
Texto de Sara Dias Oliveira
Passou o mês de agosto de 2008 na Guiné-Bissau. Tinha curiosidade em conhecer o país, tinha lá um amigo numa missão, não tinha qualquer ligação familiar ou laço amarrado ao passado. Nem uma ponta de nostalgia. “Conheci uma realidade terrível. Crianças a vender fruta na rua para pagar a matrícula da escola”, recorda. Voltou a Bruxelas, onde vive há 20 anos, onde é assessora no Parlamento Europeu, com imagens agarradas à memória e partilhou histórias com amigos.
Reuniu um grupo e em 2009 criou a Associação Afetos com Letras. No ano seguinte, estava a cofinanciar a construção de uma escola em Djoló, na Guiné, a pagar os salários dos seis professores, a dar material escolar, a apoiar a alimentação e cuidados de saúde dos 125 alunos. Depois, apoio a uma creche e duas escolas construídas de raiz.
“Muitas meninas não iam à escola para ajudar as mães a descascar o arroz, a base da alimentação na Guiné. É uma tarefa demorada e penosa. As mulheres perdiam os dias e percebi que uma descascadora de arroz podia mudar a vida delas.” Em 2014, a primeira máquina, pronta a descascar 800 quilos de arroz por hora, entrou em funcionamento e foi um sucesso. Mais meninas na escola, mais tempo para as mulheres se dedicarem a outras atividades.
Mais quatro descascadoras foram instaladas entretanto para servir várias aldeias, duas ilhas, mais de dez mil habitantes. O projeto acaba de ganhar o terceiro lugar na 10.ª edição do Prémio Terre de Femmes, anunciado na sexta-feira, que destaca mulheres empreendedoras que mudam o Mundo. Uma sexta descascadora de arroz está a caminho da tabanca de Quilum.
Há mais ideias como introduzir o farelo do arroz na alimentação, ajudar a aprovar a certificação do arroz como produto biológico e comercializá-lo em várias aldeias guineenses. Uma forma de reforçar os rendimentos das famílias e trabalhar a consciência ambiental. Para isso, são necessárias quatro máquinas de ensaque de arroz. Tudo é feito em articulação com quem mora no país africano: explica-se o que se pretende, mostra-se como funciona, escuta-se o que as populações pensam e querem.
Em 2011, escreveu o livro “A Papaia Mágica”, a história de dois meninos guineenses. Um livro para colorir que mostra várias realidades do país. Quatro anos depois, escreveu, com uma colega, o guia turístico da Guiné-Bissau. A segunda edição saiu no ano passado. Sem cordão umbilical em África, com a Guiné houve aquele clique.
“Uma ligação mais forte, uma energia da terra”, comenta a assessora parlamentar, de 42 anos, natural de Pombal, licenciada em Direito em Coimbra, especializada em Direito Europeu em Bruxelas, que é também professora de informática de emigrantes portugueses na Bélgica, em regime de voluntariado. Em abril, voltará à Guiné para mais uma missão. Não falta o que fazer.