Eleições: Pensar a Europa que lhes deu liberdade

Texto por Filomena Abreu

A grande prova de fogo está prestes a acontecer. A lista de desafios que a União Europeia enfrenta é longa e de difícil solução. As migrações, as alterações climáticas e o Brexit são como combustível para os movimentos populistas e ultranacionalistas. O euroceticismo ganhou terreno. Os votos vão revelar quanto. Apostaram-se muitas fichas nos mais novos. Onde caem as preocupações e as prioridades da próxima geração?

Na Polónia há um cenário claro, que só pode resultar numa de duas opções, após as eleições europeias. O país fortalece-se a ocidente ou encosta-se à parede do leste. A Oposição já advertiu para o risco da saída da Polónia da União Europeia (UE), provocada pelo partido conservador e eurocético no poder, o Lei e Justiça (PiS).

Na verdade, essa força política nunca defendeu uma saída da UE, mas o seu líder, Jaroslaw Kaczynski, é uma das principais vozes populistas que advoga, regularmente, a soberania dos estados contra a ideia de federalismo. Por isso, têm sido muitos os braços de ferro entre o PiS e a Europa. Exemplo: as reformas do aparelho judicial consideradas por Bruxelas como uma ameaça à independência da Justiça, do Estado de direito e da democracia. Ou seja, o risco de um “Polexit” é real.

Emilia Krasucka Polaca, 25 anos

Emilia Krasucka, 25 anos, polaca, sabe o que está em jogo. Estuda Relações Públicas na Universidade de Wroclaw, mas neste momento faz Erasmus em Portugal, na área da Comunicação, Multimédia e Jornalismo, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. “Estou totalmente apaixonada. Adoro a cidade, as pessoas e a cultura. Sinto-me em casa.” Porém, no dia 26 volta à Polónia. Porque é Dia da Mãe e porque é dia de eleições. “E eu quero cumprir o meu dever.”

Ciente de que o sufrágio tem uma importância acrescida para o seu país e para aquilo em que acredita. “Sinto-me responsável, porque neste momento eu não sou só polaca, também sou europeia.” Uma mais-valia que algumas das pessoas que conhece gostariam de partilhar. “Tenho um amigo da Sérvia que lamenta que o seu país não esteja integrado na UE, diz que seria muito melhor se fosse um dos estados-membros, especialmente quando alguns países vizinhos já são.

Uma outra amiga do México fala da UE como algo maravilhoso. Algo em que o país dela nunca participará.” À medida que Emilia se foi inteirando do projeto europeu, percebeu como era “privilegiada”, começando a dar cada vez mais valor a essa condição. “É, sem dúvida, muito benéfico. É mais fácil viajar e, graças a isso, temos um grande número de programas de intercâmbio para que possamos aprender sobre outras culturas e conhecer novas pessoas. Como acontece no Erasmus.

É maravilhoso ter esse tipo de oportunidade.” No seu caso, a família também beneficia da integração, mas de outra forma. “O meu pai trabalha na Alemanha, tem um bom trabalho, uma situação legal e por isso tem benefícios, tal como seguro de saúde, mesmo não sendo alemão.”

Florian Graz Alemão, 24 anos

Florian Graz nasceu lá. Natural da cidade de Bochum, tem 24 anos e atualmente vive e estuda no Porto. Está no 5.º ano de Medicina, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. A decisão de fazer Erasmus foi tomada assim que começou a frequentar o Ensino Superior. Mas o processo em si só arrancou em 2016.

“Sempre tive a certeza de que queria fazer um intercâmbio porque é uma oportunidade incrível viver noutro país e conhecer uma outra cultura, mais do que quando vamos de férias. Acho muito importante ir além das nossas fronteiras, porque, como o Mundo está cada vez mais global, ganhamos competências importantes para superar desafios, que o desenvolvimento atual impõe.”

A história deste alemão é de facto curiosa. Quando o jovem decidiu fazer Erasmus já tinha o local definido. Só que o Porto não estava na lista de convénios da sua universidade. Acabou por ser ele quem andou a desbravar caminho para que o pudessem aceitar na cidade Invicta.

“Foi preciso enviar muitos e-mails e incomodar muitas vezes as pessoas responsáveis, mas, no fim, graças à coordenadora de Erasmus da minha faculdade e até mais à coordenadora de Erasmus do ICBAS, começámos uma nova cooperação e sou o primeiro estudante da minha faculdade a fazer Erasmus no Porto.”

