
Samuel Gutbub tem 25 anos, recupera casas e passeia ovelhas numa aldeia de xisto na serra da Lousã. É um dos seis habitantes do Candal e não quer sair. Inês Franco tem 16 anos e gosta da calma de Constância. Depois do liceu, quer estudar na cidade. Franclim Sousa tem 35 anos e abriu uma barbearia em Vila Nova da Barquinha, concelho do interior que tem ganho população nos últimos quatro anos. Anda atento à remodelação do casario. Como se vive nos territórios de baixa densidade que têm perdido menos gente? Eles contam como é.
É sexta-feira, final de semana, tempo húmido, chuva miudinha, passa pouco das cinco da tarde, parece noite. Samuel Gutbub já levou o rebanho de ovelhas a pastar e ajuda o pai na recuperação de uma casa numa aldeia de xisto no alto da serra da Lousã, um dos concelhos do interior que mais tem estancado a perda de população. Na encosta do Candal, vivem seis pessoas. Samuel é um deles. “Não me adapto na cidade, gosto do meu sossego”, confessa.
Mangas arregaçadas, botas nos pés para qualquer chão, é um jovem dos sete ofícios. Recupera casas de xisto de uma professora reformada para alugar a turistas, transforma restos de madeira em peças decorativas. Uma velha masseira é o encaixe de um exaustor, uma antiga salgadeira é uma ilha numa cozinha, um pipo é o depósito de um esquentador, um pedaço de madeira é uma fruteira moderna, um ramo de árvore é um candeeiro, um tronco oco será uma prateleira para televisão e livros.
Projetos não lhe faltam. Quer criar um compostor comunitário na aldeia e abrir o seu pomar a crianças para que percebam como a natureza cresce. Tem 25 anos, estudou Saúde Ambiental em Coimbra, no verão ia trabalhar para a Suíça na limpeza de terrenos e pastagem de gado para pagar os estudos. Joga râguebi na equipa da Lousã, treina três vezes por semana, tem jogos ao fim de semana pelo país. Da serra à vila são dez a vinte minutos, depende do clima e da pressa.
“O país está estável, em termos financeiros, mas está a evoluir pouco.” As elites que comandam o país esforçam-se pouco para entender a riqueza do interior, comenta. “Só apostam no turismo, a floresta e a natureza são importantes, e tem de haver um equilíbrio para um desenvolvimento sustentável.” É isso que lhe interessa e o que quer fazer: turismo sustentável. “A indústria e o turismo têm influência para manter alguma população e chamar alguma gente.”
Mas o interior tem mais fibra, tem natureza para cuidar. “Por que não limpar a floresta e prevenir incêndios?” Há tanto para fazer e as gentes que moram nas aldeias de xisto andam desassossegadas com os javalis e veados que sobem a serra e calcam tudo. Samuel nasceu numa aldeia ali perto, Catarredor, onde moram alguns alemães que há cerca de 20 anos procuraram um outro estilo de vida. Filho de mãe alemã e pai belga, fala quatro línguas, é rapaz da aldeia. E dali não quer sair. “Não é uma questão de querer ou não querer ficar. Eu gosto de viver aqui.”
Talasnal é outra aldeia de xisto da serra da Lousã. São 12 quilómetros sempre a subir desde a vila, muitas curvas e contracurvas pelo caminho. Joaquim Lourenço, 47 anos, tem seis casas de xisto para alojamento e uma taberna que serve de cenário ao anúncio publicitário de Natal da McDonald’s. Parece uma aldeia de contos de fadas. Joaquim, homem ligado à serra da Lousã, batizou-a de “montanhas de amor”.
Criou um miradouro na estrada com a mais bela vista para o Talasnal, fez um mapa dos percursos pedestres da serra, serve refeições na taberna como a chanfana cozinhada cinco horas em fogão de lenha, vende artesanato, recupera casas de xisto. Acredita nas potencialidades e no encanto desse lugar recôndito. “Isto é serviço público, estamos abertos todos os dias”, diz. O negócio vai correndo. Há dias, no verão, em que estão estacionados mais de 50 carros à entrada da aldeia, os fins de semana são de muito trabalho, o final do ano é a época alta.
