Biodanza. Dançar a vida, lavar a alma

Texto de Sara Dias Oliveira

Não é uma dança qualquer porque é especial e não é uma terapia, no sentido clássico, embora tenha efeitos terapêuticos. Não tem coreografias, tem sim exercícios específicos e músicas orgânicas, e assume-se como um sistema que valoriza a vida e dá total liberdade para aprender a ser, a sentir, a expressar emoções através de vivências induzidas pela música e pelo movimento. Concentra-se no que é bom para a vida: alegria, bem-estar, felicidade, afetos, saúde. A biodanza nasceu no Chile e está em Portugal.

“É uma viagem de desenvolvimento humano, em grupo, através da dança e da música. Ficamos a conhecer-nos muito mais, ficamos a saber quem somos, por baixo daquilo que ‘pensamos que somos’, e isso é fascinante”, adianta Elsa David, facilitadora (como se chamam os professores de biodanza), que se apaixonou por este sistema há 16 anos.

Neste momento tem três grupos regulares semanais e está ligada a eventos de criatividade e biodanza. “Percebi que a biodanza me ajudava a mergulhar no humano, a compreender, a tecer pontes, a aprofundar a minha relação comigo, com o outro, com todos.” Deixou a profissão de arquiteta, pintora e ilustradora, e dedicou-se à biodanza a 100%.

Cada um descobre as suas respostas vitais e conduz a sua forma de expressão. E os movimentos são sugestões. “Através da dança e de uma sequência de exercícios específicos, muito simples, que não exigem que se saiba dançar, vamos entrando em contacto com o ritmo e a melodia, com a alegria e o entusiasmo, com cada um dos outros companheiros que estão presentes na sala, e damos por nós a rir, a saltar, a sair da nossa zona de conforto sem dar por isso, a fazer movimentos que não conhecíamos, a brincar resgatando a nossa criança interior” conta Elsa David.

Caminhar, abrir os braços, alargar o passo, levantar os olhos do chão, dançar em rodas. Tudo é possível. “A biodanza põe-nos muito mais em contacto com aquilo que o corpo pensa, sente, deseja. Percebemos que as nossas células batem palmas quando é algo bom para mim, e que se revoltam e querem marcar limite quando é algo mau para mim. Sinto mais que sou um corpo e não uma cabeça transportada por um corpo mudo, que não se expressa”, explica.

Mais recursos e mais instrumentos para viver melhor. Vasco Fretes, professor e membro da direção da Associação Portuguesa de Facilitadores de Biodanza, esclarece que não é uma dança performativa, com coreografias. “Expressamo-nos com um sentido. Os exercícios têm um objetivo e as músicas um efeito orgânico e harmonizador.”

O modelo teórico indica que o que se pretende é a integração da identidade. Procurar o que faz feliz. “Não comunicamos com a palavra, o que ajuda a ficarmos mais conectados com o que sentimos, com a música, com o movimento, com o que surge a cada momento.” O contacto com o corpo e com os sentidos desperta e é potenciado. “A dança traz-me uma expressão que não é pensada. A biodanza lava a alma. É uma expressão autêntica que vem de dentro”, descreve Vasco Fretes.

Alegria, conexão, transcendência

Melhora a saúde, desenvolve a comunicação, estimula a criatividade, investe no autoconhecimento. Irene Franco, facilitadora há 12 anos e codiretora da Escola Biodanza do Algarve, fala em fonte de alegria, de prazer, de conexão com a vida, de transcendência. “É frequente, depois de uma aula de biodanza, experienciarmos mais leveza, alegria, harmonia, desejo de viver, maior vínculo connosco, com os outros e com a natureza, e também a transmutação de sentimentos dolorosos, maior clareza e uma mudança de perspetiva sobre uma situação que nos perturba”.

É muito mais do que uma dança de abraços e afetos. É um processo com efeitos terapêuticos, estruturado e com bases científicas. “Vários estudos desenvolvidos no campo das neurociências têm comprovado que a estimulação ambiental induz mudanças nas conexões estabelecidas pelos neurónios, podendo gerar novas sinapses. Quando nos expomos repetidas vezes a situações e ambientes estimulantes, nutridores, criativos, que nos alegram e revitalizam, vamos reforçando a nossa aptidão para a alegria”, realça Irene Franco. E a alegria motiva, entusiasma, estimula a capacidade criativa. “Em suma: quanto mais enfoque no que temos de melhor, nos nossos potenciais, mais saúde.”

A biodanza surgiu nos anos 60 do século passado no Chile. O educador de infância, antropólogo e médico chileno Rolando Toro (1924-2010) percebeu o poder dos gestos e da dança nas experiências que ia desenvolvendo num hospital psiquiátrico. Primeiro chamou-lhe psicodança, mas considerou que o termo era castrador para o que via acontecer diante dos seus olhos. Chamou-lhe biodanza, o prazer de dançar a vida, e explicou esse outro modo de perceção. “Um sistema de desenvolvimento humano, renovação orgânica, integração afetiva e reaprendizagem das funções originárias de vida”, especificou em 2002.

A biodanza chegou a Portugal há 20 anos e, neste momento, tem mais de 1 500 praticantes, mais de uma centena de facilitadores (que têm de frequentar um curso de três anos), mais de 50 grupos que dançam todas as semanas, e três escolas, em Lisboa, Porto e Faro. A quarta abre neste mês no Funchal. A biodanza está em escolas, faculdades, universidades seniores, hospitais, centros de saúde, clínicas. Está a crescer e a ganhar importância. Há uma semana realizou-se a 1.ª Convenção Portuguesa de Biodanza, na Zambujeira do Mar, organizada pela Associação Portuguesa de Facilitadores de Biodanza. “Reinventar a Vida” foi o mote desse encontro.

BENEFÍCIOS:

•Melhora a autoestima.

•Facilita a expressão de emoções e sentimentos.

•Estimula os neurónios e transmite uma sensação de bem-estar.

•Dissolve as tensões musculares e psicológicas crónicas.

•Integra o movimento corporal, trabalha o ritmo, a coordenação, a flexibilidade, a fluidez, a elasticidade, a harmonia dos movimentos.

•Regula e equilibra funções orgânicas internas.

•Potencia a saúde e a reparação do organismo.

•Aumenta a energia vital, a vontade de viver, a disponibilidade para a ação. Eleva o estado de ânimo.

•Promove a convivência e fortalece vínculos.