Bullying: quando o seu filho é o agressor

Texto de Sofia Teixeira | Ilustração de Filipa Viana/WHO

Normalmente, começa com um telefonema, da professora ou diretora de turma, que pede para os pais irem a uma reunião na escola. E na reunião chega a notícia que nenhum pai ou mãe gostaria de ouvir e na qual, frequentemente, não acredita: estão ali porque a criança anda a praticar bullying, que é como quem diz, a ser violenta física ou psicologicamente, de forma intencional e repetida, a um ou mais colegas. Pode ser a bater, a ofender, a gozar, a ostracizar.

E, nesses casos, os pais recusam‑se muitas vezes a acreditar que o filho – que é bom aluno, bem‑comportado no ambiente de casa, que foi educado com princípios e ao qual dedicam tanto tempo e afeto – possa fazer isso.

Os pais têm mais facilidade em aceitar que um filho é vítima do que agressor. Luís Fernandes, psicólogo educacional da Sementes de Vida – Associação de Apoio à Vítima e coautor do livro Cyberbullying, Um Guia para Pais e Educadores, percebe a incredulidade de muitos pais. “Há casos em que, quando conhecemos os pais, percebemos perfeitamente de onde vem o comportamento agressivo dos filhos: os traços de violência estão nos pais e os miúdos absorveram‑nos. Mas nem sempre é assim. Há casos em que nitidamente a educação que foi dada àquele miúdo não o devia predispor a ter esse tipo de comportamento.”

E, nesses casos, os pais recusam‑se muitas vezes a acreditar que o filho – que é bom aluno, bem‑comportado no ambiente de casa, que foi educado com princípios e ao qual dedicam tanto tempo e afeto – possa fazer isso. “Ele nunca faria isso”, dizem quase sempre. Só que faz. E a resposta está num comportamento que, não sendo exclusivo dos adolescentes, faz‑se sentir muito nestas idades: o síndroma da matilha.

Na adolescência, as relações com os amigos têm um peso muito grande, e, independentemente da educação em casa e da relação com os pais, nesta fase, é muito importante para eles sentirem‑se integrados num grupo. “Se o líder do grupo que querem integrar os desafia a incomodar outros mais fracos, muitas vezes eles alinham”, explica o psicólogo.

Há muitos sintomas, amplamente divulgados, de que uma criança pode estar a ser vítima de bullying – tristeza, isolamento, descida de notas, falta de vontade de ir para a escola.

Tiago Andrade, estudante no ensino superior, hoje com 21 anos, não teme admitir que entre os 10 e os 13 anos tinha este tipo de comportamento. E, ao contrário de muita gente que olhando para trás terá tendência a chamar‑lhes “coisas sem importância de miúdos”, não teme chamar as coisas pelos nomes: “Praticava bullying com alguns colegas de turma, sim. Nunca houve agressões físicas, mas havia agressões psicológicas a colegas que não faziam parte do grupo e eram mais frágeis ou estavam em situação de vulnerabilidade.”

Hoje, olhando para trás, não consegue perceber o que o levava a ter esse comportamento que, de resto, se lembra que encarava como normal. “Acho que sentia que era superior a eles, mas agora que penso nisso, estava só a ser inferior, porque precisava de os atacar para me sentir assim.” À distância, olha para as suas próprias atitudes com desdém e arrepende‑se. “Não ganhei nada com o que fiz e sei que causei muito sofrimento a algumas pessoas.

Gostava de mudar isso e ter dado um melhor exemplo às pessoas à minha volta, que eram obviamente influenciadas para também fazer bullying.” Como os ataques não envolviam violência física e Tiago era uma criança bem‑comportada tudo isto passou na altura sem ser detetado por ninguém. “Parei de ter este tipo de comportamento pelos 13 anos sem que pais, professores e funcionários tenham dado conta de alguma coisa.”

Há muitos sintomas, amplamente divulgados, de que uma criança pode estar a ser vítima de bullying – tristeza, isolamento, descida de notas, falta de vontade de ir para a escola. Já os sinais de que pode ser um agressor são menos evidentes. Ainda assim, Inês Freire de Andrade, vice‑presidente e formadora da Associação No Bully Portugal, que leva a cabo programas de sensibilização e prevenção nas escolas, conta que há sinais aos quais os pais podem estar atentos, uma vez que são indicativos de uma probabilidade maior de os filhos estarem a ter este tipo de comportamentos.

É fácil apontar o dedo aos bullies e critica‑los pelo comportamento errado que têm. Menos fácil, mas necessário, é desafiar preconceitos simplistas e uma visão a preto e branco do fenómeno.

