Festejar o Natal sem stresse

Espera-se que o Natal possa ser uma altura do ano feliz, de reunião familiar. Mas, por estes dias, é fácil entrar em stresse porque a logística à volta das celebrações também pode implicar uma grande sobrecarga.

Além de manter as ocupações profissionais até à véspera de Natal, muita gente já tem os miúdos de férias. Depois, há compras de presentes e de supermercado para fazer, uma ceia para organizar, a casa para decorar e, possivelmente, muitos quilómetros de estrada para percorrer. Por isso, há momentos em que começa a ser difícil manter todas as bolas no ar, sem deixar cair nenhuma ao chão.

Antes de tudo, é preciso questionar se precisamos mesmo de fazer aquilo que julgamos precisar. “O problema é que o Natal se tornou em mais uma obrigação: sorrir, oferecer prendas, cozinhar grandes ceias, preparar festas, decorar a casa. Tudo isto constitui uma sobrecarga financeira e de trabalho, sendo facilmente sentido mais como um peso e uma imposição do que como um prazer, um tempo de bem-estar, partilha, sossego e família”, comenta o psicólogo, psicoterapeuta e escritor Vítor Rodrigues. O especialista alerta que o apelo ao consumo que é feito em todo o lado faz com que “existam ‘figurinos’ para o ‘bom Natal’ que leva as pessoas mais sugestionáveis a sentirem-se culpadas se não corresponderem a esse apelo coletivo”.

Quando o stresse é causado por essa pressão, nomeadamente no que à organização dos dias festivos diz respeito, o remédio santo é ignorar as ideias preconcebidas, lembrando que o Natal pode ser o que cada um quer fazer dele. “Por que razão não deixar de lado noções antigas de que temos que providenciar uma série de coisas aos outros e tornamos o Natal num tempo de partilha e contribuição de todos?”, questiona o psicoterapeuta. “Por que motivo não havemos de pedir a uma pessoa que leve um bolo-rei, a outra uma garrafa de champanhe, a outra um poema, uma música para tocar? Por que não fazer um Natal com pizzas e boa disposição?”.

De modo geral, as pessoas mais sensíveis a ter alguma ansiedade durante o período natalício são as mesmas que são mais suscetíveis a ter stresse noutros momentos, ao longo do ano. “Muitas vezes serão também as que já andam sobrecarregadas, inseguras, ansiosas, por vezes deprimidas. E as mais carentes de afeto. Para todas essas, o Natal poderá ser mais complicado, fazendo-as sentirem-se mais isoladas, mais insuficientes, talvez mais obrigadas e tentarem sentir-se bem ou fazerem os outros sentirem-se bem”, explica o psicoterapeuta e vloger.

Alguns dados relativos a um inquérito solicitado pela American Psychological Association para estudar o fenómeno do stresse no período das férias e festas mostram que essas alturas são muito desejadas, por serem um momento de estar com a família. Mas revelam também que, exatamente por isso, a generalidade das pessoas acaba por se sentir pressionada para que seja tudo memorável, o que faz com que haja alguma ansiedade associada. O stresse é mais encontrado nas mulheres, uma vez que geralmente está a seu cargo toda a logística relacionada com as celebrações, e a vasta maioria das pessoas que admite sentir stresse durante o período das festas reconhece também que nada faz para o reduzir.

Um inquérito mais recente, feito pelo site Healthline, em 2014, revela que 62% dos respondentes sentem que os seus níveis de stresse aumentam durante as quadras festivas e as principais razões apontadas são três: as exigências financeiras, não conseguir manter algumas rotinas diárias habituais e a gestão de dinâmicas familiares difíceis. Porque a verdade é que, nestes dias, reúnem-se muitas vezes debaixo do mesmo teto pessoas que, sendo família, acabam por ter pouco contacto o resto do ano e com relações tensas entre si.

É por essa razão que a psicóloga e coach Filipa Jardim da Silva defende ser “importante que se vá para esses encontros familiares apenas se for uma escolha consciente e não o cumprimento de uma obrigação”. E quem se decidir por ir, mesmo havendo tensões com alguns membros da família, o ideal é que se prepare para adotar “uma postura empática e atenta, com disponibilidade para escutar e aceitar diferenças, ao invés de julgar”.

“Pessoas diferentes têm perspetivas distintas e não é por serem da mesma família biológica que isso mudará.” A psicóloga recomenda que, desde o momento em que se entra ao que se sai desses encontros, cada um deve ir perguntando a si mesmo: “Como é que eu quero recordar este encontro familiar?”. “Isso poderá ajudar a regular algumas emoções e a tomar decisões mais conscientes de como lidar com pessoas e situações.”

A agitação e o stresse desses dias também podem decorrer da quantidade de locais onde se tem de estar ao longo de apenas dois dias: consoar num sítio, viajar para outra terra ao encontro de outra parte da família na manhã de Natal, passar em casa de primos e amigos para entregar presentes e dar um beijo, levar os miúdos a casa do pai ou da mãe, caso estejam separados. São muitos quilómetros e muita correria. E um sentimento de estar a viver em contrarrelógio, sempre a contar os minutos até ao compromisso seguinte, acabando por não aproveitar o tempo em cada sítio.

Mais uma vez, é preciso definir prioridades e fazer escolhas em consciência para aliviar a pressão. “Quando corremos quilómetros porque nos faz sentido correr esses quilómetros, porque esse esforço está alinhado com os nossos valores e consistente com a força dos afetos que nos une a algumas pessoas, então o desgaste inerente será substancialmente menor”, sustenta a psicóloga.

Mas também alerta: mais do que estar em todo o lado, importa estar onde faz mais sentido estar e com qualidade de presença. “Por vezes, termina-se o Natal com uma espécie de nevoeiro mental sem se conseguir distinguir o que foi mais significativo e especial. Quer se esteja 30 minutos ou três horas num sítio, que se possa estar de forma inteira e conectada, para estarmos em ‘modo pessoa’ e não sermos apenas um corpo deambulante, cuja mente está distante, distraída e ausente.”

 

Dicas para mais prazer e menos pressão

Simplificar e focar no essencial
Questione-se a si mesmo: “O que significa o Natal para mim neste momento da minha vida? O que é mais importante nesta época do ano para mim?”. Garantir que vive a quadra natalícia de forma consistente com os seus valores e princípios é fundamental para priorizar e decidir onde investir o foco e a energia.

Regular as expectativas
Um ano tem 365 dias: não deixe para o mês de dezembro todas as demonstrações de afeto, reuniões sociais e familiares, eventos a quebrar a rotina. Se distribuir melhor os seus momentos de socialização e a sua capacidade de expressar o que sente pelas pessoas mais importantes para si, diminuirá a pressão em torno do Natal.

Natal = ser e sentir mais, fazer e ter menos
Reflita sobre o que está a priorizar no Natal. Mais do que um consumismo desmedido, deseja-se a partilha de afetos. Ofereça uma presença de qualidade e, se quiser materializar o seu afeto, faça-o com amor e de forma personalizada. Confecione uma receita caseira, ofereça uma música, uma citação ou simplesmente construa um pequeno mimo simbólico impossível de encontrar numa qualquer montra de uma qualquer loja. Se olhar para trás, o que recorda mais – as prendas materiais que recebeu no Natal ou as experiências desses dias?

Planeie
Permita-se olhar para o seu calendário atempadamente e pensar nas pessoas mais importantes para si, aquelas com quem quer mesmo estar na quadra natalícia.

Por Filipa Jardim da Silva (psicóloga clínica e coach)