Carregar carrinhas e camiões, sair de casa antes do sol nascer, montar tendas, descarregar mercadorias, enfeitar bancas, esperar pela clientela, desmontar, regressar a casa já de noite. O negócio não está famoso, a concorrência é agressiva, mas a tradição mantém-se de pé. Resiste-se à sombra das grandes superfícies para sobreviver. Aqui compra-se (quase) tudo, regateiam-se preços, encontram-se pechinchas. E é disso que o povo gosta.
Adelaide Ribeiro, de 70 anos, faz marcha-atrás, estaciona a carrinha, tira sacos e caixotes de roupas de homem e senhora, coloca algumas peças em cruzetas que pendura num ferro que atravessa a sua tenda.
São seis e um quarto da manhã e a feirante já está acordada há três horas. A banca está quase montada, é preciso colocar tudo direitinho e bonitinho para a clientela. É o que faz há 40 anos na feira de Espinho, e também nas feiras dos Carvalhos, às quartas, e de Lourosa, aos sábados.
Os gestos são mecânicos numa arrumação que sabe de cor e salteado. É a freima desde os tempos de solteira, o desenrasque feito numa família de 19 irmãos. Serão 13 horas sem arredar pé da feira, trouxe o almoço de casa. “Não tive uma boa vida quando era criança, a vida de feira é a melhor que tive, e a gente habitua-se.”
Habituou-se a viver com pouco e a vida não tem melhorado. “As feiras já tiveram melhores dias. As pessoas vêm para passear, não para comprar. Temos de tentear, não podemos dar um passo maior do que a perna.”
O sol ainda não nasceu e já há carrinhas, brancas na sua maioria, estacionadas na Rua 24 que atravessa Espinho, paralelamente ao mar. Outros veículos chegam, uns mais pequenos, outros maiores, carregados de mercadorias, e não há tempo a perder. Encaixam-se ferros, puxam-se cordas, esticam-se lonas, esvaziam-se veículos com todo o tipo de peças.
Montam-se tendas como se fossem montras de lojas. Daqui a pouco, uma das maiores e mais antigas feiras do país começa a fervilhar no coração da cidade. É assim todas as segundas-feiras numa tradição que tem 125 anos. É um centro comercial ao ar livre onde não falta nada. Roupa, calçado, animais vivos, legumes frescos, utilidades para o lar, alfaias agrícolas, miudezas, carne e peixe, doces, queijos, malas de viagem, chapéus, cortinas, panos da louça. Tudo o que se possa imaginar.
Maria Oliveira e o marido Guilherme tiram da carrinha velas de cemitério. Maria é feirante desde que se casou aos 21, são já 33 anos desta vida, quatro feiras por semana. “Quem tem fé vem à minha banca. É uma vida dura, trabalhamos por nossa conta, temos muito mais trabalho do que numa loja”, diz, sorridente, a pé desde as quatro da manhã.
Tem clientes habituais, já vendeu melhor do que agora, está sempre de olho em quem chega, de olho em quem se aproxima da tenda que lhe custa cerca de 120 euros por mês. É feliz com pouco. “Para ser feirante é preciso bom espírito. Enquanto puder, venho para a feira que me dá muita força para viver.”
“Para ser feirante é preciso bom espírito. Enquanto puder, venho para a feira que me dá muita força para viver.”
Joaquim Meneses tem frutas e legumes frescos, tem “morangos de verão”. São 34 anos de feirante, 22 por conta própria com a mulher, Alzira Maria. Levantaram-se ainda de noite. “Está difícil, no verão vende-se mais, há mais clientes, mais turistas. Vai-se vivendo, mas é um bocadinho apertado.”
Manuel Cunha e a mulher têm frescos na banca e vão aviando os pedidos. Quatro feiras por semana, uma hora para montar a tenda. “Tentamos pôr a banca bonita para ajudar o olhar dos clientes.” As vendas tiveram melhores dias. “Já correu bem, agora está mais fraco, há mais hipermercados abertos e o pequeno comerciante sofre com isso.”
A feira de Espinho estende-se ao comprido, ao longo de quase um quilómetro. São corredores e corredores de produtos, prontos-a-vestir a céu aberto, tapetes pendurados, produtos da horta prontos a plantar com terra húmida agarrada às raízes. Rulotes com carne e frangos a assar, vendedores de raspadinhas e lotaria. Não falta nada.