“Só apostam no turismo, a floresta e a natureza são importantes, e tem de haver um equilíbrio para um desenvolvimento sustentável”
Samuel Gutbub
Pastor
“As freguesias da periferia estão desertas, as pessoas mudaram-se para o centro que cresceu muito na vertical, com oferta a nível da habitação”, adianta. Lá em baixo, na vila, a indústria já não é o que era, mas mantém algumas referências. O empresário fala numa balança que tem dificuldades em se equilibrar. “O que deve ser feito no interior? Atrair pessoas e que tenha as mesmas condições do litoral, a nível de investimento, atratividade, acessibilidades.”
Lousã, centro do país, beira litoral, vila do distrito de Coimbra, quatro freguesias, 138,4 quilómetros quadrados. É um dos concelhos do interior que tem perdido menos população. Em 2008 tinha 17 306 habitantes, dez anos depois 17 128. Na Loja de Turismo da Lousã garantem que a procura tem crescido nos últimos cinco anos. Em julho passaram por ali turistas de vários países, Áustria, Brasil, Turquia, Ucrânia, França, Reino Unido, entre outros. Tem hotel, duas pensões, sete aldeias de xisto, várias casas de turismo rural. O hospital mais perto fica em Coimbra, a 30 minutos de carro.
Luís Antunes, presidente da Câmara da Lousã e membro do Conselho Diretivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), eleito pelo PS, não se coíbe em valorizar o papel da autarquia em reter e captar novos habitantes. Boas acessibilidades, uma realidade empresarial estável, uma rede social coesa, oferta cultural e desportiva, educação, parcerias públicas e privadas. O ambiente natural da serra. Contributos substanciais para estancar a perda de população.
No entanto, as assimetrias existem. O autarca refere que dos 104 milhões de euros disponibilizados pelo Estado para a redução do tarifário de transportes, apenas 15,6 milhões, ou seja, 15,3%, foram encaminhados para as 21 comunidades intermunicipais do país. No último congresso da ANMP, no mês passado, Luís Antunes chamou a atenção para a criação de programas específicos para os territórios de baixa densidade, mecanismos que potenciem a atração de investimento e combatam o despovoamento. “Não podemos estar em concorrência com outros territórios, com outras características. É preciso tratar de forma diferente o que é diferente”, defende. Ainda assim, admite que há mudanças. “Os territórios de baixa densidade têm estado mais presentes no discurso do poder central, reconhecemos que há medidas concretas.” Mas serão suficientes?
“O que deve ser feito no interior? Atrair pessoas e que tenha as mesmas condições do litoral, a nível de investimento, atratividade, acessibilidades”
Joaquim Lourenço
Empresário
A criação de um ministério dedicado à Coesão Territorial pode ser um sinal. Ana Abrunhosa é a ministra responsável pela pasta e sabe do que fala quando fala do interior. Tem raízes na Beira Alta. Não revela estratégias específicas, porque o Orçamento do Estado de 2020 só será votado na generalidade no início do próximo ano, mas não tem dúvidas de que se vive melhor no interior. Com mais qualidade de vida, com incentivos na habitação, com apoio às famílias, descida de impostos. A ministra quer multiplicar os bons exemplos, mostrar que onde antes se viam adversidades, agora se podem ver oportunidades e potencialidades. “Um dos objetivos deste mandato é mudar a perceção que existe do interior. É uma perceção negativa e errada e as potencialidades e as oportunidades que o interior tem são passadas para segundo plano”, refere à NM.
Não se pode baixar os braços e desistir. Até porque o litoral está congestionado e o interior é terreno fértil para investir. Há mais por onde construir, mais vagas para o Ensino Superior, lugares para médicos, serviços de proximidade, menos rotação de trabalhadores nas empresas. “Há dinâmicas interessantes no interior e que ajudam a criar estratégias que podem ser multiplicadas”, sem esquecer as características de cada território. “É possível criar empresas, na área social, cultural, no terceiro setor”, acrescenta a ministra.