O Erasmus, acrónimo do nome oficial em língua inglesa – European Region Action Scheme for the Mobility of University Students (Plano de Ação da Comunidade Europeia para a Mobilidade de Estudantes Universitários) –, é um programa de gestão de diversas administrações públicas, que apoia e facilita a mobilidade académica dos estudantes e professores universitários pelo Mundo.

O Erasmus+ é o novo programa que combina todos os atuais planos da UE para educação, formação, juventude e desporto, e que teve início em janeiro de 2014 e se prolonga até 2020.

Em fevereiro, o Ateneu Comercial do Porto foi palco de uma noite cultural portuguesa para cerca de 700 estudantes em mobilidade internacional. Uma iniciativa do Erasmus Student Network Porto

Desde 1987, o ano da criação, o número de estrangeiros que procuram o nosso país para efetuar esses intercâmbios já ascendeu aos 155 mil estudantes. De acordo com os dados fornecidos pela Comissão Europeia, aquando do 30.º aniversário do Erasmus, em 2017, o número total de estudantes participantes em todos os países ascendia a mais de quatro milhões.

O que, no entender de Isabel Joaquim, coordenadora da Agência Nacional de Erasmus, tem contribuído, acima de tudo, para “criar europeus”: “O sucesso do Ensino Superior português no Erasmus deve ser visto também à luz do número de estudantes que querem realizar um período de estudo ou estágio em Portugal ou em qualquer outro país participante”. E se os números mostram jovens cada vez mais interessados então isso só pode significar que “estamos perante um programa de sucesso”.

Algo que “contribui para a melhoria dos sistemas de educação e formação europeus, para a melhoria das competências dos estudantes e do pessoal educativo, e para a promoção da internacionalização das instituições e das políticas educativas e para a inclusão e promoção dos valores europeus”.

A Invicta é uma das cidades portuguesas que mais atrai os estrangeiros que procuram esta modalidade. No caso de Florian, ficou-lhe no coração desde que a visitou, em 2014. “É muito especial, sem dúvida a minha cidade preferida na Europa. Adoro o mar, a comida, a paisagem, a vossa cultura e a hospitalidade.” Um bem receber das gentes já habituadas aos muitos turistas e estudantes.

Para Florian, travar esse fluxo seria perder valores conquistados. Em Portugal, na Alemanha ou em qualquer outro dos países da União Europeia. E é exatamente por aí que o jovem começa a destacar a importância das eleições de dia 26.

“Infelizmente, nos últimos anos, o discurso antieuropeísta tem marcado o debate.” A crise de refugiados decorrente dos mais de um milhão de migrantes que entraram na Europa desde 2014, oriundos do Médio Oriente e de África – um número que não pára de aumentar – é arma de arremesso para muitos céticos da UE que a usam para atingir objetivos políticos.

Na opinião de Florian, é imperativo desmistificar o assunto. Uma luta à qual o sangue novo é chamado. “Devemos mostrar-lhes que existe um movimento pró-europeu que é jovem. Acho que é responsabilidade da minha geração promover essa ideia. O que não tem que significar concordar com tudo o que a União faz. Mas significa estar ciente dos principais benefícios que nos proporciona pertencer a ela: paz e tolerância.”

A vida de estudante, a tese e o voluntariado retiram-lhe tempo para estar sempre a par do que se vai passando no Parlamento Europeu. Ainda assim está atento. E se há um tópico que considera mais relevante vai procurar mais para ler. É o que vai acontecer agora. “Antes de votar, invisto tempo e considero o que vi no último mandato, para tomar uma decisão informada.”

À sua volta, os demais jovens estão sensibilizados para as eleições. Por isso, deverão fazer o mesmo. “Está nas nossas mãos garantir que todas as pessoas podem beneficiar de estruturas de mobilidade, não só estudantes universitários que devem ter mais contactos internacionais, mas também trabalhadores jovens. O programa Erasmus+ oferece essas oportunidades, mas elas têm que ser ativamente promovidas para que os empregadores permitam que os seus funcionários façam uso dessa experiência”, defende. Frisando que esse papel não deve significar a condenação de quem é contra o projeto europeu.

“Devemos perguntar-nos por que é que eles acham que a UE não é benéfica para a sua vida. Ou o que podemos fazer para que mudem de ideias. Devemos dar passos construtivos.”

Florian aponta o Brexit como um dos motivos que mais levou os países que integram a União a questionarem se vale a pena continuar. A Europa dos 28 pode tornar-se a Europa dos 27. Será resultado de mais de 60 anos de distância? “As razões serão diversas, mas, sim, também acho que a UE está ainda muito longe de nós. É fácil chegarmos às pessoas que já estão interessadas no que lhes queremos dizer.

