Bebés finlandeses recebidos com a mesma caixa há mais de 60 anos

Texto de Ana João Mamede

Heidi Lempiô, 38 anos, e Adnan Racaj, 36 anos, vão ser pais pela primeira vez. “Kela deseja-lhe felicidades e parabeniza toda a família”, lê a futura mãe, ao tirar um bilhete de uma caixa que recolheu no supermercado local. A caixa é colorida, feita de cartão e está repleta de produtos – este ano são 63 – para o primeiro bebé da família, que deverá nascer ainda neste mês de fevereiro.

Kela é uma agência finlandesa de segurança social administrada pelo governo. Todos os futuros pais da Finlândia recebem a mesma caixa do Estado. A iniciativa surgiu em 1938 e o objetivo era melhorar a saúde materna e infantil. Após a Primeira Guerra Mundial, o declínio populacional foi de tal forma que houve urgente necessidade de aumentar a taxa de natalidade.

No início da década de 1940, 80% da população vivia em aldeias pobres e agrárias. Os serviços de saúde eram escassos e muitas mulheres tinham os filhos em casa, na maioria das vezes sem as mínimas condições de higiene, o que levava a uma elevada taxa de mortalidade infantil e maternal. As primeiras caixas foram oferecidas às grávidas em 1949 com a promessa de visitarem um médico, uma parteira ou um hospital para um check-up. Na atualidade, o programa ainda incentiva as futuras mães a procurarem cuidados pré-natais.

A caixa tornou-se uma forma de ligação entre gerações e é até considerada parte da identidade nacional. “Os meus pais ainda têm a caixa deles”, conta Heidi Lempiô. “É onde guardam decorações de Natal”. Até Sauli Niinistö, o atual presidente da Finlândia, recebeu a caixa em 2018, quando foi pai. Gerações de finlandeses cresceram a usar as mesmas roupas que a caixa do bebé oferece. Muitos acreditam que espelha a abordagem igualitária do país e estabelece uma espécie de responsabilidade social partilhada.

“Toda a gente tem a mesma caixa. Seja rico ou pobre”, diz Heini Särkkä, que acabou de ser mãe. “A caixa tem tudo o que é preciso. Garante um bom começo de vida, especialmente para os pais mais desfavorecidos”, acrescenta.

Quando a iniciativa nasceu, as caixas incluíam um colchão, de forma a poderem ser usadas como berço, devido às dificuldades económicas vividas pelas famílias. Hoje, continuam a incluir, mas esse hábito está a extinguir-se. “O aumento da riqueza possibilita que muitos pais possam ter um quarto e um berço. A caixa é, portanto, um espaço secundário onde os bebés podem tirar uma soneca”, diz a socióloga Anna Rotkirch.

A evolução da sociedade levou a que o conteúdo da caixa sofresse alterações ao longo dos anos. As roupas, por exemplo, começaram a ser de tons neutros. Igualdade de género é a mensagem que, dessa forma, o governo pretende transmitir. E a verdade é que com grande sucesso, pois a iniciativa já foi adotada em cerca de 60 países, mas adaptada às condições e às necessidades locais.