Atenção: a incontinência fecal não é uma diarreia

Texto de Sara Dias Oliveira

Os intestinos não são os responsáveis máximos por este problema de saúde. A incapacidade de controlar a emissão de gases ou fezes é o principal sintoma de uma incontinência fecal, patologia mais relacionada com a fraqueza dos músculos à volta do ânus e pavimento pélvico, do que propriamente com uma doença do intestino. Ou seja, sempre que exista uma lesão num dos músculos que rodeiam o ânus – seja durante um parto, seja durante uma cirurgia, seja por causa de hemorroides – este problema pode manifestar-se. Regra geral, os doentes nem sequer conseguem chegar à casa de banho.

Incontinência fecal é uma coisa, diarreia é outra. “A diarreia consiste na presença de fezes líquidas. Acontece que, muitas vezes, devido à vergonha associada à incontinência fecal, o doente queixa-se inicialmente ao médico de diarreia, quando na verdade o que lhe acontece é que não consegue controlar a sua emissão de fezes. A incontinência fecal não acontece apenas com fezes líquidas (diarreia), ela pode acontecer também com fezes moles ou mesmo fezes de consistência normal”, explica à NM a cirurgiã Ana Povo, assistente hospitalar de cirurgia geral do Centro Hospitalar e Universitário do Porto, professora auxiliar convidada do ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto.

Este tipo de incontinência é mais comum nas mulheres do que nos homens. Não só por causa da anatomia do pavimento pélvico da mulher, mas também porque pode ocorrer uma lesão dos músculos e nervos dessa parte do corpo feminino durante um parto. No homem, essa incontinência surge, na maioria das vezes, depois de uma cirurgia ao ânus, em que houve lesão dos esfíncteres.

Pode acontecer, mas há maneira de evitar. “A melhor forma de prevenir, nomeadamente na mulher, é a realização de exercícios de fortalecimento dos músculos do pavimento pélvico. A alimentação não tem qualquer relação com a ocorrência de incontinência fecal. Contudo, os doentes com essa patologia devem realizar uma dieta obstipante, para diminuir o número de acidentes”, refere a especialista.

Alterações na dieta, com alimentos que causem obstipação, e o uso de um tampão anal, são algumas das terapêuticas.

A incontinência fecal afeta cerca de 2% da população mundial. Tem um impacto significativo na qualidade de vida de quem sofre da doença e obriga a cuidados de saúde, sobretudo quando é moderada ou grave. De qualquer forma, com os tratamentos que existem é possível ter uma vida praticamente normal. O importante é procurar o médico logo que os sintomas se manifestem.

O tratamento da incontinência fecal depende da gravidade e da causa. Quando está relacionada com lesões dos músculos do ânus, principalmente as que surgem após o parto, o tratamento deve sempre passar pela reconstrução do defeito desse músculo. “Noutras situações, o tratamento começa sempre por alterações no estilo de vida, que vão desde a alteração da dieta introduzindo alimentos que causem obstipação, até ao uso de um tampão do ânus”, adianta Ana Povo.

A prevalência aumenta com a idade e atinge cerca de 11% dos homens e 26% das mulheres com mais de 50 anos.

Há poucos medicamentos para a incontinência fecal, o mais comum é usar a loperamida, frequentemente recomendada para a diarreia. “Quando esse tratamento inicial falha, a opção a seguir é a realização de biofeedback, que é um tratamento de fisiatria dirigido à reabilitação do pavimento pélvico.” Se, mesmo assim, tudo falha, passa-se então para a estimulação dos nervos responsáveis pela inervação dos músculos e dos órgãos que controlam a continência.

Há várias maneiras de o fazer. Ana Povo revela o que a medicina tem à disposição neste momento. “Uma das formas de estimular estes nervos é através da estimulação nervosa sagrada. Esta técnica é muito simples de realizar, sendo uma cirurgia minimamente invasiva, realizada com anestesia local e em regime de ambulatório. A estimulação sagrada ou neuromodulação sagrada consiste na introdução de um elétrodo, semelhante a um fio elétrico, através da pele na região das costas.” Esse elétrodo é ligado a um neuroestimulador, numa primeira fase externo, parecido com um telemóvel, e só posteriormente é conectado a um interno, semelhante a um pacemaker, que fica debaixo da pele, na região da nádega.

“É colocado o neuroestimulador externo se houver diminuição do número de episódios de incontinência fecal, durante a fase de teste. Com este neuroestimulador, o doente tem uma vida normal, uma fez que não sente a estimulações realizada continuamente nos nervos. O neuroestimulador tem que ser mudado a cada cinco, oito anos. Com o uso deste tratamento consegue-se não só diminuir o número de episódios de incontinência fecal, como também melhorar a qualidade de vida do doente”, sublinha a cirurgiã.