Barquinha, um oásis no centro do país
O interior não é desenhado a regra e esquadro. Não há uma linha que divide o país a meio e que separa o litoral do interior. Odemira e Santiago do Cacém, no litoral alentejano, são, por exemplo, concelhos do interior. Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, no Algarve, também são interior. Estes territórios são classificados segundo critérios específicos: a densidade populacional, a demografia, o povoamento, as características físicas do território, a socioeconomia e as acessibilidades. São 165 concelhos e 73 freguesias.
Nesta mancha, há municípios que se distinguem. Vila Nova da Barquinha é o único concelho do interior que ganhou população em 2018 face a 2008. Mais sete habitantes, 7 402 residentes no ano passado. Tem sido sempre a subir nos últimos quatro anos: mais 28 habitantes de 2015 para 2016, mais 67 de 2016 para 2017, mais 21 de 2017 para 2018.
O que se passa aqui? Durante os dias da semana, quase ninguém, muitos trabalham fora da vila, não há trânsito, os nove hectares do parque de escultura contemporânea, com obras de Alberto Carneiro, Pedro Cabrita Reis, José Pedro Croft, Rui Chafes, Joana Vasconcelos, um lago com patos, uma imensidão de verde que termina onde o Tejo passa, estão desertos. Ao almoço, o restaurante da esquina na Praça da República está bem composto. Na Loja do Cidadão, pelas duas e meia da tarde, apenas 12 senhas tiradas para o balcão mais movimentado. Em frente, recupera-se um edifício para um ninho de empresas.
“Há dias de olhar para o teto e há dias em que não tenho mãos a medir. Vai dando para a sopa”
Franclim Sousa
Barbeiro
Franclim Sousa, 35 anos, é o único barbeiro na vila. Transmontano de nascimento, de Vila Pouca de Aguiar, aos 19 anos deixou a terra, instalou-se no centro do país. Mora no Entroncamento, em cinco minutos está na Barquinha, de terça a sábado corta barbas e cabelos. “Há dias de olhar para o teto e há dias em que não tenho mãos a medir. É conforme as trovoadas, tanto aparecem dez ou quinze como um ou dois. Vai dando para a sopa.” Estudou bem o negócio, o último barbeiro da Barquinha fechou há dez anos, há ano e meio decidiu mudar-se de pentes e navalhas. Não tem razões de queixa.
O dia está calmo, a única marcação é às quatro da tarde, a véspera tinha sido mais agitada. Mais empregos é o que faz falta, na sua opinião. “É uma vila calma, não há stresse na rua, não se vê ninguém na estrada.” No verão, há concertos de jazz no parque e é “uma carrada de gente, no inverno é mais parada”. “Não é quente, nem é fria, é um bom sítio para se viver e chega-se rápido a todo o lado”, diz Franclim, que confessa que mudar-se do Entroncamento para a Barquinha não está fora dos seus planos. Em julho, passou os olhos pelas obras de remodelação no casario da vila ribatejana e contou 19 edifícios em reconstrução. “Mal começa a obra e já está tudo vendido. Na semana passada, esteve aqui um casal de Setúbal, com um filho, que se mudou para cá, na outra semana mais dois casais vieram para cá viver. A população da Barquinha subiu, quase de certeza, nos últimos três meses.”
Vitória Pereira, 67 anos, já não conhece toda a gente quando anda nas ruas da Barquinha, há gente que não é dali. E porquê? “Sei lá, se calhar é por causa da calma”, responde. Há negócios que fecharam, mercearias, padarias, um talho, uma salsicharia. A estação de comboios é agora um apeadeiro, já não há chefe da estação nem bilheteiras abertas. Vitória vê pouco investimento no interior do país e discursos que não se concretizam. “Como é que as pessoas vão deixar o litoral e vir para o interior se não são criadas condições para atrair gente?”, pergunta.
Maria do Céu Clemente e Vítor David, ela com 58 anos, ele com 60, dez anos emigrados no Canadá, voltaram à terra, abriram o café “Pão com chouriço” no centro da Barquinha, na antiga fábrica de refrigerantes Capela. “Às três horas, fecha a Caixa [Geral de Depósitos] e não se vê ninguém. É triste, às vezes são cinco e meia, um quarto para as seis e fechamos”, desabafa Maria do Céu. Tudo muda aos fins de semana, quando está bom tempo e o parque de escultura fica cheio de gente. “São milhares de pessoas.” Há motivos para o aumento da população. O parque, o turismo, a remodelação das casas antigas, a vontade de fugir do Entroncamento.
