Texto de Bruna Sousa
O diagnóstico de cancro da mama causou um misto de emoções a Ana Paula Lopes. Medo e ansiedade invadiram-lhe os pensamentos. Embora seja arquiteta de profissão, encontrou na fotografia um escape. Um conjunto de autorretratos, captados com a câmara do telemóvel, serviu de catarse e ajudou à aceitação de todas as alterações físicas e psicológicas decorrentes da diagnose oncológica.
A conta do Instagram onde começou a publicar as imagens, iniciada em dezembro de 2017, foi denominada pela fotógrafa de 42 anos de “Sweet December Project”. Quando o médico orientador da Clínica da Mama do IPO do Porto, Joaquim Abreu de Sousa, teve conhecimento da existência dos autorretratos, no final de julho deste ano, incentivou-a a expor as obras.
Aceitei o convite, mas disse que preferia expor fotos de outras pessoas, para expandir a problemática a um leque mais abrangente de pessoas, corpos, faixas etárias e até géneros. O objetivo era ser inclusiva, de forma a que o maior número de pessoas se identificasse e se questionasse: ‘E se fosse comigo?’, reconhece Ana Paula. O princípio básico da arquiteta é solidário: “Com um gesto podemos ajudar nem que seja apenas uma pessoa. E isso já vale a pena”.
Na altura de escolher uma data para a exposição, a decisão recaiu, obviamente, em outubro, mês da sensibilização para a prevenção do cancro da mama. Assim, nasceu o “Sweet October”, cujo intuito é alertar a população para a necessidade de controlo da doença, cuja deteção prematura é de extrema importância no aumento da taxa de sucesso dos sobreviventes.
No projeto, que implicou dois meses de levantamento fotográfico, são retratadas 15 pessoas, que têm em comum o facto de terem travado a mesma batalha, entre elas um homem: Agostinho Branco, Ana Isabel Pereira, Ana Lopes, Carla Sofia Henriques, Cristina Filipe Nogueira, Ivete Oliveira, Lucinda Almeida, Lourdes Pereira, Maria da Conceição, Paula Pereira, Rute Vieira, Sandra Paulino Sequeira, Susana Cunha, Susana Neto e Telma Feio.
Ana Bee, como se apelida no Instagram, usou a fotografia como espelho da realidade de um doente oncológico e procurou ajudar outras pessoas a ultrapassarem o trauma da doença através da aceitação das marcas da amputação de que foram alvo. “Todas as pessoas sentiram que captei a essência delas, comuniquei o ser que são e sentiram-se bonitas. Ficaram orgulhosas com o resultado e constataram, tal como eu, que somos muito mais do que aquilo que a camada exterior que o espelho reflete. Deram um grande salto na vida e sentiram-se edificadas e com voz”, explica Ana Paula.
Cada uma das fotografias tem um exercício de empatia associado, escrito por uma figura pública portuguesa. Conforme atesta a autora do projeto: “Para que fosse mais fácil para o público entender que todos têm o dever de se colocar na posição do outro, convidei artistas de áreas diferentes, para atingir públicos diferentes”.
Depois de várias tentativas, Ana agregou um conjunto de nomes sonantes da cultura portuguesa: Alice Vieira, António Bizarro, Beatriz Rodrigues e Ricardo Ramos (Dirty Coal Train), Joana Barrios, João Gil, Jorge Palma, José Cid, Paulo Furtado (Legendary Tigerman), Lena d’Água, Fernando Ribeiro (Moonspell), Olavo Bilac, Rita Redshoes, Samuel Úria, Suzi Silva e Jorge Benvinda e Nuno Figueiredo (Virgem Suta).
A cada artista foi enviada a fotografia de um doente oncológico, de forma aleatória, exceto no caso de Lena d’Água. Ana Bee recorda que a cantora pediu para lhe ser atribuído um homem, por um motivo muito pessoal e emotivo: “Ela perdeu o pai na luta contra o carcinoma da mama”.
Mesmo volvidos tantos anos, Lena d’Água considera que muita gente continua a não entender que um homem possa ter um tumor desse tipo, tal como escreve no exercício de empatia: “Passaram quase vinte anos desde a morte do meu pai e o conhecimento das pessoas em relação ao cancro de mama nos homens é ainda muito escasso. (…) É tempo de falar desta doença de forma abrangente, não a limitando ao género feminino”.
No dia em que a exposição foi inaugurada, um movimento de empatia aberto a todos os que quiserem contribuir para a causa foi lançado na página de Facebook do “Sweet October”.
À exceção do cancro da pele, o carcinoma da mama é o tipo de cancro mais comum entre as mulheres, de acordo com a Liga Portuguesa Contra o Cancro. A mesma fonte indica que, “em Portugal, anualmente são detetados cerca de 6 000 novos casos de cancro da mama, e 1500 mulheres morrem com esta doença”. No nosso país, “cerca de 1% de todos os cancros da mama são no homem”.
A medicina continua a unir esforços para saber mais dados sobre causas e formas de prevenir, detetar a tratar a doença, para aumentar as hipóteses de sobrevivência e a qualidade de vida dos doentes oncológicos.
Percorra a galeria para ver fotografias das sobreviventes do cancro retratadas na exposição “Sweet October”, bem como o exercício de empatia que cada figura pública escreveu.