Decrescimento: uma nova visão de sustentabilidade

Hans Eickhoff (Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

É uma crítica ao atual sistema económico, à exploração de recursos sem dó nem piedade. Os decrescentistas discutem redes de vivência, cidades, transportes, modelos de produção. Produzir menos para consumir melhor.

Hans Eickhoff é cirurgião, anda de bicicleta e transportes públicos, reduziu em 80% a quilometragem anual do carro, usa o comboio para viagens mais distantes e para ir ao estrangeiro, prefere alimentos biológicos produzidos localmente, vai às compras com sacos de papel ou de pano para evitar embalagens de plástico, faz reciclagem e vermicompostagem para o lixo orgânico, não tem gás em casa, compra eletricidade a uma cooperativa de energia renovável. Hans Eickhoff nasceu na Alemanha, vive em Portugal há 30 anos, tem dupla nacionalidade e é decrescentista.

“O decrescimento opõe-se a um modelo de sociedade que se centra no crescimento económico infinito, à exploração dos recursos do planeta a todo o custo e à comodificação de todas as interações humanas e da natureza. Propõe a reorganização da sociedade em volta das relações humanas e uma coabitação responsável com os ecossistemas da Terra”, adianta.

Não se trata de um sistema ideológico fechado, é uma proposta crítica e alternativa a um modelo que ultrapassou os seus limites ambientais e sociais. O decrescimento remexe em várias áreas da sociedade, procura alternativas, provoca escolhas. As opções individuais são fundamentais, mas a mudança terá de ser coletiva.

Como garantir uma produção alimentar de proximidade e ecologicamente sustentável? O médico lança várias questões. “Como tornar as nossas cidades espaços saudáveis para os seus habitantes e criar comunidade e economia local, em vez de as abandonar à especulação imobiliária e exploração turística, servindo apenas de cenário para um produto comercial? Como podemos organizar a mudança radical que se impõe de uma forma socialmente justa?”

Será necessário reduzir e alterar a forma como se produz e consome todo o tipo de bens. “Se quisermos implementar uma redução da emissão de gases com efeito de estufa, não é suficiente propor roteiros de neutralidade carbónica. Não podemos aumentar a capacidade aeroportuária, responsável por uma parcela cada vez maior de emissão de CO2”, refere. “Sendo que as nações mais ricas são responsáveis pela maior parte do consumo de recursos e a emissão de CO2, também dentro de cada sociedade, é às pessoas mais abastecidas, incluindo a classe média-alta, que terão de ser pedidas as maiores contribuições para a justiça ambiental, reduzindo a sua pegada carbónica”, acrescenta.

Decrescimento não é uma palavra que anda nas bocas do mundo todos os dias, mas começa a entrar no discurso público. Um exemplo chega da Trienal de Arquitetura de Oslo, Noruega, que começou no início deste mês e termina no final de novembro, e que tem como tema “Basta: A Arquitetura do Decrescimento”.

O aviso é direto e sério: uma economia focada no aumento do PIB (Produto Interno Bruto) não é sustentável. Jorge Leandro Rosa, um dos coordenadores da Rede para o Decrescimento em Portugal, rede ainda informal que surgiu há cerca de um ano, toca nesse ponto. “O decrescimento faz uma leitura crítica dos modelos que vieram atrelados à industrialização e o PIB é um conceito abstrato, puramente matemático, é uma miragem da sociedade. Discute-se como atingir determinado objetivo matemático. Por que razão não discutimos política, redes de vivência, como viver nas cidades ou no campo, o quê e como devemos produzir e consumir?”, questiona.

Jorge Leandro Rosa (Foto: Pedro Correia)

O decrescimento critica a produtividade pela produtividade, a destruição de ecossistemas, e defende que o crescimento económico não pode ser o fim último das sociedades. “O crescimento aeroportuário, por exemplo, o alargamento dos aeroportos de Lisboa e do Porto, é um crescimento problemático com impactos sociais, económicos, ambientais. É um absurdo um país, aparentemente comprometido com o objetivo da descarbonização, apostar neste tipo de infraestruturas. Parece que há aqui uma contradição”, repara Jorge Leandro Rosa, investigador do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto, ensaísta e tradutor.

O debate é urgente. “As alterações climáticas dão-nos uma barreira palpável que não podemos ultrapassar”, alerta. É urgente repensar o circuito produtivo, discutir transportes, planeamento urbano, tecnologia, modos de produção, sistemas económicos assentes na justiça social e que não conduzam a recessões.

