Texto de Ana Tulha
Se precisar de juntar um pequeno molho de folhas, é bem provável que recorra a ele. E que até tenha uns quantos guardados algures na gaveta ou em cima da secretária. E, ainda assim, talvez não saiba que a vida do clipe já vai longa (mais de 150 anos) e que este pequeno objeto nem sempre se cingiu a ser o agregador de papéis mais famoso do Mundo.
Em tempos, durante a Segunda Guerra Mundial, o clipe foi – espante-se – um símbolo da resistência ao nazismo. Aconteceu na Noruega, por culpa de Johan Vaaler, suposto inventor do clipe (já lá vamos).
Durante a Segunda Guerra Mundial, o clipe foi um símbolo da resistência ao nazismo
No princípio da década de 1940, o país estava tomado por ocupantes alemães e as autoridades nazis já tinham tratado de proibir tudo o que era símbolo de resistência: desde as bandeiras aos pins com imagens do Príncipe Carl da Noruega, então exilado.
Por isso, os resistentes apostaram no clipe, simultaneamente um motivo de orgulho nacional (porque supostamente – e sempre supostamente – teria sido lá inventado) e um objeto bem mais discreto na luta contra o nazismo. Ainda por cima, com uma carga simbólica forte, de solidariedade e unidade (“estamos unidos”, orgulhavam-se os resistentes).
Obviamente, o novo símbolo contra o nazismo não tardou a ser também proibido. E quem o usava teve de se sujeitar a pesadas punições. Mas o clipe sempre ficou com uma bela história para contar… E já agora com uma estátua, erguida em Oslo, em 1989, 90 anos depois da patente do clipe de Vaaler ter sido registada (1899).
Curioso é perceber que este simbolismo assentou na premissa de que o primeiro clipe tinha sido inventado por John Vaaler. Só que não foi bem assim. É que, mais de 30 anos antes da patente registada pelo norueguês, já um americano chamado Samuel B. Fay tinha registado um clipe, que servia essencialmente para pôr etiquetas em tecidos – embora a patente reconhecesse que o objeto também podia servir para juntar papéis.
O novo símbolo contra o nazismo não tardou a ser proibido. E quem o usava teve de se sujeitar a pesadas punições.
O mal-entendido, que fez com que Vaaler ficasse com os louros, ter-se-á disseminado a partir da década de 1920, quando um engenheiro da Agência de Patentes Nacionais da Noruega visitou a congénere alemã e descobriu a patente registada por Vaaler – sem perceber que, além de não ter sido a pioneira, a versão registada pelo norueguês era bem menos funcional e nunca chegou a ser comercializada.
Orgulhoso da descoberta, até escreveu um artigo a proclamar Vaaler como grande inventor do clipe. Daí até o mito chegar às enciclopédias nacionais – e às internacionais – foi um pequeno passo. Para completar o lado caricato da história, falta acrescentar que Johan Vaaler trabalhava num escritório onde, na época, se registavam as patentes norueguesas. Conveniente, não?