A revolução dos cabelos brancos

Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens

Foi em 1858 que William Henry Perkin, químico inglês, descobriu a fórmula da tinta de cabelo sintética. Já os egípcios e os romanos usavam extratos das mais diversas plantas para pintar o cabelo. A ideia era enganar a passagem dos anos e a tendência mantém-se. Todavia, hoje em dia, a propensão tem vindo a moldar-se. Há cada vez mais gente, homem ou mulher, que não quer esconder os cabelos brancos, deixando de pintar o cabelo.

Rosa Sá, esteticista de 52 anos natural do Porto, tem os cabelos grisalhos com algumas reminiscências da sua cor natural, o preto. A ideia é assumir o branco que “tende a surgir com a idade”. Rosa revela que tomou “a decisão interna” de deixar de dar brilho ao cabelo com cores e ouviu elogios em casa. “Sinto-me bonita.”

Se o cabelo branco era visto essencialmente como um sinal de velhice, hoje é cada vez mais sinónimo de encanto. Na perspetiva do cabeleireiro Vasco Freitas, de 36 anos e com salão na Invicta, “os brancos são cada vez mais aceites. Mulheres e homens assumem o branco natural. Os homens por charme, as mulheres para resgatar a ideia das divas do cinema de antigamente”.

Já Alexandre Ribeiro, de 40 anos, 22 de cabeleireiro com espaço em frente ao Museu Soares dos Reis, no Porto, o Diff Hairdesigners, diz que a “tendência é o cabelo descolorado e não o cabelo branco de crescimento natural. Uma coisa é o branco do cabelo que cresce porque deixa de produzir pigmento. Outra coisa é o descolorado que tem pigmento gelo ou cinza, a que se chama de platinado”.

Por norma, é o “cansaço de colorir o cabelo” o gatilho para a derradeira decisão de apostar no “cabelo natural, mais prático, sem se sentir o compromisso do retoque mensal da cor”, partilha o cabeleireiro.

Na opinião de Alexandre, existem duas opções para deixar crescer o cabelo branco e não pintar. “Ou se vai cortando e vai saindo a cor até passar à fase radical e assumir os brancos na totalidade; ou começa-se a clarear progressivamente, com algumas nuances mais claras, para as brancas se misturarem melhor com o tom.”

Para Alexandre Ribeiro, do Diff Hairdesigners, no Porto, o “cansaço de colorir” leva as clientes a apostar no “cabelo natural, mais prático”. (Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens)

O cabeleireiro aconselha a “hidratar e reparar o cabelo em casa e por vezes fazer alguns tratamentos de reparação no salão do cabeleireiro”. Este profissional dos cabelos também não descarta o corte, que considera ser “o mais importante de manter”.

Uma espécie de nudez pública

Anne Kreamer, jornalista americana, ela própria com cabelos brancos, escreveu em 2007 sobre o assunto. No livro “Cabelos Brancos”, a autora defende que, para muitas mulheres, “pintar o cabelo tem a ver com o profissionalismo, e com a sensibilidade para com a necessidade dos outros, não é vaidade pessoal. Cada mulher fala simplesmente de como se sente bem consigo mesma quando cuida do cabelo, o que para muitas significa pintá-lo”. Mas para outras, optar pela cor natural, o branco, pode ser “uma espécie de emblema, poderosamente diferenciador”.

Por norma, são as mulheres que ficam mais obcecadas com o cabelo grisalho. É algo que as incomoda mais do que aos homens. “Tornou-se uma forma de nudez pública”, descreve a escritora. Seja como for, a sociedade foi evoluindo e as mulheres começaram a conquistar a sua voz, o seu papel, o seu lugar, e sobretudo a sua forma de estar no Mundo. O mesmo é dizer que a pessoa está pronta a minimizar a importância do artifício.

“Ficamos encantados com o aspeto físico mas isto é só biologia”, acrescenta Anne Kreamer. E é nesta linha que a opinião se cruza com a de Frédéric Godart, sociólogo francês. Em entrevista à “Notícias Magazine”, via e-mail, Frédéric diz que “a moda dos cabelos grisalhos” está relacionada com “a evolução das mulheres” na sociedade.

“Para as mulheres, os cabelos brancos sempre foram mal vistos do ponto de vista estético, já que eram exclusivamente associados à decadência física. Juntando o prolongamento da expectativa de vida com a afirmação progressiva das mulheres em todas as profissões e nos meios de comunicação, as coisas mudaram: um sinal de envelhecimento converte-se numa opção estética como outra qualquer.”

Anne Kreamer adota uma visão mais espiritual sobre a opção pelo cabelo branco. A jornalista é da opinião de que se pode “personificar o encanto com estilo”. E cita as palavras de Andrew Weil no livro “Healthy Aging”: “Se o envelhecimento está escrito nas leis do universo então a sua aceitação deverá ser um pré-requisito para o fazer de forma graciosa”.

