Ana Gomes: entre o amor e o ódio

Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens

Texto de Alexandra Tavares Teles

Na Etiópia chamam-lhe anna gobese, ana coragem, reconhecimento pelo trabalho a favor dos direitos humanos, em território difícil. Também em Timor-Leste, nunca será esquecida. “Ela e a sua coragem, na defesa dos timorenses durante os anos de luta”, lembra à “Notícias Magazine” José Ramos-Horta.

Coragem é a palavra sobretudo invocada por quem convive com a deputada socialista Ana Gomes no Parlamento Europeu (PE), onde entrou pela primeira vez já lá vão 15 anos. Nuno Melo, do CDS-PP, acrescenta-lhe “genuinidade e voluntarismo”. Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, soma “trabalho e persistência”.

Paulo Rangel, do PSD, “o espírito de isenção”. Matias lembra “alguém com quem dá gosto trabalhar”. Rangel confessa “a admiração” e reconhece “duas Anas”. A pública, “mais impetuosa, por vezes exagerada”. E a outra, “mais temperada, capaz de ouvir os outros para formar uma opinião, apesar de ser muito convicta”.

Alguém capaz de dividir uma sala, um partido, um país. “Uma senhora muito excitada, pior do que um rottweiler à solta”, nas palavras atribuídas a Jorge Roza de Oliveira, assessor diplomático de José Sócrates, em 2010, a propósito da polémica sobre os voos da CIA, versus a mais reconhecida lutadora portuguesa no PE, conforme recente sondagem aos portugueses afirma.

José Lamego, que com ela lidou na Faculdade de Direito de Lisboa, eram os dois jovens, afirma: “É uma pessoa inqualificável e totalmente destituída de escrúpulos sobre a qual recuso a dizer mais do que isso”. Voltemos, porém, a Díli e a Ramos Horta: “Ana é uma mulher generosa, honesta, íntegra”.

Nuno Melo, que discorda dela mais não seja pelas suspeitas levantadas sobre Paulo Portas, no caso dos submarinos, toca na vertente “desproporcionada que a leva a tirar conclusões antes de ser possível fazer um julgamento”. A própria reconhece, “de entre os muitos”, esse defeito.

Tenta corrigir-se, apesar de continuar “muito impulsiva, por vezes precipitada, guiada pela intuição”. Como se conjuga tal natureza com a diplomacia, em que ingressou corria 1980? “A diplomacia tem de ser ponderada, mas não tem se ser desenxabida”, responde.

A ex-embaixadora de Portugal na Indonésia é “da raça de trabalhar”. Muito, mais de 12 horas por dia. O PE tirou-lhe a vida cultural e a vida familiar – marido, filha, enteados, netos. Entra cedo, ali toma diariamente o pequeno-almoço. Croissant com sumo de laranja e café, comida pouco saudável.

Pior: não tem tempo para ginásio nem para nadar, prática infantil no Sport Algés e Dafundo, de que foi sócia. Foi sócia, também – “imagine” -, do Sport Lisboa e Benfica, clube onde praticou ginástica e patinagem. Sorri. Sabia o risco que corria quando referiu “o passado de delinquente” de Luís Filipe Vieira? “Mas é claro que sabia”. Nunca entrou num estádio para ver um jogo, obriga-se a ver a seleção nacional.

Lisboeta, nasceu na maternidade Alfredo da Costa, numa família da classe média com gosto pela cultura. O pai era comandante da marinha mercante, a mãe doméstica. Quis seguir direito por cauda da série Perry Mason.

Os direitos humanos, a justiça fiscal, as questões da segurança são causas da vida pelas quais recebe ameaças. Sabe lidar com o medo. Não aprecia unanimismos. “Estou na política para desagradar e combater.” Ódio de estimação de José Sócrates, encontra no PS “um espaço de liberdade”. Agora, que vai abandonar o PE, quer exercer a cidadania na sociedade civil. E escrever sobre os anos da independência timorense, o livro adiado.