Como responder a perguntas difíceis dos filhos?

Texto de Cláudia Pinto

Pedro Nova, 37 anos, não esquece o dia em que estava a conduzir quando a filha Lia, de nove, lhe perguntou sobre o grau superlativo analítico. “Não tinha sido eu a estudar para o teste de Português com ela e fiquei mesmo atrapalhado.” Mas as questões difíceis não param de chegar, quase ao ritmo a que crescem os miúdos. “As piores perguntas são mesmo as que não estamos à espera, como por exemplo: ‘Qual é o sentido da rotação do sol’?”.

Lia tem uma irmã, Noa, de cinco anos. Pedro Nova garante que “são ambas muito curiosas à sua maneira”. A mais velha “desinteressa-se quando sente mais dificuldade em perceber os assuntos”. Já a mais nova quer saber de tudo e mais alguma coisa. “Escolhe bem os temas e não fica satisfeita enquanto não arranjamos uma explicação para a sua dúvida.” Mas se algumas questões estão mais relacionadas com o estudo, outras há que se prendem com aspetos do dia-a-dia.

A mãe Sandra Nova confessa que as perguntas mais difíceis são as relacionadas com sexo. “Como é um tema tabu em quase todas as famílias, e sendo meninas, no nosso caso, há quem pense que ainda têm de ser mais protegidas.” Pedro e Sandra tentam, sempre que possível, desmistificar os assuntos, sejam eles quais forem. “A Noa viu dois homens a dar um beijo e nós explicámos que há pessoas que gostam de outras do mesmo género, e que isso não é um problema”, conta Sandra. É precisamente neste campo que surgem as maiores inquietações.

Para Pedro e Sandra Nova, as questões mais problemáticas colocadas pelas filhas Lia (esquerda) e Noa são as relacionadas com sexo

“A maioria dos pais que acompanho parece ter maior dificuldade nas respostas relacionadas com a sexualidade, talvez pela nossa cultura, tabus ou medos. Se muitos adultos não se sentem à vontade com o tema, é muito normal que os seus filhos tenham a mesma reação”, explica a psicóloga Bárbara Ramos Dias, especialista em adolescentes e coach parental.

Ao longo dos quase 20 anos de prática clínica como psicóloga, além de ser mãe e tia, Bárbara Ramos Dias foi-se apercebendo que a principal causa de discussões e dificuldade de relacionamento familiar se traduz em “carência de comunicação e ausência de respostas concretas às interrogações dos filhos”. Foram vários os relatos em consulta e “as queixas” por parte dos pais que lhe perguntam o que hão de dizer aos filhos.

Foi nesse sentido que aceitou o desafio da Manuscrito Editora em lançar o livro “Respostas Simples às Perguntas Difíceis dos Nossos Filhos”. O objetivo foi reunir um guia que explica aos pais como comunicar com os filhos, gerir conflitos e lidar com emoções e autoestima de crianças e adolescentes, assim como reagir às muitas questões que lhe têm sido colocadas ao longo dos anos, como parente e profissional.

Não há perguntas melhores nem piores, mais fáceis ou mais difíceis. Por outro lado, “todas as respostas são corretas, desde que sejam respondidas de forma simples, clara, honesta e com o coração”, assegura. E há também algo muito importante para qualquer relacionamento familiar e que se baseia “no pressuposto de ser ouvido e saber ouvir”.

Dizer sempre a verdade

Pedro e Sandra consideram-se descontraídos mesmo quando as perguntas não são simples. Quando o pai não tem réplica para as dúvidas das filhas, opta por “passar a batata quente à mãe” mas tem noção de que “os filhos gostam de sentir que os pais têm resposta para tudo”. O casal defende a honestidade e recorre a exemplos do quotidiano para facilitar a tarefa.

Marisa Barreto, professora do primeiro ciclo e diretora de um centro de estudos, com os três filhos

A postura é partilhada com Marisa Barreto, mãe de três filhos e diretora pedagógica do Centro de Estudos B4You e do Colégio da Fonte, em Porto Salvo. Habituada a reagir a perguntas difíceis e desafiantes, tanto como mãe como enquanto profissional, confessa que chega a gravar as questões e conversas dos filhos, Guilherme, de oito anos, Gonçalo, de seis, e Salvador, de dois, enquanto conduz.
Marisa perdeu o pai quando o filho mais velho tinha três meses e uma das interrogações que Guilherme e Gonçalo mais colocam recai sobre a morte do avô.

“Perguntam-me se o avô os conhece e eu explico que ele está no céu mas que vê tudo. Eu tenho uma estratégia: tento explicar temas difíceis com algum filme que eles tenham visto. No caso da morte, recorro ao filme infantil ‘Brave’, em que um urso morre e transforma-se em rei, e vê-se uma espécie de sombra a ir para o céu, possivelmente a alma. Argumento que o corpo do avô estava cansado mas que a alma foi para o céu.”