“É uma vila pacata e sossegada. As pessoas compram casas, deitam abaixo e renovam.” O marido concorda e acrescenta. “Temos a A1, a A23, a A13, vamos para qualquer parte do país. Se houvesse mais indústria, as pessoas fixavam-se aqui.” O café vai tendo clientela, mas nada que justifique mais investimento. “Chegámos a pensar abrir uma sala de petiscos lá atrás, mas não há pessoas para consumir, vivemos o dia a dia.” Júlio de Sousa Gomes, 83 anos, reformado da Força Aérea, presidente dos bombeiros durante 25 anos, dá a sua opinião para o ganho de população. “A habitação no Entroncamento era mais cara, as pessoas optaram por comprar património na Barquinha, e o parque é um enriquecimento interessante.”
“Há dinâmicas interessantes no interior e que ajudam a criar estratégias que podem ser multiplicadas”
Ana Abrunhosa
Ministra da Coesão Territorial
Fernando Freire é presidente da Câmara de Vila Nova da Barquinha, eleito pelo PS, e destaca a centralidade da vila, os acessos, a A23, a A13, uma hora para Lisboa e uma hora para Coimbra, a redução do tarifário dos passes, o transporte a pedido disponível por marcação, a redução do IMI e dos impostos para a recuperação de casas, a renovação do parque escolar, a oferta educativa em toda a escolaridade obrigatória, os laboratórios de ciências. E não esquece o comentário do ministro da Educação, a analogia da Barquinha como “a Finlândia da Europa”. O autarca não duvida que o concelho, com quatro freguesias, vai continuar a crescer. “É uma vila rural, não tem aquela vida citadina, as pessoas sentem-se atraídas para o conforto.”

Mas há também o reverso da medalha. As portagens na A23 até Castelo Branco ou Covilhã são o dobro do que se gasta na A1 de Torres Novas a Lisboa. O pouco investimento no aeródromo militar de Tancos, palco de preparação de forças internacionais. “A pista já está nas lonas”, diz, alegando que podia haver uma maior aposta nesta base militar na área da proteção civil e florestal. “E ninguém pega nisto.” Fernando Freire assume o seu pessimismo e puxa a conversa para o Programa Nacional de Investimento 2030, em que vê novas infraestruturas a nascer na periferia do mar. É um documento estratégico que, na sua perspetiva, é revelador “do que querem para o interior”. O autarca comenta que “a bota não bate com a perdigota” e avisa que “não se fazem milagres”. “O grande problema é que estamos a concentrar população em centros urbanos e não estamos a olhar para os conflitos sociais. Não sei qual é a solução para esta questão”, sublinha.
Demografia, fenómeno difícil de inverter
Não é fácil. O esvaziamento do interior é um fenómeno que tem pelo menos 150 anos e difícil de contrariar. Eduardo Anselmo de Castro, especialista em território e inovação, vice-reitor da Universidade de Aveiro, membro do grupo de trabalho que está a desenvolver uma estratégia de desenvolvimento transfronteiriço, tem vindo a defender uma política nacional integrada para o interior do país. Há sinais de mudança, mas o fenómeno da demografia é pesado e difícil de inverter. “O mais importante é prever o que se vai passar no futuro”, avisa. Os nascimentos e os óbitos são fáceis de prever, variam muito pouco, o problema é a migração e o que isso implica no desenvolvimento económico e na força de trabalho.
O grande problema, e que nunca aconteceu antes em Portugal – não só no interior, mas em todo o país -, é a disponibilidade da força de trabalho, pessoas em idade para trabalhar. “E se é grave no país, no interior é pior”, aponta.
Eduardo Anselmo lembra que há muito a ideia de que no interior o desenvolvimento é feito através do emprego e que se baixa os impostos e tudo fica bem. Mas, se não houver emprego, as pessoas não vão. “O custo de vida é mais barato, a disponibilidade de serviços não é. Quanto menos serviços, menos pessoas. Quanto menos pessoas, menos serviços”. O que funciona é a conjugação de atrair empresas, pessoas, serviços, tudo ao mesmo tempo. Além disso, o interior está em competição com o interior. É preciso força e, alerta, “políticas horizontais do desenvolvimento do interior em consistência com outras.”
