
Texto de Sara Dias Oliveira
Nas composições da escola primária, escrevia que queria ser médica e nunca quis ser outra coisa. Era miúda e era a bombeira de serviço, sempre pronta a tratar as feridas dos primos e amigos. Quando tentou entrar em Medicina, empatou com o último aluno, a idade serviu para desempatar, era mais nova, não conseguiu o lugar. Seguiu enfermagem e deu o nome para o Exército para tentar o curso que queria. Não desistiu.
Andou na tropa, foi sargento socorrista em Santa Margarida, tem o curso de chefe de viaturas blindadas. Em 1998, entrou em Medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa na percentagem destinada aos militares. Optou por Oncologia e pelo cancro da cabeça e pescoço. Fez o internato no IPO do Porto, participou em ensaios clínicos internacionais, estagiou em Antuérpia, Bélgica, e num hospital em Nova Iorque, Estados Unidos. “Gosto da relação de cuidar, de poder tratar.”
Ana Castro, 42 anos, natural de Lisboa, é presidente do Grupo de Estudos de Cancro da Cabeça e Pescoço, está na direção do grupo de cabeça e pescoço da Organização Europeia de Pesquisa e Tratamento do Cancro, esteve na génese das primeiras campanhas e rastreios na Europa, está a organizar o primeiro congresso europeu, que terá lugar em Lisboa, em 2022. “Já fizemos um bom caminho e temos ainda muito para fazer na área da sensibilização para esta doença, da formação dos profissionais de saúde, para que possamos detetar mais cedo e curar mais pessoas”, sublinha.
Há uma semana, estava em Atenas, Grécia, a apresentar um ensaio clínico, o primeiro de uma médica portuguesa a ser proposto e aprovado na área da cabeça e pescoço. Há um mês, era a única portuguesa em Hong Kong, China, em representação do nosso país, no terceiro encontro internacional de Oncologia da Cabeça e Pescoço.
Há três anos, foi a primeira portuguesa, com menos de 40 anos, a moderar uma mesa sobre a sua especialidade num congresso norte-americano, em Chicago, e foi a primeira presidente do Health Parliament Portugal, liderando 60 deputados, com menos de 40 anos, num trabalho que resultou em 58 recomendações. É diretora clínica da Lenitudes – Medical Center & Research, em Santa Maria da Feira. Coordena equipas multidisciplinares preparadas para que o doente faça todos os exames no mesmo sítio, no mesmo dia.
É voluntária da Ordem de Malta, dá apoio a sem-abrigo e peregrinos. Faz um pouco de tudo, vê medicações, corta unhas, faz massagens, trata bolhas, cozinha para os voluntários. Conversa e dá abraços. No Natal, faz 300 rabanadas para a ceia com os sem-abrigo. Neste momento, está a tentar arrancar com um projeto de voluntariado, um local onde os pais que trabalham ao fim de semana possam deixar os seus filhos. “Irá chamar-se Casa da Avó Ilda, que era a minha, e foi com ela que aprendi a dar o que temos aos outros, e quero transmitir isso a essas crianças que nos confiarem.”
Não é apenas o tratar a doença que a move, a reabilitação social preenche-lhe os dias. “Quem se senta à minha frente precisa de mim na minha melhor capacidade. Eu sou só uma médica muito feliz por poder ajudá-los.” De corpo inteiro.