Kreamer aponta para uma visão mais etérea do tema. “A não aceitação do envelhecimento parece ser a norma da nossa sociedade e não exceção. A maioria da população tenta negar a realidade e o seu progresso. Dois dos modos mais óbvios de o fazer é o uso de cosméticos e o da cirurgia estética. Negar-nos a nós é negar o acesso a uma experiência enriquecedora. Deixar o cabelo branco surgir pode ser um estímulo essencial para o despertar e crescimento espiritual.”

O cabeleireiro portuense Vasco Freitas garante que os cabelos brancos são cada vez mais aceites, tanto entre homens como entre mulheres. (Foto: André Rolo/Global Imagens)

Adeus à química na cabeça

A atriz brasileira Sónia Braga já foi Gabriela numa das mais vistas e populares telenovelas brasileiras emitidas em Portugal. Hoje com 69 anos e decidida a libertar-se, assegura em entrevista à “Vogue Brasil” que “nunca mais” vai pintar o cabelo. Sónia admite que o seu cabelo “é uma metáfora muito importante”.

E deixa um alerta aos seus cabeleireiros: “Vocês não vão ter que sujar mais a mão e usar aquela luvinha”. A atriz mudou o estilo de vida a par com o compromisso com os cabelos brancos. “Ando muito e passo bastante tempo sozinha. É uma sensação de liberdade muito grande, de normalidade, de natureza mesmo. Agora reconheço-me melhor, combina mais com o meu rosto. Fora que sou tão saudável, incomodava-me de mais aplicar toda aquela química na cabeça.”

Algumas mulheres mostram sinais de cansaço com os químicos utilizados no processo de pintar o cabelo. Fartas de se apresentar dentro dos padrões, insurgiram-se. É o caso de Luísa Pinto, 44 anos, jornalista há mais de 20. Estava cansada de usar químicos na cabeça, prejudiciais para a saúde e para o ambiente. Uma decisão de consciência. “Desde cedo, antes dos 30 anos, comecei com algumas brancas e pintava, fazia reflexos para enganar a cor natural”, conta. Até que se fartou do tempo e dinheiro que deixava no cabeleireiro. “Duas horas e 50 euros. Já não tenho vida para isso”, desabafa.

Foi na passagem do ano para 2019 que Luísa fez a promessa de apostar na cor natural e deixar as tintas de lado. Usava o cabelo comprido, em tom avermelhado. Quando deixou de pintar passou por um período “tutti frutti”. “A cabeleireira ficou espantada com a minha decisão. Tive de cortar o cabelo curto, e sim, está grisalho.”

Partilha ainda um episódio vivido por estes dias: “Estava numa feira com o meu filho de cinco anos ao colo, e chamaram-me avozinha”. Mas nada a faz recuar na decisão. “Não me sinto velha. Sou o que sou. Sinto-me bem.”

#GRISALHASUNIDAS

Suzete Nova responde às perguntas da NM por e-mail desde o Brasil. Tem 46 anos e há três criou o movimento #jovensgrisalhas. Tal como está escrito no seu perfil do Instagram, Suzete “vivia em busca da cor perfeita e ela estava lá o tempo todo, por baixo da tinta”.

“O movimento pretende unir mulheres que têm o mesmo interesse, incentivar, dar apoio, trocar informações científicas sobre a verdadeira origem do cabelo branco; mostrar para a sociedade que cabelo branco é lindo; reforçar a necessidade de mudança nos padrões de beleza da sociedade para acabar com o preconceito; quebrar o estereótipo de envelhecimento e desleixo associado às grisalhas; mostrar que as mulheres têm a opção e a liberdade de assumir os seus fios brancos e ficarem lindas”, define a orgulhosa grisalha, artista visual de profissão.

Um ano depois deste movimento, surgiu um hashtag no Instagram: #grisalhasunidas. E, depois, outros hashtags nasceram, e mais movimentos surgiram, como o #silversisters, que é mundial. O que impulsionou a criação destas ações foram as regras que se jogam na sociedade.

As mulheres grisalhas “precisam e dependem da aceitação na sociedade, para que continuem a trabalhar em qualquer setor, inclusive o da beleza, sem que sejam julgadas ou excluídas por conta dos fios brancos”. No entendimento de Suzete, as mulheres procuram a igualdade social. Por enquanto, os “homens grisalhos são considerados charmosos e belos, enquanto as mulheres grisalhas são consideradas desleixadas, feias, idosas, incapazes, fracas, insanas, doentes”.

E acrescenta: “Seja a busca por liberdade de tintas, moda, originalidade, autoaceitação ou ecologia, as mulheres estão a assumir os fios brancos por conta da união e força do movimento”.

No processo de transição para o cabelo branco total, a mulher deve preparar-se psicologicamente, enfrentando o possível preconceito e as críticas da sociedade. É a opinião de Suzete, que aplaude a iniciativa de marcas que têm lançado linhas de produtos direcionados a cabelos brancos e grisalhos com campanhas de marketing que incentivam os objetivos destes movimentos e destas hashtags perante o mundo exterior.