Jorge Leandro Rosa não tem carro por opção, desloca-se a pé ou de transportes públicos, defende uma produção alimentar perto dos consumidores através de cooperativas e que é preciso repensar o monopólio das grandes superfícies. “O parque automóvel entrou em explosão e não faz sentido, a circulação em bicicleta não está facilitada, não se atacou o espaço do automóvel. A autonomia alimentar é desastrosa, mais de metade do que consumimos vem do outro lado do Mundo”.

O decrescimento implica escolhas difíceis e, segundo o investigador, estabelecer ligações entre aspetos que normalmente não são conectados pode ser a chave de uma reflexão séria. Uma utopia? “Não é uma utopia, não é uma ilusão, no sentido ideológico. É um diálogo entre as pessoas e uma tomada de consciência.” “O decrescimento não pode ser uma espécie de receita mágica que é aplicada na Europa, na África, na América Latina, no sudoeste asiático, da mesma forma”, sublinha.

Opções individuais, mudanças coletivas Inês Cosme, engenheira do Ambiente, investigadora no CENSE – Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, doutorada em Estudos sobre a Globalização, pensa duas vezes se o que vai comprar é mesmo necessário, prefere peças em segunda mão, compra a granel, reutiliza frascos. “O decrescimento é uma nova visão de sustentabilidade, é uma crítica ao sistema económico atual que cria desigualdades sociais e criou uma crise ecológica que estamos a viver neste momento”, realça.

Inês Cosme (Foto: Filipe Amorim/Global Imagens)

O soundbite de que o crescimento económico é o principal objetivo, o fim último do bem-estar das sociedades, não faz sentido aqui. O decrescimento defende a diminuição da escala de produção e de consumo como algo importante para resolver a crise ecológica e a crise social. Os recursos não são ilimitados e investir em indústrias menos poluentes, para reciclar e reutilizar, já não é suficiente. “Já ultrapassámos este ponto. Temos de debater a diminuição do consumo, mudar o sistema económico que temos.”

Os decrescentistas falam de justiça, de equidade social. “Os países mais ricos devem abrandar e diminuir a escala da sua produção e consumo.” Inês Cosme participa em debates e sessões de esclarecimento sobre o decrescimento e adianta algumas alternativas dentro de uma visão de sustentabilidade que se diferencia do mainstream. Novos modelos de troca de bens e serviços, moedas locais, negócios mais justos, mais horizontais, cooperativas, limitar a publicidade que alimenta necessidades de consumo que não são vitais.

Nas pesquisas que tem feito, mergulha no assunto e tem chegado a algumas conclusões. “Existem três maneiras de contribuir para transformar a sociedade numa perspetiva de decrescimento: ativismo de oposição, isto é, ação direta da sociedade civil; construção de alternativas, através da criação de novas instituições; reformismo, através de ações dentro das instituições existentes.”

Num inquérito que fez a 60 iniciativas de sustentabilidade em Portugal verificou que, apesar de não se intitularem de decrescimento, essas estruturas têm uma visão e práticas alinhadas com a redução dos impactos ambientais das atividades humanas, com a redistribuição de rendimentos e riqueza, com a transição de uma sociedade materialista para uma sociedade convivial e participativa.

Álvaro Fonseca, um dos coordenadores da Rede para o Decrescimento, ex-professor universitário de Microbiologia, agora ativista político e educador ambiental, não compra roupa há vários anos, tem herdado e reutilizado o seu vestuário, compra no comércio local, evita grandes superfícies, anda a tentar encontrar um ponto para entrega de cabazes alimentares biológicos no bairro onde mora, em Lisboa. Saber que o modelo económico é insustentável, ambiental e socialmente, leva-o a questionar o que está à sua volta e a perceber que a mudança pessoal não existe sem a mudança coletiva e vice-versa. “Não há uma sem a outra, as duas alimentam-se.”

Álvaro Fonseca (Foto: Carlos Costa/Global Imagens)

“O decrescimento é uma crítica ao sistema económico como paradigma social.” Uma censura à frase batida de que quanto mais produção, mais consumo, mais bem-estar, mais felicidade. Olha para várias dimensões, questiona o Mundo mais próximo para ver mais além. “No fundo, o decrescimento convoca a possibilidade de olhar para o sistema tal como está, com os seus pontos fracos, e perceber as práticas que já existem e que possam retirar-nos deste caminho que é insustentável”, resume.

O decrescimento não é uma receita ou uma fórmula mágica – observa, questiona, mostra caminhos e possibilidades para um novo paradigma num planeta que esgota recursos e vive com medo de colapsar. De ter diante de si um prazo de validade concreto.