Texto de Alexandra Tavares-Teles
Gosta de passear, de ouvir música enquanto caminha, de pizza e do filme Titanic. Adora brincar com a filha bebé, a Sofia, “aventura que leva dezassete meses de descobertas diárias”.
Treina 30 horas por semana – cinco por dia – e raramente dorme menos de dez (das 22 às oito da manhã). Sacrifica o prazer ao cuidado alimentar e vive de cozidos e grelhados a maior parte dos dias.
Resiste ao calor intenso e à humidade, ainda que extrema, como se viu agora em Doha, condições adversas que obrigaram, no Catar, a pequenos ajustes e a muita cautela. “Fazer o melhor possível, sem erros, não pedia mais nada”, confessa.
Porém, ao 38.º quilómetro – faltava uma dúzia para o final -, percebeu que “podia ir às medalhas”. E foi. À de prata. Após 11 participações consecutivas em Mundiais de atletismo (desde 1999), e de algumas desistências pelo meio, tornou-se no atleta mais velho de sempre a subir ao pódio da competição. Aos 43 anos, justifica o melhor resultado nos 50 quilómetros (4:04.59 horas) com palavras-chave da alta competição: vontade, persistência, empenho.
“Esta medalha espelha em tudo a personalidade do João”, diz do Catar Susana Feitor. Desde logo, a resiliência do colega, “psicológica, mas também a física”. A marchadora portuguesa descreve “um atleta exigente, que não abusa do corpo”, consciente do impacto físico que tantos quilómetros provocam.
E a ajuda da vocação genética: “Sempre mostrou muito potencial para as distâncias mais longas, quer a marchar quer a correr”. Em miúdo chamavam-lhe “etíope” ou “queniano” “pela extrema magreza e por ser muito bom”, recorda a atleta de Rio Maior, a terra onde cresceu o amigo.
Nascido no Algarve, João Vieira mudou-se para Rio Maior, juntamente com os pais e o irmão gémeo (o também marchador Sérgio Vieira), com apenas dois anos de idade. Em 1990, depois de uma passagem pelo Clube de Natação de Rio Maior, iniciou-se na marcha, modalidade em que depressa se distinguiu. Em setembro de 2010, batidos vários recordes no escalão júnior, assinou pelo Sporting (ele e a mulher, a marchadora Vera Santos, de quem é treinador).
“Apesar de a modalidade ter dado ao país várias medalhas, continua a ter de se afirmar”, lamenta Susana Feitor. “Esta medalha do João no Catar é muito importante também por isso”, acrescenta.
A importância do feito estende-se naturalmente à família: “Uma medalha tem o lado financeiro. Apesar de o João estar no Sporting, na marcha as recompensas financeiras são parcas. Para se viver da modalidade é preciso ser atleta de elite, muito poupado e ter vida longa”, sublinha a marchadora.
Depois do Catar e do seu melhor resultado de sempre em Mundiais (só o japonês Yusuke Suzuki, novo campeão do Mundo, ficou à sua frente) virá Tóquio, a cidade dos Jogos Olímpicos de 2020.
“Homem tímido, um pouco introvertido”, detesta borrego, atrasos de horários e sobranceria.