Ainda não são nove da manhã e as bancas de frutas e legumes têm bastante clientela. Carla Ribeiro levanta-se cedo, e ainda antes de ir trabalhar vai à feira abastecer-se de legumes e frutas para a semana inteira. O tratamento é familiar e volta carregada para casa. “Carlinha, tens tudo meu amor?”, pergunta-lhe a feirante. Carla confirma. “As laranjas parecem mel. E o alho francês? Corta-se e sente-se o cheiro. E o tratamento? É qualquer coisa”, comenta.
Manuela Sá também dá um pulo à feira todas as segundas. Não tem paciência para grandes superfícies e a feira é outra coisa. São os cheiros, os preços e mesmo a qualidade. “Na feira, as coisas são mais naturais, mais biológicas, mais baratas, e a relação qualidade-preço compensa”, refere. Dores Pires anda pelos frescos, prefere compras ao ar livre, os centros comerciais dão-lhe dores de cabeça. “Aqui, as coisas são mais frescas e é tudo mais barato”, frisa, reparando que está mais gente porque a função pública recebeu há dias. “Isso faz logo diferença.”
Maria Angelina vende em Espinho há 51 anos, 42 por conta própria, e a venda de fruta e legumes, alguns vindos diretamente de lavradores à moda antiga, é um negócio familiar. Marido, dois filhos, nora, irmã, sobrinha. Tudo ajuda. Pesam-se sacos, recebe-se dinheiro, fazem-se trocos. “Os meus filhos nasceram e vieram para aqui, para debaixo da banca”, lembra. Está tudo orientado, trouxe fogão a gás de casa e tudo preparado para cozer batatas e fazer uma salada de atum. Quem quiser pode ir buscar frango de churrasco.
“Não dá para ir para o restaurante.” É o orçamento, são os clientes que não param de chegar. Garante que é feliz. “O negócio anda muito fraco, os hipermercados afetam-nos muito”, desabafa.
“Os meus filhos nasceram e vieram para aqui, para debaixo da banca”.
Aos 12 anos, Maria Jacinta andava com gigas à cabeça maior do que o seu tamanho. Agora, aos 78 anos, vende bicharada viva, galinhas, galos, patos. “Estão esmerados, não estão?”, pergunta. Tem caixotes com buracos e cordas para os clientes levarem os animais vivos. “A minha vida é esta e cada um tem a sua arte. O negócio está mau, mas, infelizmente, está tudo assim, os empregos não são fixos, não é?”
“Meninas, isto são peças de etiqueta”
Na ponta sul da feira, há mais roupa em montes e os pregões são uma constante. Vêm de todos os lados, alto e bom som. “Dois euros a peça.” “Meninas, isto são peças de etiqueta.” “Peças de luxo, artigos da primavera.” “Cinco euros, cinco euros, podem mexer.” “É fácil, é barato, e dá milhões.”
Sete cuecas por cinco euros. Duas blusas por três euros. Clientes regateiam preços, pedem uma atenção. Há bancas, muito poucas, com tickets de supermercado e multibanco. Do outro lado da estrada, duas grandes superfícies lado a lado e é gente por todo o lado em Espinho.
Lourenço Grilo nasceu nas feiras, tem 23 anos, vende roupa interior feminina, dois sutiãs por cinco euros, e defende que a vida das feiras devia ser falada nas escolas. “É preciso explicar à malta jovem o que são as feiras, como nasceram, que há famílias que subsistem há muito tempo das feiras. Isto um dia vai acabar e os jovens não sabem o que é uma feira”, avisa. Lourenço conhece bem o negócio, as feiras arrematam lotes que sobram nas lojas, têm um ambiente familiar, criam laços. “E estar ao ar livre é melhor do que estar fechado.”
Às nove da manhã de sábado, já há engarrafamentos de carrinhos de compras de rodinhas na feira da Senhora da Hora, em Matosinhos, perto de grandes superfícies, hipermercados, lojas de rua. Estacionar nas redondezas é complicado, arrumadores vão dando uma ajuda, há por ali alguns atalhos paredes-meias com a A28. Zita Feliz vai aos dois lados, à feira e ao hipermercado, para se abastecer do que precisa.
“É um dois em um. Aqui, os legumes são sempre frescos, é diferente dos supermercados.” Vem de carro, chega por volta das 8.15 horas, compras feitas e casa. “Ainda se vê muita gente nas feiras”, constata. Desde que se reformou que Maria Rocha aproveita para ir à feira de metro. “Ajuda a passar o tempo, compro legumes e algumas coisas de que preciso.”
