Texto de Pedro Emanuel Santos
“Um estado feudal dominado por um bando de ladrões que suga o sangue do país.” Alexei Navalny, 43 anos, não é brando nas palavras quando classifica Vladimir Putin e o momento atual da Rússia. Considerado o principal rosto da oposição russa, a 24 de julho foi preso mais uma vez e, desta feita, alvo de alegado envenenamento.
“Foi transportado para o hospital com efeitos nocivos resultantes de substâncias químicas”, revelaram médicos próximos de Alexei. Uma simples reação alérgica, alegaram as autoridades oficiais.
Antes, quando fora algemado, Alexei saía de casa para uma caminhada. Reagiu com sentido de humor: “As pessoas têm razão quando dizem que o desporto nem sempre é bom para a saúde”.
Nem as inúmeras anteriores detenções sob os mais diversos argumentos, de desvio de fundos a perturbação da ordem pública, o demoveram. Chegou a ser condenado a dez e a três anos e meio de cárcere, penas entretanto suspensas.
Nascido na pequena aldeia de Butyn, a 100 quilómetros de Moscovo, filho de um casal que aproveitou a queda da URSS e a abertura da Rússia à iniciativa privada para lançar uma fábrica de tecelagem, Alexei Navalny passava os verões da infância e adolescência em casa dos avós, na Ucrânia. Completou o curso de Direito e avançou para uma segunda licenciatura, em Finanças, ambas em prestigiadas universidades na capital russa. Em 2010, realizou uma terceira formação, dessa vez em Yale, nos Estados Unidos, a World Fellows, destinada apenas a líderes emergentes a quem são atribuídos convites personalizados.
O interesse pela política começou na faculdade. Aderiu ao Yabloko, de Grigory Yavlinsky, que advoga uma economia liberal e defende a aproximação de Moscovo à União Europeia. Em 2013, lançou o Partido do Progresso, plataforma que lhe ofereceu (ainda) mais voz para denunciar os podres do regime e chamar mais gente à causa.
Para ter conhecimento direto dos temas a que dá voz, tornou-se acionista minoritário de várias empresas, tendo dessa forma acesso a documentação interna privilegiada. Apoiantes lançaram a Fundação Anti-Corrupção, que lhe financia as investigações.
No ano passado criou o Rússia do Futuro, mas as autoridades de Moscovo têm adiado o registo do partido junto do Ministério da Justiça. Também em 2018 foi proibido de concorrer às presidenciais. A um mês do escrutínio, que deu esperada vitória esmagadora a Putin (76,6%, com várias queixas de fraude eleitoral à mistura), foi levado por sete agentes policiais quando se preparava para ir ao dentista. “Não estou pronto para recuar nos meus pontos de vista, nada há a temer. Eles é que têm a temer”, disse após ser libertado.
A internet tem sido palco privilegiado para espalhar mensagem e apelar aos protestos populares contra o regime, cada vez mais habituais, sobretudo em Moscovo. Começou por lançar o site Ros.Pil, em 2010, onde documenta casos de corrupção. Mais tarde, passou a ser assíduo no Twitter, com dois milhões de fiéis seguidores. Apesar das palavras temerárias, Alexei Navalny tem noção de que a sua cabeça se encontra a prémio. “Estou na zona mais negra da lista negra”, admite. Nem isso o faz calar. Sequer o veneno.