Baralhar e voltar a dar: a história das cartas

Texto por Pedro Emanuel Santos

Os chineses inventaram-nas, os europeus adotaram-nas, o mundo inteiro joga-as nas suas 1001 variações. As cartas têm formas e formatos diferentes consoante as paragens e as tradições. E continuam a entreter gerações e gerações, imunes ao avanço do tempo e às novidades que constantemente inundam o mercado.

Por cá, o baralho mais comum, conhecido como baralho francês, é composto por 52 cartas, divididas por quatro naipes de 13 cada. Paus, Copas, Espadas e Ouros têm símbolos próprios, herdados precisamente da tradição francesa da Idade Média. Cada qual tem a sua explicação histórica. Os paus representam os camponeses, as copas simbolizam o clero, as espadas apontam aos militares e os ouros prestam homenagem aos comerciantes. Mais uma vez a inspiração veio de França e acabou por ser adotada em diversos regiões, nomeadamente na Península Ibérica e em Itália. E ainda há o joker, a que pouco ou nada se dá importância e cujo relevo no contexto dos inúmeros jogos é praticamente nulo, espécie de carta enfeite.

As imagens utilizadas – Rei, Rainha e Valete (este representado pela letra “J” de Jack, valete na língua inglesa) – são como que um tributo às figuras altas da monarquia. E há o Ás, a carta máxima assim designada como referência a um termo antigo francês referente a uma moeda valiosa do tempo dos romanos. James VI, rei britânico do século XVI obrigou a que o seu selo real fosse estampado em todas os ases, como para demonstrar o poder máximo da Coroa, obrigação que se manteve em vigor até aos anos 60 do século XX.

Marco Tempest, ilusionista suíço de renome que tem nos truques com cartas a base do seu trabalho, estudou as origens e concluiu que o facto de cada baralho ter 52 cartas não é número do acaso e representa as semanas do ano – exatamente 52. E que os naipes são quatro porque quatro são também as estações do ano. Tempest defende, também, que a combinação de pontos de cada baralho pode chegar aos 365, exatamente o número de dias em anos que não sejam bissextos.

A tradição em Portugal é antiga e durante séculos ficou marcada pela predominante Real Fábrica de Cartas de Jogar, fundada pelo Marquês de Pombal em 1769 e responsável pelo fabrico dos baralhos por cá utilizados. O sucesso de vendas foi tal que as receitas eram aplicadas pela Casa Real na impressão de livros e de outros documentos históricos e noutro tipo de atividades culturais. Recentemente, a Imprensa Nacional Casa da Moeda comprou a colecionadores particulares alguns dos poucos exemplares que restaram de então.

Antes disso, os navegadores portugueses levavam com eles baralhos de cartas nas caravelas e naus das descobertas, tendo espalhado tal prazer em locais tão distantes como o Japão, onde ainda hoje existe o Karuta, inspirado na combinação de vários jogos portugueses e bastante popular.

Trunfos e ases

Jogar até doerem os dedos
Há quem leve os jogos de cartas muito a sério. Sabia que existe a Federação Portuguesa de Sueca e Dominó? Fundada em 2015, conta com clubes de todo o país, regulamento para levar a letra de regra e um conjunto de prémios para os jogadores nacionais que mais se destacam, até a nível internacional. Também registada está a Federação Portuguesa de Bridge, jogo de estratégia que remonta ao século XVI. Tem sede em Carnaxide (Oeiras) e é presidida por Inocêncio Pavese Araújo.

Um burro com fama
Os fabricantes de baralhos têm também tradição por cá. Um dos mais antigos é a Litografia Maia, em São Mamede de Infesta (Matosinhos), em atividade desde 1926 e sempre com padrões personalizados. Foi essa empresa que, ao introduzir um burro no lugar do usual (e quase inútil) joker, fez com que se popularizasse em Portugal o famoso jogo que leva o nome do animal.