Os legumes já estão no saco, compra uma dúzia de ovos caseiros, escuta a história da feirante que foi roubada na sua casa quando ia buscar mais um caixote de galinhas e o ladrão se pôs a andar com a carrinha cheia de animais. “Dá sempre para conversar e para comprar coisas frescas.”
“Dá sempre para conversar e para comprar coisas frescas.”
Zulmira Rocha, 79 anos, vende ouro, prata, fantasia, joias e relógios. E dá assistência nos consertos. Faz a feira da Senhora da Hora há quase 40 anos. Antigamente ainda montava a tenda, agora os ossos doem-lhe, e a montra cabe numa rulote. É mais prático, mais fácil de transportar, o filho é o braço direito.
“Isto está muito mau, muito parado. É a crise e são os assaltos. As pessoas não têm dinheiro e não compram porque não podem andar com as peças.” Vai dando, a custo, para os gastos. “Andar na rua é muito dinheiro, é o gasóleo, as Scut, e os lugares não são baratos.” Em todo o caso, Zulmira aprecia o outro lado do comércio. “Gosto muito dos meus clientes, são como uma família.”
Fernando Clemente, 44 anos, saiu de casa às cinco da manhã, de Ponte de Lima, com o camião carregado de alheiras, salpicões, chouriços, tripas e bucho, broa cozida na véspera em forno de lenha. Produtos regionais de um negócio de família que compõe o orçamento do emprego que tem durante a semana, na fibra ótica. “Para ganhar mais algum.”
Às duas da tarde, a banca já estará desfeita. “Os hipermercados estão a dar cabo disto tudo.” Maria Adelaide, 75 anos, concorda. “Isto já foi chão que deu uvas. Já não é como antigamente, agora compram pouco. E são muitas madrugadas, muitos anos, muitos sacrifícios, muitas molhas.” Uma vida de feiras a vender animais vivos, patos, galos, galinhas, perus, e ovos caseiros.
“Não ficamos em casa como as galinhas”
As feiras são parte da história de aldeias, vilas e cidades, espaços de organização territorial, centros comerciais e hipermercados dos tempos antigos, por vezes ligadas a festas religiosas locais. Meio de subsistência.
“As feiras são eventos ancestrais onde os vendedores procuram espaços abertos, definidos pelas autoridades e de forma orgânica, simples e informal para apresentar a mercadoria. O que atrai as pessoas é a componente lúdica associada à busca e excitação da pechincha. Pode-se comprar quase tudo e regatear o preço”, realça Pedro Quelhas Brito, professor da Faculdade de Economia do Porto e coautor do livro “Distribuição-Gestão de Pontos de Venda e de Retalho”.
A mercadoria vem de vários lados, da terra, de fornecedores específicos. Há sobras de fábricas, artigos com defeitos, coleções fora de moda, a preços muito baixos – por vezes, há notícias de contrafação. “Todos ganham. A autarquia cobra uma taxa, os fornecedores despacham os monos e os artigos que não podem entrar nos canais e circuitos normais, os feirantes faturam, os clientes ficam excitados pela expectativa de terem comprado a preços imbatíveis (quer coisas planeadas ou por impulso)”, sublinha o professor.
“O Estado tolera a dimensão popular da ‘festa’ visto que pouca gente pede fatura, logo não se cobra IVA, nem posteriormente IRS. A ASAE aparece de vez em quando para evitar ou minimizar ilegalidades, isto é, contrafação descarada, material roubado e garantir a salubridade mínima nos produtos alimentares”, acrescenta.
As feiras mexem com a vida dos sítios onde acontecem. As esplanadas de Vila Nova de Cerveira estão cheias de gente, espanhóis sobretudo. Aos sábados, do nascer ao pôr-do-sol, a feira semanal rente ao caminho-de-ferro e a um passo do rio Minho espevita a vila. E de que maneira. É dia de compras, braços cheios de sacos, ainda se vendem castanhas assadas.
Estefânia Mantinha ajuda a mãe e a sogra no calça e descalça sapatos. Um par custa três euros, dois ficam por cinco. Tira um, calça outro, experimenta sandálias. O marido e o sogro andam a ver outros artigos. Uma excursão em família de Santiago de Compostela a Cerveira, uma hora de caminho, e a feira faz parte do roteiro.
“Damos um passeio, vimos em família, gostamos de vir a Portugal, é bonito, vemos o que há nesta feira e há de tudo”, diz. Emília Caló também vem de Espanha, de Pontevedra, com uma amiga dar uma espreitadela e nota diferenças. “A roupa é cara. Antigamente, vinha-se à roupa, hoje já não se vem pela roupa, agora é mais para dar um passeio.” Se o olho cair numa peça, e o preço for em conta, talvez compre qualquer coisita.
