Rui Cardoso Martins

Bêbedo, torcido e de mau gosto

Ilustração: João Vasco Correia

É um caso que só posso contar em segunda mão… mas em primeira mão. Ouvi a leitura da sentença feita pela juíza com uma voz enérgica, como se falasse para o réu. Mas como Paulo não estava na sala de audiências, restava-me imaginar a sua cara e a figura das suas vítimas.

Paulo, Marina e Rui. E o momento capital das suas vidas relatado pela juíza: violência doméstica, mais uma para o “número assustador deste tipo de crime na sociedade”. Mas cada agressor é um plagiador que, contraditoriamente, inventa qualquer coisa de original para a sua tortura. Paulo e Marina viveram em “comunhão de bens como se de marido e mulher se tratassem”, entre 2017 e meados de 2018. “Juntamente com eles vivia o filho da ofendida” Rui, nascido em Dezembro de 2007. A primeira surpresa: antes disso, o arguido vivia na rua dentro de uma viatura “na sequência da sua dependência do álcool”. Com a ajuda da ofendida, o arguido frequentou duas clínicas de reabilitação, tendo ficado oito meses sem consumir álcool. Um dia, em casa, Paulo disse a Marina:

– Não sabes nada, não sabes educar o teu filho, dás-lhe muita liberdade e confiança, não me deixas participar, deixa-lo falar como ele quer, é um mal-educado.

Agora o relato do descalabro, em primeira mão pela voz da juíza:

Em Abril de 2018, Paulo voltou a beber. A ofendida informou o arguido que tinha 15 dias para sair da residência, queria terminar a relação. Continuou a beber diariamente, dizendo à ofendida:

– Estás maluca, estás-te a drunfar.

Afirmou ao menor Rui que, com a separação, não ia voltar a ver os seus amigos e que o pai do menor iria procurar por ele. Disse que, se fosse ele, quando o pai aparecesse lhe espetava uma faca, já que até ali não tinha querido saber de si. Rui não conhece o seu pai.

Alcoolizado, afirmou a Marina e a Rui que ia sair de casa e que iria matar o pai deste. Por esses dias, disse à ex-companheira que se iria matar. No final do mês, ela mudou a fechadura da porta e ele saiu de casa. Desde então começou a telefonar diariamente e a enviar dezenas de mensagens (que colo umas às outras como a juíza leu e como fazem as lagartas venenosas do pinheiro):

– Se não atenderes vai haver mortos, vai morrer gente. És má, fizeste um drama, pára com isso. Não és amiga de ninguém. Se és mulher, atende. Mentiste. A festa ainda agora começou. Ou ligas ou vais ter as tuas consequências, parva. Tens tudo a ganhar, ou a perder. Ou falas hoje ou o filme continua. Liga, caralho, liga se faz favor. Vou à tua procura. Continuo a acreditar que ainda gostas de mim. Ou nunca gostaste, mas não vou desistir. Não é por não atenderes que vou deixar de lutar por ti. Estás-me a foder a vida. A culpa é tua. Por favor liga, eu vou a correr. Conseguiste matar o outro e vais-me matar a mim. Tu queres festa outra vez? Vai morrer gente? Tenho armas e granadas e não faço mal a ti, mas as pessoas que estão à tua volta vão sofrer.

A 30 de Abril de 2018, deslocou-se ao local de trabalho dela:

– Tenho uma arma, tenho granadas, hoje vai haver mortos, tu hoje não falas comigo. Ainda me vais ver nos jornais.

Paulo disse a um amigo de ambos.

– A Marina é maluca. Eu cheguei a casa bêbedo e deu-me sete dias para sair de casa, hoje deu-me cinco dias porque apareci bêbedo, ela tem de ser internada, preciso da tua ajuda para internar a Marina, não sei até que ponto no passado não tiveste um caso com a Marina e não sei se o Rui não é teu filho, pelo modo como o tratas. Eu só quero que ela perceba que a amo.

Quando ela tentou fugir para casa dos pais, correu atrás dela e da criança, por estar bêbedo desequilibrou-se e caiu das escadas, partindo o vidro da porta do prédio e ficando com um corte nas costas. Na sua maioria, os factos acabaram por ser admitidos pelo próprio, outros só admitiu que não se lembra, não sabe precisar, “pode ser”, ou seja, não os admite.

Paulo disse a Rui que ele ia deixar de estar com os amigos, que eram os filhos do arguido, porque se iam separar e que ele podia até matar o pai, ele que não sabia quem era o pai e o pai também nunca quis saber dele. É verdade que não são coisas bonitas de se dizer a um menor. Mas são expressões que não são elas por si um crime de injúrias ou ameaças, são apenas mau gosto.

E assim sentenciou a juíza: dois anos e seis meses de prisão, suspensos por três anos, acompanhado de programa de readaptação social e proibição total de contactos com a vítima.

Eu gostava de ter visto este homem. Agora passou e já não quero.

 

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)