A estrada rente ao Tejo que liga Barquinha a Constância passa pela área militar de Tancos e ali, mais à frente, ergue-se o castelo de Almourol, um dos mais belos cartões de visita da Barquinha, com cerca de 100 mil visitantes por ano. Luís Lopes é o barqueiro que transporta turistas para o castelo, numa ilha do Tejo. Não fica surpreendido com o aumento de população. “É uma zona segura e tranquila, calma e bonita. A nível de segurança, é um pequeno paraíso”, assinala, no final de mais um dia de trabalho.
“Há boa qualidade de vida, os miúdos ainda podem brincar na rua. No Zêzere, no verão, faz-se canoagem”
Sara Nunes
Comerciante
Constância, Tancos, incêndios, portagens
A pouca distância da Barquinha está Constância, no Ribatejo, distrito de Santarém. O concelho do interior que perdeu menos população em proporção, apenas 0,27% quando se compara 2008 a 2018. Tem crescido de baixo para cima, o centro da vila fica junto ao Tejo, mas na parte alta, perto da igreja, onde antes havia oliveiras, hoje há prédios e novas habitações, escolas concentradas num único polo. É um dos concelhos do interior que tem mantido população. Em 2018, tinha 4 002 habitantes, ganhou quatro novos residentes de 2017 para 2018, oito de 2016 para 2017, seis de 2015 para 2016. Camões viveu ali uns tempos e ali ficou a sua estátua, um horto com as plantas que referiu nos Lusíadas, o seu nome em ruas e edifícios, a sua figura estilizada na imagem do município.
Inês Franco tem 16 anos, está no 11.º ano na Escola Básica e Secundária Luís de Camões. Os funcionários fizeram greve, não há aulas, o dia começa, na passadeira vai um corre-corre para apanhar o autocarro de volta a casa. Inês mora ali perto, vai a pé para a escola, está à conversa com dois amigos, João e Margarida. “Constância está no ponto. É um lugar sossegado, não tem muita confusão, não falta nada”, resume a jovem que ocupa os tempos livres em passeios à beira-rio, no café com os amigos, cinema tem de ser em Torres Novas e implica viagem em conjunto, combinar com pais, um leva e outro traz. “A cidade tem mais oportunidades, mas aqui as casas são mais baratas e há sempre atividades para os miúdos: natação, balé, patinagem artística, equitação, futebol. O problema é que não há oferta de emprego para os pais.”
O que também não está muito bem são os horários dos autocarros da escola à tarde, um às duas, outro só às seis. “Não querem saber da gente, não dão muita importância, só se lembram de nós por causa de Tancos ou dos incêndios. Há coisas que podiam melhorar no centro do país se viessem mais um bocado para estes lados”, critica Inês. Margarida concorda. “Dizem que temos de limpar, por causa dos incêndios, mas depois estão todos quietos.” É de Constância, há dois anos mudou-se para o Entroncamento, gosta dos dois modos de estar, da tranquilidade da vila, da agitação da cidade. João mora na Praia do Ribatejo, freguesia da Barquinha, apanha a camioneta para a escola, dez minutos de viagem. Está na banda dos bombeiros da Barquinha e nas danças de salão. Na sua opinião, “não falta nada”, está tudo bem.
Sara Nunes, 44 anos, tem uma loja no centro histórico de Constância. O último verão foi mais fraco, nota, há turistas na mesma, e até alguns estrangeiros que compram casas restauradas. “Em termos de serviços, estamos bem, o que faz mais falta é o comércio”, confessa. Vende vários produtos artesanais e a sensação que tem é que a vila não ganhou nem perdeu população. Será ela por ela. “Há boa qualidade de vida, os miúdos ainda podem brincar na rua. No Zêzere, no verão, faz-se canoagem.” Mesmo assim, o interior precisa de mais atenção. “Medidas para as pessoas se fixarem, atividades mais apelativas”, observa a comerciante.