O ponto-chave é alcançar o resto. Cidadãos ativos precisam da informação apropriada.” Uma batalha que o estudante de Medicina sustenta valer a pena pelos inúmeros benefícios que a UE traz aos cidadãos. “No caso do meu país, embora a Alemanha pague, beneficiamos do livre comércio e do mercado para exportar os nossos produtos e serviços.” No que lhe é mais próximo, Florian também dá exemplos: “Não tenho de trocar dinheiro quando viajo entre Portugal e a Alemanha e posso usar aqui o cartão SIM do meu telefone gratuitamente”.

Para concluir, volta ao programa Erasmus+. “Permite-me estudar aqui sem preocupações financeiras, permite-me ter amigos de todo o continente que quebram estereótipos e apoiam a tolerância.” Mas há mais. “Desde que nasci, tenho vivido em paz. Não sou apenas alemão, também sou português e europeu.” É por isso que não vai deixar de exercer o seu dever. “Solicitei o voto pelo correio porque devo muito à UE.”

Victoria Charalampous Grega, 21 anos

Victoria Charalampous não terá essa oportunidade e culpa a burocracia. A grega, de 21 anos, está no 3.º ano de Comunicação e Estudos de Media, na Universidade Nacional de Atenas. Atualmente, faz Erasmus na Universidade do Minho, em Braga. “Infelizmente, não votarei porque quando entrei em contacto com a minha embaixada, há um mês, eles informaram-me que o prazo final para os pedidos de votação já tinha acabado.

Se estivesse mais informada, ia votar no Porto, no consulado grego. E como voltar agora para a Grécia não é uma escolha realista, não vou votar.” Lamenta mais por saber que o seu voto teria importância, dada a atual “atitude apolítica e ignorante em relação a qualquer tipo de eleições, que se reflete nas grandes percentagens de abstenção dos jovens hoje em dia”.

As experiências de Erasmus que já foi fazendo, incluindo a de agora, onde conheceu tantos jovens de diferentes países, só lhe confirmam esse sentimento crescente de incerteza. “Todos me dão as mesmas impressões.”

A sua Grécia é palco de alguns dos problemas da Europa. “Temos uma União Europeia que está a fechar os olhos a uma das maiores crises humanitárias da história, uma UE que está a fechar as suas fronteiras a refugiados e imigrantes. Os movimentos de extrema-direita a ganhar mais terreno quando todos pensavam que perderiam dinâmica, basta olhar para o que aconteceu agora em Espanha.

Estes e muitos mais motivos fazem-me realmente pensar na importância do voto responsável.” Filha “da austeridade grega” e da “eterna auditoria das instituições europeias”, responder a certas perguntas não é fácil para a jovem. É melhor para a Grécia estar ou não estar na UE? “Para toda a gente que cresceu durante a crise financeira e que apanhou o referendo de 2016, é difícil saber.

O que realmente acredito é que temos que nos identificar como membros da UE, e não como seus subordinados.” E termina: “Se por um lado não posso negar a existência de uma alma democrática da instituição, às vezes acho que certas escolhas políticas feitas no Parlamento Europeu nada têm a ver com o seu papel democrático e representativo. Por isso, acredito que estas eleições são as mais importantes de sempre”.

Gitte Neys Belga, 21 anos

É um sintoma importante e transversal reconhecer a necessidade de mudança e de reorganização do projeto europeu. Os jovens não querem o fim da UE, mas pedem que dê resposta às necessidades sociais e políticas do momento. A belga Gitte Neys, 21 anos, natural de Antuérpia, estuda Psicologia em Ghent, mas transferiu-se por um semestre para a Universidade do Porto. Está no 1. º ano da licenciatura e reconhece que votar nas próximas eleições “é de facto muito importante”, pois tem a certeza de que os deputados eleitos diretamente pelos cidadãos “podem fazer uma grande diferença”, embora não saiba “muito sobre o que podem ou não decidir”. Informações que ignora devido à falta de um programa europeu mais eficaz e que deveria ser lecionado nas escolas.

“Era algo em que podíamos melhorar.” Para que as pessoas pudessem compreender o que está em jogo quando se fala, por exemplo, “das alterações climáticas e da imigração”.
“Na Bélgica, o voto é obrigatório. O que eu acho muito bem.” Só que como está, temporariamente, fora do seu país, essa obrigatoriedade não se aplica, desde que comprove a situação.

Não lhe seria prático, nem barato, deslocar-se de propósito, nesta altura, para votar. A belga usou outro mecanismo para não falhar um momento tão importante. “Dei permissão a uma pessoa próxima para votar por mim. Não quero que a Europa perca o meu voto.”