“Fernando Pessoa não tinha cão.” A poesia de Mário Cordeiro

Mário Cordeiro (Foto: Sara Matos/Global Imagens)

É um livro com vários livros dentro. O livro-mãe está dividido em quatro capítulos – Tenrinha espreguiça-se, enrosca-se, dorme e sonha – entremeados por três pequenos livros: “Só”, “Poemas gregos” e “Eu só queria”. O mais recente livro do médico pediatra Mário Cordeiro é apresentado neste sábado, dia 16, durante a Dog Summit no Centro de Interpretação de Monsanto, Lisboa, pelas 12.15 horas. Chama-se “Fernando Pessoa não tinha cão”. O título não é por acaso.

Tenrinha, a cadela que foi resgatada depois de agredida, é a protagonista. A cadela tem uma “história maternal”. Abandonada com crias debateu-se quase até à morte para defender os filhotes. “Apesar de ser de médio porte, escavou um buraco e foi salvar as crias.” Nesse momento, foi atacada por outros cães e ficou em mísero estado. “Até um bocado de uma orelha lhe comeram, mas resistiu”. É velhota, mas continua rija. “É um exemplo.” Há quatro anos, Mário Cordeiro publicou um livro com a sua cadela “Mais de mil passeios – Versos ao meu cão”. Agora surge a sequela, bastante maior.

“Gosto muito de escrever poesia, já desde a adolescência que o faço”, conta o pediatra e escritor com mais de 50 livros publicados sobre várias matérias. Este é um livro de poesia, com cerca de 400 páginas, sobre a vida, a morte, Deus, entre outros assuntos, em diálogos e reflexões com a sua cadela. O título, explica, tenta associar a Tenrinha (e os cães em geral) ao poeta português que, para si, mesmo que tenha sido muito difícil escolher, é o mais completo que alguma vez existiu: Fernando Pessoa.

“Fernando Pessoa, sendo supersticioso relativamente ao uivar dos cães e não gostando nada deles, segundo as palavras de Ophelia Queiroz, a sua única namorada conhecida, incluiu os cães em vários poemas”, recorda o pediatra

Mário Cordeiro salvaguarda que não se deve humanizar os animais, mas parece-lhe evidente que os bichos devem ser observados, contemplados, protegidos e defendidos com afeto e consideração. “Os animais, sobretudo os cães (ou os cavalos), têm uma enorme presciência, agem com o seu saber ancestral e genético (a que chamamos instinto) e, quanto aos cães, há perto de 20 mil anos que temos uma relação com eles (os gatos há apenas sete mil), sendo nós os chefes da matilha”, refere.

O seu cargo de assessor do programa de promoção da interação entre crianças e animais, da Provedoria dos Animais de Lisboa, dá-lhe oportunidade de pôr em prática várias coisas em que acredita. E, na sua opinião, a fidelidade e gratidão dos animais não têm limites. “Temos muito a aprender com eles, sobretudo no inter-relacionamento afetivo, gratidão, paciência e humildade e pouca arrogância e exigência.”

“Os animais, especialmente os cães, interessam-me porque nos tornam a vida variada, plena, simples, quase néscia, mas oferecem tanto e a tão baixo custo que, cada vez mais, me repugnam a cupidez, a ganância, o narcisismo e o show-off do ‘ter por ter’ ou o exclusivamente ‘fazer’. Gosto cada vez mais do ‘ser’ e do ‘estar’, e os animais e as árvores e plantas ajudam a cultivar essa parte de nós próprios, tão saborosa e reconfortante”, sublinha.

“Quanto aos animais, particularmente os cães, todos os dias me surpreendem, e sou daqueles que pensa que quanto mais gostamos de animais e os tratamos bem, melhores seres humanos seremos e mais da Humanidade gostaremos, tratando também as pessoas melhor”

Depois do primeiro livro de poesia, “Ávido de luz”, que publicou em 1994, há mais alguns como uma antologia de 150 poetas lusófonos, de todos os países de língua oficial portuguesa, sobre o nascimento. Intitula-se “A poesia do nascer”. Publicou outros, designadamente sobre Pedro e Inês, e um sobre os Açores, comemorativo do centenário do Peter Café Sport, na cidade da Horta.

Mário Cordeiro lê muita poesia e tem em casa mais de 500 livros dedicados aos poemas. “Aprecio o Belo, aliás, procuro intensamente o Belo, e a poesia e a Natureza andam de mãos dadas, no que toca a expressarem-se de forma singela, quase lacónica, mas com uma intensidade e uma profundidade do tamanho do mundo.” Palavras de poeta.