O interior é feito de altos e baixos. A perda de população atinge mais uns territórios do que outros. Alcoutim, no Algarve, numa comparação entre 2008 e 2018, é o concelho com mais perda populacional – mais de 27%. No Alentejo, Gavião, Nisa, Mértola e Mora estão na lista negra, o litoral alentejano ainda assim vai resistindo, com percentagens abaixo dos 14%. Vinhais e Vimioso passam a barreira dos 15% em Trás-os-Montes. Carrazeda de Ansiães e Penedono estão na mesma situação no Douro. Na Beira Baixa, Idanha-a-Nova quase chega aos 20% na perda de população, Penamacor anda pelos 18%, Oleiros está nos 15%. Nas beiras e serras, Guarda e Belmonte aguentam-se com menos de 10%, Almeida, Sabugal, Manteigas e Mêda andam acima dos 15% na perda de gente.
Sérgio Oliveira, presidente da Câmara de Constância, eleito pelo PS, sabe que o seu concelho, com três freguesias, está a estancar a perda de população, e avança com vários fatores. “A centralidade, estamos a uma hora de Lisboa e a uma hora de Coimbra de carro, a qualidade de vida, escolas praticamente novas, equipamentos culturais e desportivos. O Município tem tido alguma preocupação em fixar empresas.” Constância tem a base militar de Santa Margarida e nessa freguesia um metro quadrado para construir custa cinco euros, há terrenos a custar dois, três mil euros.
Mas o interior faz das tripas coração para se aguentar de pé. O autarca pede estabilidade e a abolição das portagens na A23. “É um dos grandes entraves ao desenvolvimento de toda esta região”, garante. “Se queremos fixar população, os concelhos do interior têm de ter serviços e não podem andar nesta instabilidade de ter médicos numa semana e na outra não ter.” Sérgio Oliveira pede que o país seja olhado como um todo, que o interior tenha mais serviços, mais valências, que investimentos se desloquem do litoral. “Ninguém se fixa nos territórios do interior se não houver emprego e esse será um problema sério daqui a dez, 15 anos. O país não pode abandonar estes territórios.”
Não é o que se pretende, mas as fragilidades não se podem arrumar para debaixo do tapete. O duplo envelhecimento, com a quebra da natalidade e uma população envelhecida, é um exemplo, a quebra da demografia também. Trabalhar o interior é trabalhar territórios frágeis em termos sociais e económicos. E haverá um interior onde não vale a pena investir. “Cuidar do interior é um percurso muito longo, muito duro, não é fácil de fazer e, possivelmente, não se consegue fazer em todo o interior”, admite a ministra da Coesão Territorial. O importante, nestes casos, são as pessoas e garantir-lhes acesso aos serviços básicos, à educação, à saúde, ao lazer, à cultura.
Acima de tudo, Ana Abrunhosa quer que se fale do interior com orgulho e que os autarcas sejam o exemplo disso. Daqui a quatro anos, no final do mandato, gostava de ver esse brilho nos olhos. E não só. “Um interior mais ocupado em termos de atividade económica, com uma floresta cuidada e pastos com vida, e atividades tradicionais recuperadas com conhecimento.” A secretaria de Estado da Valorização do Interior foi instalada em Bragança. Olhar para o interior a partir do interior. O interior tem voz e a ministra anda a ouvi-la. Mas não gosta de alguns comentários. “Gostava muito que os comentadores fossem viver para o interior para falarem diferente e de forma positiva de generosidade, de resiliência, de valentia.” Do verdadeiro e genuíno palpitar do interior do país.
Concelhos que menos perderam população *
Constância 0,27%
Évora 0,77%
Lousã 1,02%
Penalva do Castelo 1,26%
Vila do Bispo 2,18%
Vila Verde 2,32%
Grândola 2,58%
Aljezur 2,79%
Póvoa de Lanhoso 3,36%
Vila Real 3,56%
Concelhos que mais perderam população *
Alcoutim 27,26%
Gavião 21,92%
Almeida 21,36%
Nisa 20,24%
Idanha-a-Nova 19,92%
Mora 19,33%
Penamacor 18,27%
Mértola 18,17%
Sabugal 17,83%
Montalegre 17,73%
* Comparação feita em 2018 face a 2008, com dados do INE