Esposende. À prática foi buscar a maior de todas as gratificações. “Nem sempre é possível curar, mas é sempre possível ajudar”, diz, cirurgião plástico cedo ligado à área oncológica, “sobretudo à reconstrução mamária”.

Entre a direção de serviço (1989) e a presidência do hospital (desde 2006), agora em final de mandato, leva 30 anos de IPO-Porto. Na semana em que se sabe que chegou ao hospital nova esperança para as leucemias – “algo que pelo preço só faz sentido no público” -, declara “esperança total no Serviço Nacional de Saúde”.

Também a semana em que se sabe da revolta de uma mulher, que alega não ter podido acompanhar os últimos dias da mãe, ali internada. Diz que não é verdade, mas que compreende a revolta. Por aquele hospital passou a sua mãe. Ali perdeu o pai. E, já com ele na presidência, o sogro e a sogra. Como gestor, olha “para os doentes e não para os interesses corporativos”. Diz que não sente culpa. “Fiz sempre o que podia fazer.”

Miguel Guimarães, atual bastonário da Ordem dos Médicos, foi um dos seus maiores críticos, era então presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem. Sobretudo, dizia, é pouco dado ao diálogo. “Não confundo as pessoas com o exercício dos cargos. Algumas das críticas foram ao presidente do Conselho de Administração do IPO. Nessa altura falava pouco com os médicos e alguns queixavam-se”, explica hoje Miguel Guimarães.

É persistente. Teimoso, muito. Deixou de fumar há 15 anos, de um dia para o outro (20 a 30 cigarros Silk Cut/dia), sem ajuda. A compleição física (1, 82 metros e 70 kg) ajudou a fazer dele um “razoável” andebolista da equipa do BPA. Hoje pesa 90. Ri. Gosta de tripas à moda do Porto, de cozido à portuguesa. Detesta lampreia quase tanto quanto cerimónias protocolares.

E a cor vermelha. Ri, de novo. É do F. C. Porto. Acredita que serão campeões. “Tem carisma”, diz de Sérgio Conceição. Exatamente o mesmo que diz de si Manuel Pizarro. Que fala de “um IPO antes de Laranja Pontes e um IPO depois de Laranja Pontes”. Descreve um amigo “meticuloso, austero, mas também muito cuidadoso com a família e com os amigos”.

Gosta de música. Em março, vai à Altice Arena ver o maestro e violinista André Rieu e Johann Strauss Orchestra. Acabou agora “O Filho”, livro de Philipp Meyer. Aproveita a casa do Mindelo para os passeios à beira-mar, com a mulher, Maria da Graça, professora do Ensino Básico, com a filha mais velha (psicóloga) e as gémeas (anestesista e arquiteta). É de alguns hábitos. Favaios com gelo e água tónica, é um deles. Ao pequeno-almoço raramente falta o milanês Panetone.

No cargo ganhou adversários, mas muitos amigos. Admiradores. “Laranja Pontes saiu melhor do que as encomendas, passe o plebeísmo.” Manuel Sobrinho Simões vai mais longe: “Graças a si e à sua equipa fez do IPO-Porto uma instituição excecional. Parabéns e obrigado”.