Rui Cardoso Martins

Atracção Fatal, última temporada

Ilustração: João Vasco Correia

Várias capitais, Rio de Janeiro, Nova Iorque, Madrid, Lisboa! Um remoinho de emoções, aviões, perseguições, agressões, reconciliações, vilões. Uma grande história de amor!
Só que não, só que não… Nem pouco mais ou menos. Como disse no fim a advogada do banqueiro M., com toda a gente esgotada da sordidez, da prolongada tristeza do caso:

— Pode haver algo de novelesco. Mas isso acaba logo que se lêem as ameaças. Os e-mails são de uma agressividade e de um grau de ofensa extremos. Lembra até um pouco aquele filme, “Atracção Fatal”. Não sabemos até onde isto podia ir.

O banqueiro M., no seu fato de seda, num corpo de ginásio às sete da manhã, alto, já grisalho, falou no tribunal. Nas costas, a mulher que foi a sua sombra na última década . De cara escondida nos oxigenados do cabelo, ela olhava para baixo para não o ver. Quando foi para o Rio de Janeiro, em 2008, o banqueiro M., português, conheceu a gestora G., brasileira, e mantiveram “uma relação amorosa, sem coabitação”. M. era casado, tinha filhos, e em Maio de 2009 “o ofendido terminou a relação com a arguida, situação que esta não aceitou”.

M. exagerava no número:

— Centenas de milhares de mensagens, um milhão de vezes de todas as formas possíveis e imaginárias!
Mas a história dá-lhe razão. Ela não aceitou. Quando se mudou do Rio de Janeiro para Madrid, G. apareceu-lhe cinco vezes, armando escândalo público na sede da empresa. Em Nova Iorque, onde viveu 18 meses,

G. surgiu de novo à porta. Voltou a Madrid e ela não desistiu. Toda a gente do seu mundo extenso – a mulher, os pais, os cunhados, os primos, os chefes, os empregados, os conhecidos – toda a gente sabia que onde M. fosse, viria atrás uma mulher aos gritos e com ela o escândalo, a chacota e o sofrimento.

Voltou para Portugal há dois anos.

A ex-amante mudou-se para cá. Ele fez queixa à polícia.

— Sentia-me preocupado.

— Por si? Por alguém?

— Não necessariamente por mim. Mas por haver outras pessoas. Tenho mulher e três crianças pequenas.
A mulher entrou. Concentrada, magra, camisa branca, ténis, adereços simples e caríssimos. O que sabia ela? Tudo. (A outra chamava-lhe “escrota” e “miserável sem dignidade”.)

— Durante longos períodos de tempo, várias vezes por dia. E-mails muito ofensivos. É difícil fingir que isto não aconteceu. Provoca um estado de preocupação, uma total impotência. Não podemos fazer nada, o que é que podemos fazer?

O seu marido sentia vergonha? Ele pediu desculpas?

— A mim própria, claro, à minha irmã… Não há explicação…

— Sente que ainda há pessoas que o gozam?

— Acho que isto deixou de estar na mira… Isto não é propriamente uma novela, é a vida real.

— Sente medo?

— Mais pelos nossos filhos. Não sei o que é que esta senhora pode fazer. Se não pode ir à escola e inventar coisas e…

— Como homem e mulher, como casal, afectou-os?

— Afectou, claro. Esta senhora perseguiu-nos por todos os lugares onde fomos. Mas acho que até serviu para o contrário, para nos aproximarmos mais.
No último dia, G. teve uma última palavra. Que nunca usara gritos e já pensava vir para Portugal há muito.

— Peço desculpa, é isso, vocês podiam estar a usar o tempo com outro assunto. Também… quero pedir desculpas a mim própria, para pôr um ponto final, por ter perdido tantos anos por uma pessoa pela qual agora eu sinto total desprezo.

O tribunal condenou G. por “violência doméstica” e proibiu-a de contactar M. por qualquer meio. Escolho três mensagens entre os “milhões” (tanto erro de português, tanta maiúscula, o ódio): “Eu me fodo MAS ACABO COM SUA VIDA!!!! TENHA HONRA E PAKAVRA SEU FILHO DA PUTA DESGRAÇADO DE MERDA!!! EU ARROMBO SEU RABO ESTÁ ENTENDO???? EU É QUE VOU DETERMINAR SE TE QUERO OU NÃO!!! AGORA QUEM MANDA AQUI SOU EU!!!!!!” “VOU PRESA MAS MATO E PRIMEIRO ACABO COM SUA VIDA.”

Depois falava em carinho e confiança: “Bebê, em que posso melhorar para ter vc de volta?”.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)