O espanhol é uma espécie de língua franca na feira de Cerveira e Emílio Dias adapta-se aos clientes. Aos fogões de gás, alambiques, cubas, pipos, panelas de três pés, também vende sertãs para paelhas. “O negócio está a baixar bastante. Aqui, na fronteira, esta feira ainda vai resistindo”, atira. A vida de feira vem do pai e a tradição manteve-se. “O que vai segurando os comerciantes é vender ao ar livre e conhecer todo o tipo de gente.”
Três pares de meias custam cinco euros na banca de António Rei, de Vila Nova de Gaia, feirante há 40 anos, desde os 22. Tem meias para toda a gente e todas as épocas do ano. Já andou pelo país, de feira em feira, agora é Cerveira e Valença. “É muito dispendioso essencialmente por causa do combustível”, suspira. Os meses de transição, de estação para estação, de artigo para artigo, como março, não são bons para as vendas.
“De ano para ano, o negócio tem piorado devido ao aparecimento das grandes superfícies nas terras mais pequenas. Todos os dias, têm onde comprar, os centros comerciais acabam por ter os produtos da feira e têm preços que não temos porque compram quantidades diferentes.”
Mesmo assim, prefere sair do que ficar em casa. Mais à frente, Rosa Carlos vende brinquedos de madeira e mobília para quarto, cozinha e sala que pode ser encomendada ou levada para casa se houver veículo capaz, força e vontade. Um camião e uma carrinha de Esposende, meia hora de estrada, banca montada na feira. E o negócio? “Vai-se andando.”
Às quintas-feiras, mais a sul, em Carcavelos, Cascais, há feira. Roupa, calçado, utilidades para o lar, frutas e legumes, perfumes, cremes de beleza. E pelo ar vai-se ouvindo: “Peças com etiqueta”. “Peças de luxo, a três e meio, a três e meio”.
Os filhos ainda não eram nascidos e Luísa Gonçalves, de 74 anos, e o marido já andavam na vida das feiras a vender jogos de cama, cobertores, toalhas de mesa, panos da louça, pegas de cozinha. Todas as quintas-feiras, às seis da manhã, estão na feira de Carcavelos. Carrinha estacionada, peças espalhadas pela banca, lençóis de casal a dez euros.
“Dá trabalho.” A viagem é curta, mas quando é para abastecer o stock, o passeio é longo. “Vamos a fábricas de Guimarães e de Vizela. Ainda fomos lá na terça-feira, saímos às cinco da manhã e às nove da noite já estávamos em casa. Encomendamos, pagamos, e não trazemos, eles mandam cá para baixo”, explica. O negócio não anda famoso.
“Quando estávamos ao pé da estação, era melhor, havia sempre gente que ia e vinha para o comboio.” Os anos passam e agora Luísa e o marido só fazem a feira de Carcavelos, às quintas, e a de Tires, aos sábados. “Antigamente, era todos os dias, não havia feriados, fins de semana, Natal ou Páscoa. É uma vida cansativa mas não estamos em casa fechados como as galinhas, vamos vendo gente e conversando.”
Pechinchas de boa qualidade
O número de feirantes tem-se mantido estável nos últimos anos, a rondar os 20 mil em mais de 600 feiras de ponta a ponta do país. O Norte é mais pujante, são cerca de 160 em 86 concelhos, qualquer coisa como oito mil feirantes. Fernando Sá, presidente da Associação Feiras e Mercados da Região Norte, destaca a história, a mística, a resiliência de não desistir perante a oferta das grandes superfícies e das lojas dos chineses em cada esquina.
“Além da vertente histórica, há a mística da feira e o povo português gosta desse tipo de mercados.”
“Além da vertente histórica, há a mística da feira e o povo português gosta desse tipo de mercados. As feiras continuam a resistir, embora com algumas dificuldades que afetam todo o comércio tradicional, devido aos novos conceitos de oferta, como o comércio eletrónico.” “Sente-se alguma crise, mas está a melhorar, nota-se que está a melhorar”, ajuíza.
Manuela Valadares, 71 anos, comprou dois pares de sapatos de pele por 25 euros na feira de Carcavelos. Calçado do bom, garante, por pouco dinheiro. A experiência de ter trabalhado na importação de moda de alta-costura apurou-lhe o olho e o toque para o que presta e não presta. Hoje teve sorte.
