Infertilidade: o estilo de vida também conta

Texto de Sofia Teixeira

Desejar ter um filho e não conseguir é um desafio duro para qualquer casal. Mas a infertilidade conjugal – isto é, a incapacidade de conceber ou levar a bom termo uma gravidez, depois de pelo menos um ano de relacionamento sexual regular, sem qualquer método contracetivo – está longe de ser rara. De acordo com a Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução, um em cada dez casais enfrenta esta dificuldade em conseguir o filho que deseja.

Uma parte muito significativa das causas de infertilidade está diretamente relacionada com problemas nos órgãos reprodutivos, como a endometriose, na mulher, e alterações do trato genital, no homem. E isso faz com que não seja uma condição prevenível. Mas o que também se sabe é que algumas escolhas, comportamentos e estilos de vida podem ter um peso nas probabilidades de gravidez – tanto para quem tem alguma patologia, como para quem não a tem.

Escolher adiar a parentalidade é o fator que se estima que tenha, hoje, mais peso nas dificuldades reprodutivas. Sobretudo por razões relacionadas com a estabilidade profissional ou económica, os casais adiam hoje o projeto de ter filhos. De acordo com a Pordata, a idade média com que as mulheres tiveram em 2017 o primeiro filho situou-se nos 30 anos. Quatro anos e meio mais tarde do que acontecia há 20 anos. Pode parecer pouco, mas é uma diferença significativa do ponto de vista das capacidades reprodutivas. Resta saber se os casais têm noção disso.

Mariana Moura Santos, psicóloga clínica no Serviço de Medicina de Reprodução no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e Presidente da secção de Psicologia da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução, defende que “todas as decisões são válidas, desde que ponderadas e informadas”. Acontece que a decisão do adiamento, apesar de ponderada, nem sempre é totalmente informada.

“A crença de que é fácil engravidar até aos 40 anos é irrealista”
Mariana Moura Santos
psicóloga clínica

“Por vezes, é baseada na crença irrealista de que até aos 40 anos é fácil engravidar – o que não é verdade – e acompanhada de uma confiança no sucesso das técnicas de Procriação Medicamente Assistida [PMA], eventualmente excessivamente otimista, sobretudo em mulheres com idade superior a 35 anos”, diz a psicóloga.

Ao mesmo tempo que lembra que a idade da mulher ainda é o principal fator de infertilidade, e que “casais para quem seja muito importante ter filhos devem ter este aspeto em consideração quando planeiam os seus projetos de parentalidade”.

Os suspeitos do costume

Um peso desadequado, o consumo de tabaco e o álcool em excesso são inimigos da vida saudável em geral, mas também do sucesso reprodutivo em particular. O peso acima ou abaixo do Índice de Massa Corporal (IMC) considerado normal (entre 18,5 e 24,9) provoca alterações endocrinológicas que podem ter consequências.

“O excesso de peso nas mulheres causa irregularidades do ciclo menstrual e pior resultado nos tratamentos de PMA. Já o baixo peso causa alterações da pulsatilidade das hormonas que estimulam o ovárico, contribuindo para a infertilidade, e está associado a maior risco de aborto”, especifica Catarina Godinho, ginecologista-obstetra, especialista em medicina reprodutiva na clínica de fertilidade IVI Lisboa.

Além disso, tanto nos homens como nas mulheres, “o colesterol é necessário para a formação das hormonas sexuais”. A sua diminuição excessiva condiciona a formação tanto dos óvulos como dos espermatozoides.

O tabaco e o álcool em excesso são os outros dois suspeitos do costume e, neste caso, fatores de risco para a dificuldade em conseguir uma gravidez. “Na mulher, o fumo do tabaco pode prejudicar o funcionamento dos ovários, aumentar o risco de alterações cromossómicas dos ovócitos – antecipando a menopausa – e alterar o funcionamento das trompas, aumentando o risco de gravidez ectópica. Pode ainda condicionar o desenvolvimento do endométrio, dificultando a implantação do embrião. Já o consumo excessivo de álcool aumenta os níveis de estradiol, o que pode dificultar a ovulação e criar maior risco de aborto”, explica a especialista em medicina reprodutiva.

Mas desengane-se quem pensa que só o consumo feito pela mulher tem um impacto nas probabilidades de gravidez. De acordo com a médica, no homem, o fumo do tabaco aumenta a oxidação dos espermatozoides, o que pode dificultar a fecundação. O mesmo para o álcool, sobretudo se em excesso: “Afeta a produção espermática e o volume seminal por inibição do estímulo do hipotálamo. E, se o consumo é crónico e excessivo, pode mesmo causar azoospermia, ou seja, a ausência total de espermatozoides no ejaculado”.

A psicóloga Mariana Moura Santos considera que homens e mulheres têm consciência que esses fatores são de risco, mas não têm noção do real impacto deles na fertilidade e, por isso, tendem a desvalorizá-los. “Para isso também contribui muito o facto de haver pessoas que conseguem engravidar apesar do tabaco ou do excesso de peso, diminuindo assim a perceção destes fatores como impeditivos da gravidez.” A psicóloga salienta que este é, de resto, um argumento apresentado por casais quando a equipa os tenta motivar para as mudanças comportamentais.

O cortisol a subir

Um terço dos casos de infertilidade tem origem na mulher, outro terço no homem. Resta, portanto, outro terço de casos nos quais não se encontram causas aparentes para a infertilidade. Muitos casais tendem a procurar um culpado que serve para quase tudo: o stresse. Mas não se encontrar uma causa não é sinónimo que esteja tudo bem.

Não há nada que indique a existência de uma relação direta entre o stresse e a ansiedade e as dificuldades de engravidar

E, por ora, não há nada que indique a existência de uma relação direta entre o stresse e a ansiedade e as dificuldades de engravidar. “Apesar dos elevados níveis de ansiedade aumentarem o cortisol e poderem afetar a fecundidade, não há evidência científica que demonstre estes dados quer na avaliação hormonal, quer na avaliação psicológica”, sintetiza a médica Catarina Godinho.

Também Mariana Moura Ramos é cautelosa na abordagem ao papel do stresse, afirmando que ainda não é possível dar uma resposta cabal a essa associação vulgarmente feita. Apesar de, teoricamente, a sustentação psicofisiológica que associa stresse e fertilidade não ser descabida, “o efeito não foi ainda confirmado de forma sistemática pelos estudos que têm sido realizados”, esclarece a psicóloga.

“Sabemos que o stresse parece ter algum efeito na qualidade dos espermatozoides e que pode afetar a função reprodutiva da mulher através de mecanismos neuroendócrinos, mas não sabemos – ainda – se este efeito tem a capacidade de impedir uma gravidez, principalmente quando a função reprodutiva está sob controlo médico.”