Joacine Katar Moreira: É da Guiné e finca o pé

Foto: Orlando Almeida/Global Imagens

Texto de Alexandra Tavares-Teles

Concorreu pela primeira vez nas legislativas de 2015. Em apenas quatro anos, Joacine Katar Moreira saltou do 22.º lugar da lista do Livre por Lisboa para o primeiro. E fez história: foi a primeira mulher negra a liderar uma lista às eleições para o Parlamento português – o povo escolheu-a.

Joacine Katar Moreira chegou ao Livre pela mão de Rui Tavares. O fundador do partido, a conselho de uma amiga comum, desafiou a académica a candidatar-se às primárias do recém-formado movimento político. Joacine aceitou de imediato, era então uma desconhecida do grande público.

Porém, o ativismo antirracista sabia o seu nome. Mamadou Ba, que a conhece desses anos de invisibilidade, recorda a “generosidade militante” de uma mulher “determinada”. E uma relação longe de ser pacífica. “Tivemos muitas zangas e muitas discordâncias, desde logo em relação à Europa.” Nesses momentos de debate aceso, Joacine “é furiosa”. O dirigente do SOS Racismo avisa os incautos: “Estamos perante uma oponente de peso, que muito dificilmente se deixa amouxar, alguém capaz de fazer frente a tudo e a todos”.

Rui Tavares destaca na ativista a “enorme capacidade de trabalho”. E a interpelação que representa. “Irá seguramente obrigar as pessoas a questionarem as suas certezas.” O historiador regressa ao telefonema desafiador e à resposta pronta, com um único mas.

“Falou-me da gaguez, claro. Tinha dúvidas se deveria ou não ter mais presença pública.” A gaguez que a acompanha desde pequena. Nunca foi problema de monta, mas só assumida a partir do nascimento da filha. “O fair-play com que responde aos ataques à gaguez mostra uma pessoa consciente de si, segura, muito confiante e com grande autoestima”, diz Mamadou Ba.

Ao longo da campanha eleitoral, Joacine foi estrela nas ações de rua. De tal maneira que há quem fale em ego inflamado e vedetismo. “Ela é sobretudo uma pessoa muito inteligente. Percebeu que era a oportunidade da vida dela e do movimento do feminismo negro. Mas essa evolução do vazio para o protagonismo pode criar uma certa euforia, o que é natural”, atira Mamadou Ba. Rui Tavares acrescenta: “Joacine reconhece que há áreas onde tem algumas lacunas, nomeadamente na área do ativismo ambiental e ecológico, mas terá seguramente a ajuda do Carlos Teixeira e do Jorge Pinto”.

A cronista Maria João Marques questiona: “Bom, qual é o político que não tem um ego grande e uma vaidade brutal? Se ela está orgulhosa e vaidosa e o exibe, ainda bem”. Apesar de ser de direita, a comentadora assume-se representada. “A Joacine pode vir a falar por mim.” Encontra na deputada do Livre um só senão: “Talvez uma sensibilidade excessiva e uma certa aspereza racial”, que, espera, desapareçam.

Nascida na Guiné-Bissau há 37 anos, Joacine chegou a Portugal aos oito. Por decisão da avó, que a criou até essa idade, ficou interna num colégio das Irmãs Dominicanas da Anunciata, em Mafra. Tempos difíceis para a menina que, ao contrário das restantes crianças, não trazia historial de violência doméstica nem passara por dificuldades económicas.

Habituada a questionar tudo e todos, era, então, na sua própria definição, “impertinente, insolente, inconsequente”. Para pagar a licenciatura (História Moderna e Contemporânea) trabalhou em supermercados e em hotéis. Com as primeiras poupanças visitou a avó, em Bissau. Investigadora do Centro de Estudos Internacionais, fundou (2018) e preside ao INMUNE – Instituto da Mulher Negra em Portugal. “Uma entidade antirracista e feminista interseccional.” Causas de vida.