Marisa defende que deve prevalecer a verdade. “Neste como em outros temas, tento ser o mais fiel possível à realidade de forma a prepará-los para a vida.”

O filho Gonçalo está a entrar na fase dos medos e de maior consciência da realidade e também quer saber como vai ser quando ele próprio morrer e se a mãe vai estar à espera dele para recebê-lo. Já o irmão Guilherme demonstra vontade de ir ao cemitério ver o local onde o avô está, pedido que os pais estão a avaliar e que decidirão satisfazer, mais tarde ou mais cedo. Mesmo em temas difíceis como este, Marisa não dramatiza.

“Tento justificar todos os assuntos de uma forma positiva”, diz, argumentando que tem uma postura prática em relação a tudo na vida.

Na escola, algumas das questões mais complicadas relacionam-se com o divórcio. “Porque é que vive cada um em sua casa?”, indagam os alunos. “Explicamos-lhes que os pais namoram e que, por vezes, deixam de gostar um do outro, mas que vão gostar sempre dos filhos, independentemente de tudo”, esclarece Marisa.

Para a psicóloga Barbara Ramos Dias, a dificuldade nos relacionamentos familiares tem sobretudo a ver com o défice de comunicação e falta de respostas concretas aos filhos

A psicóloga Bárbara Ramos Dias considera que a solução passa por contrapor com “clareza, amor, sinceridade e sem mentiras”. Mentir não é opção. “Mesmo que os pais não saibam ou não tenham vontade de responder, podem assumir que estão cansados ou comprometerem-se a pesquisar remetendo a resposta para depois.

Não faz mal assumir que não se sabe ou que respondem mais tarde porque estão exaustos.” No entanto, é importante não deixar a criança sem feedback e mostrar disponibilidade e interesse. “Caso contrário, os miúdos podem ir procurar esclarecimentos a outro lado, a amigos ou à Internet, o que pode não ser tão benéfico e correto. Quanto melhor for a relação de partilha entre pais e filhos, mais facilidade os miúdos têm em interrogar os pais”, reforça.

“Pergunta ao teu professor”

Não são raras as vezes em que Pedro e Sandra assumem que não sabem, mas não sem voltarem ao tema posteriormente. O casal opta por uma estratégia em forma de afirmação: “Não nos esquecemos da tua pergunta mas diz-nos quem é que ajudaste hoje na escola, e o que é que te fez feliz?”, costumam dizer às filhas. Também costumam remeter uma questão mais complexa para a professora. “Não somos de ferro”, desabafa Pedro.

Marisa Barreto sente que os pais “estão hoje mais colaborativos”. E ainda que considere que a escola não deva substituí-los, também os professores são alvo de dúvidas difíceis. Como forma de preparar alguns temas que podem prolongar-se da sala de aula para casa, sobretudo a partir do terceiro ano, momento em que se leciona o sistema reprodutor no Colégio da Fonte, o alerta é dado nas reuniões de pais.

“Tentamos prepará-los para perguntas que surjam em casa sobre o tema, e aconselhamentos a que expliquem tudo, sem qualquer tipo de problema, adequando à faixa etária, mas optando sempre pela verdade.”

Em certas situações, sobretudo nos temas mais complexos, também os professores remetem alguns assuntos para a psicóloga do colégio e aconselham os alunos a falar com os pais caso tenham dúvidas. “Eles, melhor que ninguém, saberão responder aos anseios dos filhos”, defende a diretora pedagógica. E como curiosos que são, quando as questões são mesmo desafiantes, e eles não se esquecem de voltar ao tema, existe uma tabela na sala de aula em que os alunos podem deixar sugestões ou perguntas em relação ao que gostariam de saber.

“No final da semana, reunimos e remetemos para pessoas da área, se for necessário. Se tivermos dúvidas relacionadas com profissões de algum pai ou mãe, convidamo-los a virem explicar à sala de aula, tentando integrar a família na escola.” Foi o que sucedeu quando um aluno perguntou como é que um avião anda no ar. Foi a oportunidade certa para convidar uma mãe hospedeira a visitar o colégio e esclarecer as crianças.

A psicóloga Bárbara Ramos Dias assume que o papel dos professores é ativo e importante mas considera que “a educação, os valores, as regras e os limites devem ser dados em casa. Os professores ensinam competências técnicas e os pais devem ser mais responsabilizados por passar as competências emocionais, como saber lidar com frustração, a capacidade de empatia, o respeito e a autoestima, entre outras”.