Josélia Neves: pequenos passos, grandes feitos

“Não quero que os meus alunos tenham apenas saber, mas capacidade para mudar”, sublinha Josélia Neves. (Foto: Rui Miguel Pedrosa/Global Imagens)

Texto de Alexandra Barata

A discrição e a humildade de Josélia Neves, 57 anos, quase a fazem passar despercebida, não fosse capaz de feitos que têm contribuído para mudar o curso da História na área da inclusão. Residente em Leiria, mudou-se para a Hamad bin Khalifa University, no Qatar, há cinco anos, onde está a preparar uma revolução, em surdina, num país onde a deficiência é escondida.

Josélia Neves diz que esse é um problema comum no Qatar, pois o casamento entre pessoas da mesma família é frequente. “As crianças, os jovens e os adultos com deficiência são muito protegidos”, assegura. “Fazem a escola básica e depois são acompanhados por empregados, em casa.” Mas se por um lado nada lhes falta, por outro lado vivem num mundo à parte. “Não se veem deficientes nem velhinhos na rua.”

Face a essa realidade, a docente entendeu que tinha de colocar a questão da acessibilidade na agenda. Apesar de ter sido contratada para criar um mestrado em Tradução Audiovisual na Hamad bin Khalifa University, acabou por lhe acrescentar a vertente da acessibilidade e, mais recentemente, criou a estratégia para a inclusão no Qatar, que, em breve, será debatida em Conselho de Ministros. “Não há muito a fazer. A acessibilidade está no meu ADN.”

Consciente de que qualquer mudança social obriga a que se trabalhe a vários níveis, Josélia Neves diz que começou por criar essa necessidade com os estudantes. Depois, envolveu as famílias, porque é rara a que não tenha alguém com deficiência. “Não quero que os meus alunos tenham apenas saber, mas capacidade para mudar. Primeiro, eles próprios e, depois, a sociedade à sua volta.”

Sessões de cinema inclusivas, atividades em museus e palestras foram algumas das abordagens utilizadas pela professora catedrática para tratar a questão da inclusão, mas sempre de uma forma “low profile”. “É aí que está a mudança”, acredita. O passo seguinte foi criar um compromisso educativo. “Foi a primeira vez que a acessibilidade integrou a oferta educativa e veio contribuir para sensibilizar os alunos e as famílias de que têm direitos”, sublinha.

O último projeto em que esteve envolvida foi a criação de um curso online gratuito, em parceria com a FIFA, sobre a organização de eventos desportivos, em que foi introduzida a componente da deficiência e da acessibilidade. A sensibilidade do tema levou a docente a utilizar uma abordagem positiva, que tem sido bem acolhida. “Falo em diversidade humana, com diversidade de habilidades. Temos de investir na capacidade porque todos temos capacidade para fazer coisas”, considera. “Ponho a tónica na diversidade como algo muito bom.”

O papel de Josélia Neves tem sido, assim, determinante na preparação do Mundial de futebol do Qatar, em 2022, na área da acessibilidade. “Vamos receber gente de todo o Mundo e temos de garantir que todos se sentem confortáveis e seguros na sua diversidade”, justifica. “O nosso objetivo é criar oferta diferenciada, com que cada um se identifique. Não vamos colocar rampas, mas construir de uma forma inclusiva”, revela.

Para facilitar o processo, a Qatar Foundation está a ser utilizada, desde maio, como tubo de ensaio da estratégia para a inclusão. A docente explica que é uma cidade universitária, com as melhores universidades do Mundo e com os melhores especialistas, onde são lecionados todos os graus de ensino. Dispõe ainda de serviços, como hotéis, restaurantes, centros de saúde, hospitais, um estádio, um cinema inclusivo e um campo de ciência. “Vamos dizer ao país como fazer, fazendo. À medida que estamos a ensaiar, estamos a reportar, para se criarem leis nacionais.”