José Cid: nascido para a música

Foto: Steven Governo/Global Imagens

Estudou Direito e Educação Física, mas não quis ir por aí. Compositor compulsivo, adversário do playback e cáustico q.b., toca várias teclas musicais.

Começou por pensar que era para os Apanhados. “Mas à medida que a conversa ia batendo certa” – conta – “passei a acreditar no que ouvia”. Do lado de lá da linha telefónica e do Atlântico chegava o anúncio da atribuição do Grammy latino, “por excelência musical”, à sua obra.

“Prémio ao pop rock português, aos 15 ou 16 talentosíssimos Ronaldos da música, confinados às nossas fronteiras, encantadoras, mas muito pequenas”, diz o laureado. De Carlos do Carmo, o outro português homenageado com um Grammy (2014), a mensagem: “Parabéns, meu querido Zé”.

Luís Represas não poupa no elogio. Ao músico – “compositor compulsivo, sempre a pensar no futuro, muito talentoso, provavelmente o músico português com mais êxitos por metro quadrado, parte do nosso património musical, e é de tal forma que ninguém pode atrever-se a dizer o contrário”. Ao homem – “de enorme sentido ético, muita coragem moral e física”. Que ninguém se meta com ele ou com os amigos dele.

“Sou o patinho feio da música portuguesa”, atira Cid. Nada que abale a autoestima robusta que todos lhe reconhecem. “Não me importo. Muitas vezes comparam-me ao Elton John. A verdade é que eu canto ‘Candle in the Wind’ em lá e ele em mi. Ele não consegue cantar as minhas músicas.” Ri. Ainda gostava de saber aonde teria chegado o Elton “se tivesse nascido na Chamusca”. A terra onde nasceu há 77 anos.

Viveu a infância com os avós – Manuel Luís Ferreira Tavares, o guitarrista de Augusto Hilário, e Piedade, a avó que gostava muito de ler, filha do fundador das termas da Curia e amigo de Eiffel. No sótão, onde guardava o piano, escreveu a primeira composição contra a vontade dos pais, que não o queriam artista. Estudou Direito em Coimbra e um ano antes de terminar o curso de Educação Física foi chamado para o serviço militar na Força Aérea.

Dava aulas de ginástica de manhã (velocista talentoso, corria os primeiros 50 metros dos 100 em tempos olímpicos) e ensaiava à tarde, numa garagem, com o restante trio do Quarteto 1111, de que era teclista e vocalista. “E líder do grupo. Sabia muito bem o que queria”, realça Tozé Brito, membro da banda do Portugal dos anos 1970, com 28 canções censuradas pela ditadura. Uma banda à imagem de Cid: “Supertalentoso e provavelmente o mais multifacetado músico português”. Luís Represas completa: “Tem talento e sucesso e isso, neste país, é um grande aborrecimento”.

A reconhecida versatilidade permitiu a Cid tocar em simultâneo várias teclas: rock sinfónico, rock puro e duro, incursões jazzísticas e no fado, e pop ligeiro, de baladas competentes e premiadas. Caminho que lhe rendeu milhares de discos vendidos e comparações “muito injustas e absurdas” com cantores populares (Marco Paulo e, mais recentemente, Tony Carreira).

Cáustico – “aprendi com a grande amiga Natália Correia e com o produtor Mário Martins” -, “nunca se rendeu”, observa Tozé Brito. Amigo antigo, recorda um Zé antes do acidente de viação que o marcaria para sempre (em que perdeu o olho esquerdo), o tempo em que o amigo almoçava dois sumóis com 12 pastéis de nata e tremia só de pensar em andar de avião.

Na casa da Chamusca, o retrato do tetravô, bispo de Viseu, destaca-se dos óleos de família, herdados, juntamente com as cartas de armas. É uma casa térrea, empoleirada numa colina, rodeada por um terreno sem muros com vista para a lezíria. Vai ali uma vez por semana.

E também ali não prescinde da habitual sesta de hora e meia. Nem de fechar a noite com um filme, ao lado da mulher, a pintora e ex-guerrilheira timorense Gabriela Carrascalão. “Diz que está aí, nas salas, um filme muito bom, do Fellini – chama-se Toni. Ou será do Visconti? Tenho de ir vê-lo.”


José Albano Salter Cid Ferreira Tavares

Cantor, compositor, músico instrumentista e produtor musical
Nascimento: 04/02/1942 (77 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Chamusca)