
Texto de Sara Dias Oliveira
O historial de voluntariado é extenso: ajuda aos sem-abrigo, aulas de alfabetização, apoio às vítimas dos incêndios. Em agosto de 2018, a primeira experiência internacional no campo de refugiados de Elefsina, arredores de Atenas, Grécia. Um mês de sorrisos e lágrimas. “Desde sempre que sonho e acredito num mundo melhor. Para mim, não faz sentido viver sem ser solidária e generosa.”
Esse mês pareceu-lhe um ano. “Estive com mulheres que viram os filhos serem mortos à sua frente, despedaçados com bombas. Estive com homens que foram torturados para salvarem a família e com crianças que viram os pais morrerem. A realidade da guerra é algo inexplicável”, conta.
Dulce Machado, professora do 1.º ciclo, captou momentos, pessoas, pequenos pés de crianças que caminharam tanto. As fotografias a preto e branco formam a exposição “Amor em Tempos de Cólera num Campo de Refugiados”, patente no Palácio Sotto Mayor, em Lisboa, até ao final do mês. São imagens que mostram que há amor no meio de tanto sofrimento. O carinho, os abraços, os desenhos, as canções. O anel de lata que lhe ofereceram na despedida e Omar, o bebé sírio que adormecia nos seus braços.
Alegrias, tristezas, coração partido, coração cheio. Um misto de emoções num outro mundo. “Pessoas que sobrevivem a condições desumanas, cruéis, inimagináveis.” “Cabe a nós, enquanto cidadãos e seres humanos, dar a mão a todas estas pessoas. Tentar construir um futuro para essas crianças. Não há impossíveis. Tudo é possível quando acreditamos e quando não desistimos.”
“Cabe a nós, enquanto cidadãos e seres humanos, dar a mão a todas estas pessoas. Tentar construir um futuro para essas crianças. Não há impossíveis. Tudo é possível quando acreditamos e quando não desistimos.”
No final de um dia duro, escreveu uma carta a António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa a relatar o que via e sentia. Pediu ajuda para essas pessoas que deixaram as suas casas, que fugiram da guerra. “São seres humanos que têm direitos, que só querem ser felizes e recomeçar as suas vidas. Mas onde estão os direitos destas pessoas?” E mais perguntas. “Onde está a solidariedade europeia? Onde está a solidariedade humana? Onde está a solidariedade dos grandes responsáveis políticos? Não está. Não há.” O presidente da República já leu a carta.
Em 1991, Dulce Machado estava na rua em manifestações de apoio ao povo de Timor-Leste depois do massacre de Santa Cruz. O voluntariado surge de forma natural e muito assente numa educação que a ensinou a não viver a olhar para si. Lisboeta de gema, sonhadora, determinada, apaixonada pela vida e pelas pessoas.
Aos 43 anos, continua a acreditar na generosidade. Como professora, confia no respeito pela diferença, na criatividade, na liberdade. Hoje, domingo 20, está no centro comercial de Telheiras a recolher roupa e bens para enviar para o campo de refugiados de Elefsina, onde moram crianças “marcadas por feridas sem cura” e que veem o mundo através de redes e portões. E para onde voltará no próximo mês de agosto.