“Nem sempre venho comprar, às vezes venho só ver, aqui visto-me e à família quase toda. Gosto muito de frequentar feiras e mercados e dá muito jeito economicamente”, admite. É cliente habitual, há mais de 20 anos, é um passeio que faz a pé. “Há aqui peças verdadeiras, compro pechinchas com boa qualidade.” Há menos gente. “Havia mais poder de compra e mais diversidade em termos de artigos. Não vem muita juventude, mas vêm muitas tias.”
Rita Mocho, designer, 33 anos, tem a feira mesmo à mão e aproveita para trocar um par de calças e espreitar o que há de roupa interior de bebé para as filhas de um e três anos. É um pulo de casa até ali, não tem de pegar no carro, é mais cómodo, e não tem razões de queixa da qualidade. “Vir à feira é uma coisa mais palpável, podemos agarrar nas coisas, mexer, falar com as pessoas, nos centros comerciais é mais rígido.” Tudo mais direitinho e menos conversa.
António Toscano chegou às sete menos dez, abriu a carrinha amarela, tirou as cestas, colocou-as no chão, à frente do veículo, e pouco depois do almoço estará de partida. Vende sempre alguma coisa, tem produtos de 1,5 euros até 80 da cesta de piquenique. Aos 60 anos, é um feirante à força pelas reviravoltas que a vida deu. Na feira de Carcavelos, é o único que vende cestas feitas à mão.
“Está parado e paradinho. Chegaram as grandes superfícies, a China meteu-se no artesanato e deu cabo disto tudo, os preços são o que são, mas a qualidade não tem nada a ver”, critica. Toscano, de vez em quando, faz a feira da Charneca da Caparica, mas já não anda com muita paciência. “O ideal era o pessoal ter dinheiro para comprar, o problema são os ordenados.”
Herman Pêgas, 77 anos, de Massamá, faz três feiras por semana, Carcavelos às quintas. Vende tapetes. Vinte minutos de viagem e às seis da manhã começa a montar a tenda, a montra de sete metros por quatro, 28 metros quadrados, custa-lhe quase 150 euros por mês. “Temos de almoçar todos os dias, por isso trabalhamos”, diz, com um sorriso.
O negócio tem estado fraco, uma coisa aqui, outra ali. “A ASAE anda em cima das marcas, as empresas pequenas já não têm lotes, os comerciantes não têm material para dar ao cliente, e não há aquele atrativo de só encontrarem nas feiras determinadas coisas. Há dias melhores, outros piores. Gosto daquilo que faço, contacto com as pessoas, e olhe que o negócio dos tapetes está em vias de extinção.”
Domingos Carvalho tem cabelo branco, é pequeno de tamanho, gigante na arte da venda. Os colegas brincam e garantem que é o melhor vendedor de Portugal. Ele ri-se da brincadeira e volta para a tenda: um pronto-a-vestir de homem clássico, tudo direitinho, casacos com casacos, calças com calças, fatos com fatos. Natural de Bragança, a viver na Costa da Caparica, faz cinco feiras por semana, feira da Ladra às terças e sábados. “Sou feirante profissional.”
Vende sempre qualquer coisa, tem jeito e arte. “A tática? Ser simpático, falar bem com os clientes, não se pode ser arrogante, incutir no cliente a nossa amabilidade”, adianta. É em fábricas que se abastece e levanta-se com as galinhas. “Hoje às cinco da manhã já estava a dar à chave.”
As rendas não são baratas e, por isso, acha que os autarcas deviam tratar melhor os feirantes. “Não estamos de borla nas feiras, pagamos os nossos impostos.” Em Carcavelos, são 150 euros por mês. “O negócio está fraco, já esteve um bocadito pior, há que dizê-lo. É a economia do país, as classes pobres não compram os feirantes não vendem, fazem das tripas coração.”
Maria José, emigrada em Londres, com casa na Parede, dá uma volta pela feira de Carcavelos, compra uma blusa, regateia o preço, consegue um euro de desconto para tomar um café, anda à procura da banca da louça, gosta de levar fruta fresca para casa.
“As feiras são parte da nossa cultura, da nossa tradição. Os pregões, regatear o preço são parte da cultura portuguesa”, sustenta. “O preço fixo não sabe tão bem”, acrescenta. Compra em feiras, em Londres tem várias opções, mas também vai aos centros comerciais.
“Faço as duas coisas, mas apoio o comércio local porque acredito nisso. As grandes superfícies não precisam tanto de apoio.” Seja como for, as feiras resistem de cabeça levantada. Cada uma com a sua identidade, estilo, e modo de vida. Com história e muita mística.