Na adolescência, queria ser arquiteta. Quando acabou o liceu, gostava de artes, animação, design gráfico, e ainda não sabia que ilustrar era uma profissão à séria. Estudou cinema, vídeo e comunicação multimédia. Desistiu a meio do primeiro ano do curso. Entrou em Design de Ambientes da Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha.
Interessava-lhe a cenografia. Ficou cinco anos na cidade que borbulhava arte por todos os lados. Começou a desenhar, a ilustrar, a pintar na rua, a grafitar com latas de spray, a assinar com o nome Kruella. Escondia a timidez num alter ego inspirado em Cruella de Vil do filme “101 Dálmatas”. “Sempre gostei de vilões”, confessa.
Experimentou diversas abordagens artísticas, partilhou ideias e espaço de trabalho, focou-se na ilustração. “Ilustrar foi uma decisão de fazer isto por mim. Fui aprendendo e gostando cada vez mais do que fazia. Foi um risco, não sabia se ia vingar ou não”, conta. Mudou-se para Lisboa, participou em exposições e festivais nacionais e internacionais – o primeiro em Banguecoque, na Tailândia. O seu trabalho chegou a vários países: França, Espanha, Suíça, Estados Unidos, Bélgica, Argentina, Reino Unido, Brasil. Kruella d’Enfer, 30 anos, ilustradora e muralista, tornou-se num dos principais nomes da arte urbana do nosso país.
Obras de grande escala, obras em tela, quadros pintados à mão, ilustrações comerciais para marcas de móveis ou de facas francesas, entre outras solicitações. Trabalhos em diferentes suportes. “Lidar com clientes diferentes é uma coisa que sempre gostei de fazer.” As origens estiveram sempre na sua obra. Lobos misteriosos, raposas mágicas, tigres que enfeitiçam, veados místicos, criaturas fantásticas de peripécias que escutava em criança.
“Sou de uma aldeia muito pequena e habituei-me a ouvir histórias, contos populares, contos de fadas”, recorda. Em Saldonas, Tondela, o imaginário fantástico que passava de boca em boca ficou-lhe na memória. E nunca mais saiu. Na escola primária, a sua turma tinha cinco alunos. Cresceu, juntou-lhe os interesses de adulta, influências artísticas que absorveu pelo caminho, formas geométricas, um certo ar surrealista. “Sempre me atraiu a vertente surrealista pela estética, pela possibilidade de criar coisas novas”, revela. E há ainda as cores, uma paleta cromática constante, uma imagem de marca. “Há cores que me acompanham. Um leque cromático a que não consigo fugir.” Turquesa, salmão, azul-escuro, amarelo-claro.
Saiu da aldeia, vive na capital, viaja por vários sítios para dar vida a lendas e mitos, compor histórias fantásticas. Construiu o seu universo visual encantado e sente-se uma sortuda. “Sinto-me privilegiada por ter apanhado a fase inicial deste movimento e de ter crescido com a street art em Portugal. Tem sido uma área com bastante crescimento não só para embelezar cidades, mas também uma oportunidade de fazer trabalhos em escalas maiores.” Por vezes, mergulha na infância e recupera memórias ou navega em mundos ocultos para projetar o futuro com símbolos enigmáticos. E é feliz.