
Foi há mais ou menos dois anos que Sérgio Barbosa, então com 38, começou a aperceber-se de que algo não estava bem. A dor e o desconforto que sentia nos testículos foram o primeiro aviso, o “carocinho mais duro” que detetou quando decidiu fazer a palpação o decisivo sinal de alerta. Percebendo que “algo não estava bem”, não tardou a procurar a médica de família.
Os acontecimentos posteriores sucederam-se a ritmo acelerado: a ecografia, a certeza do tumor, o reencaminhamento para a especialidade de Urologia do Hospital de Santo António (Porto), a exérese cirúrgica do testículo direito – simplificando, a cirurgia para retirar o testículo. Mas o problema não ficaria resolvido ali. Entretanto, percebeu que o cancro já estava metastizado. Na zona da barriga e nos pulmões. Teve por isso de ser submetido a nova cirurgia, desta vez nos pulmões. E de fazer quimioterapia. Cinco ciclos, com interrupções pelo meio. Hoje, dois anos depois do início do pesadelo, continua a ser vigiado de perto, mas pode respirar de alívio. “Estou limpo.”
25 casos de cancro do testículo tratados no Centro Hospitalar Universitário do Porto em média por ano.
Do susto não se livrou. Até porque quando o cancro do testículo foi detetado, o problema “já tinha algum tempo”. É precisamente para reduzir o número de casos com estes contornos que o médico La Fuente de Carvalho, responsável pela unidade de Andrologia/Medicina Sexual do Serviço de Urologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto, alerta para a importância de estar atento a todos os sinais. Tanto mais quanto se trata de um cancro quase silencioso. “Em regra, não há sintomas. O que surge é um aumento progressivo do tamanho do testículo dos doentes. Muitos, como não têm sintomas ou sinais inflamatórios, não valorizam. Daí que a nossa preocupação seja alertar para que quando se note um aumento do volume dos testículos se procure imediatamente um médico”, avisa o também professor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.
70% com metástases.
Percentagem relativa à fase da doença em que o cancro é detetado. Apostar no diagnóstico precoce é a prioridade.
O recado visa essencialmente os jovens, visto que a maior taxa de incidência deste cancro se verifica em homens entre os 15 e os 35 anos. La Fuente de Carvalho justifica a preocupação com esta faixa etária. “Apesar de o tumor no testículo ser relativamente raro, é o mais frequente no homem jovem.” O diagnóstico precoce é possível através de um autoexame que demora, em média, três minutos (ver caixa). E pode fazer toda a diferença. “Apesar de este ser um cancro com uma taxa de cura elevada (90% aos cinco anos), só podemos melhorar a taxa de sobrevida quando detetamos o problema numa fase inicial.” A preocupação adensa-se face ao facto de este ser um tipo de cancro com forte tendência para a metastização, visto que o carcinoma se difunde através do sistema linfático. “Perto de 70% dos doentes já nos aparecem com metástases.”
Foi o que aconteceu com Rui Nuno, há mais ou menos dois anos. Curiosamente, neste caso, o sinal de alerta até partiu de uma massa detetada no peito. O “caroço” acabaria por revelar-se benigno, mas foi o mote para a realização de uma série de testes que seriam reveladores. “Após fazer exames ao sangue, percebeu-se que tinha valores fora do normal. Depois fiz uma ecografia escrotal e foi aí que se notou um tumor que estava concentrado no testículo, mas não era palpável”, recorda. A cirurgia trouxe mais más notícias. “Já tinha metastização em estado avançado. Três metástases nos pulmões e uma no retroperitoneu.” Nada que a quimioterapia não tenha resolvido. Hoje, dá graças por ter detetado aquela massa no peito que, apesar de inofensiva, seria decisiva para travar o cancro a tempo.
Próteses e criopreservação
Para que o cancro do testículo não deixe marcas para o futuro, há já várias soluções. Uma prende-se com a parte estética. Uma vez que quase sempre o tratamento implica a realização de uma cirurgia para a retirada do testículo afetado, é possível colocar uma prótese. “Desta forma a imagem corporal mantém-se”, explica La Fuente de Carvalho.
Também uma futura paternidade é acautelada. Apesar de 80% dos doentes se manterem férteis depois de ultrapassado o problema, o procedimento mais comum, entre quem tenciona ter filhos, é a colheita de sémen para criopreservação. Por precaução. Deste modo, a possibilidade da paternidade fica sempre garantida após o tratamento, mesmo que algo não corra como previsto.
De resto, La Fuente de Carvalho reitera o alerta. Porque, quando está em causa a saúde e a sobrevivência, nunca é excessivo. “Se notarem um aumento do volume dos testículos, não esperem meses. Não achem que é porque estão a ficar mais machos. Muito provavelmente é porque há uma doença.”
Palpação
• A autopalpação consiste na observação e palpação periódica dos testículos realizada pelo próprio. Permite detetar o aumento do volume, morfologia e aparecimento de pequenos nódulos assintomáticos que vão crescendo ao longo do tempo.
• A palpação deve ser realizada uma vez por mês, a partir dos 15 anos, durante o duche.
• Cada testículo deve ser examinado com ambas as mãos, em que o dedo indicador e o dedo médio devem ser posicionados de forma a aconchegar para o polegar deslizar, delicadamente, sobre toda a superfície e notar qualquer anomalia.
• Caso seja detetada alguma alteração, deve procurar o seu médico.