A agressividade generalizada, seja física, verbal ou relacional, com outros jovens ou com os adultos, da mesma forma que identificar esta tendência no círculo de amigos dos filhos também pode ser preditivo desse comportamento. “Existe também a tendência dos bullies não seguirem as regras formais ou sociais. Se os pais perceberem que o filho tem dinheiro ou pertences novos que não conseguem explicar de onde vêm, têm de considerar que podem tê‑los roubado a colegas, que também é uma forma de bullying”, explica a responsável.

Estes são os sinais mais evidentes, mas há outros mais subtis. Como o bullying é um fenómeno social que surge de um desequilíbrio de “poder” – seja ele por diferenças físicas, de capacidade intelectual ou popularidade, “se os jovens mostrarem uma preocupação fora do normal acerca da sua reputação, estatuto social ou popularidade, poderão também estar a praticar bullying de forma a obter tudo isto”. Por fim, como o bullying envolve sempre a ausência de empatia pelas vítimas, a falta de empatia generalizada para com os outros pode ser sintomática de que a criança está ou pode vir a estar envolvida nesta prática.

É fácil apontar o dedo aos bullies e criticá‑los pelo comportamento errado que têm. Menos fácil, mas necessário, é desafiar preconceitos simplistas e uma visão a preto e branco do fenómeno. Uma das conclusões a que muitos estudos e observações empíricas já chegaram é que, frequentemente, vítima e agressor são a mesma pessoa, com o conceito de vítima‑agressora a ser cada vez mais usado neste campo de estudo. A vítima agressora é alguém que, como forma de compensação pelos maus‑tratos que sofre, procura outra vítima mais frágil para cometer também ela agressões.

“Há muitos miúdos vítimas de bullying que se tornam agressores no âmbito do cyberbullying. Não têm competências interpessoais para confortar presencialmente o agressor, mas conseguem facilmente transforma‑se em ciberagressores porque são inteligentes, têm competências a nível tecnológico e podem esconder‑se atrás de um ecrã”, explica Luís Fernandes.

E o cyberbullying é uma terra de ninguém. Porque se no contexto de bullying há adultos, seja na escola, em casa ou na rua, que supervisionam, de forma formal ou informal, e que podem detetar a situação, intervir e dar o alerta, no caso do cyberbullying não. Não há ninguém que supervisione o que está a acontecer online em tempo real, até porque, como alerta o psicólogo Luís Fernandes, “miúdos são nativos digitais e os pais emigrantes digitais”. Ou seja, os mais pequenos têm frequentemente mais competências tecnológicas do que os pais.

Se os bullies são tendencialmente crianças com baixa ou alta autoestima não se sabe bem: os estudos não são consensuais. Alguns apontam para o facto de a agressão ser um reflexo de insegurança e de autoestima baixa, outros apontam para miúdos que se acham a última coca‑cola no deserto e tão acima dos outros que têm o direito de fazer o que lhes apetece.

Mas seja qual for a autoperceção, a motivação passa quase sempre pela autoafirmação. Por isso, Tiago Andrade não quer terminar a conversa sem deixar um conselho aos jovens bullies: “A necessidade de fazer bullying passa por querer um estatuto de superioridade dentro do grupo, mas esse estatuto é conseguido pelo medo e não pelo mérito. Há outras maneiras, positivas, de liderar grupos. Por exemplo, ajudando os outros, em vez de os prejudicar.”

BULLIES MUITO À FRENTE

Quer no bulliyng quer no cyberbullying, há esquemas cada vez mais elaborados. Muitos miúdos arranjam quem “suje as mãos por eles”: o cabecilha do esquema de bullying é autor moral, mas não executa.

Luís Fernandes, psicólogo educacional da Sementes de Vida – Associação de Apoio à Vítima e coautor do livro Cyberbullying, Um Guia para Pais e Educadores, confessa que só os anos de experiência que já leva a lidar com agressores lhe permite entrar na cabeça deles. “Os esquemas são cada vez mais refinados, temos de conseguir pensar como eles, caso contrário, andamos sempre a correr atrás do prejuízo: quando estamos habilitados a lidar com as coisas de uma forma, já eles estão muito mais à frente nas estratégias.”

E deixa um caso: “Tive um miúdo que instigava outros a molestarem física e psicologicamente a vítima e ficava apenas a ver. Fazia mais: quando via que um auxiliar na escola detetava a situação, saía do papel de observador e ia acalmar os ânimos. Nos relatórios ficava mencionado como o miúdo que fora essencial na resolução do conflito, quando, na realidade, tinha sido ele a instiga‑lo.” Quando o psicólogo lhe perguntou como escolhia os miúdos que agredia respondeu: “Conhece o quadro de honra? Parece a ementa.”

Leia este artigo para identificar um ciberagressor.