É vendido aos milhares de milhões, mas, tantos séculos depois, ainda não se livrou do estigma. Este sábado é Dia Internacional do Preservativo.
Camisinha, camisa-de-vénus, borracha, proteção, preservativo. Ou a história de um objeto que não suporta mais do que uma utilização, mas que tem resistido a séculos de existência. Com incontáveis doenças sexualmente transmissíveis (DST) e gravidezes indesejadas travadas pelo meio. Os números atestam um sucesso que prevalece: estima-se que anualmente, em todo o mundo, sejam vendidos perto de cinco mil milhões. Só em Portugal, o volume de vendas anual ultrapassa os nove milhões.
Mas o preservativo nem sempre teve vida fácil. Desde logo porque antes de se tornar um pedaço de látex fiável, que quase passa despercebido, teve múltiplas formas, bem menos confortáveis. Apesar de haver relatos mais antigos que dão conta da existência, na China, de preservativos feitos de papel de seda oleado e intestino de cordeiro, a mais antiga descrição incontestada remonta à Itália do século XVI, quando, num ensaio sobre a sífilis, Gabriele Falloppio descreveu “panos de linho mergulhados numa solução química, posteriormente secos”. Na altura, o tecido cobria apenas a glande do pénis e era seguro no local através de… um laço.
Já a primeira alusão ao preservativo enquanto método anticoncecional surge em 1605, quando o teólogo Leonardus Lessius apelidou o uso da camisinha de “imoral”. Com efeito, a discussão da moralidade haveria de acompanhar toda a vida do preservativo, em particular nos círculos religiosos – tanto que ainda hoje a Igreja Católica condena o uso (em 2016, a propósito do vírus zika, o Papa Francisco considerou-o um “mal menor”, mas apenas para impedir a propagação de doenças).
Certo é que, com maior ou menor contestação, nunca parou de evoluir. Em meados do século XVIII, por exemplo, bem depois dos preservativos feitos de intestinos e bexigas de animais e de os holandeses terem introduzido no Japão proteções de pele, que cobriam todo o pénis, as camisinhas estavam já disponíveis numa ampla gama de qualidades e tamanhos. No entanto, foi preciso esperar até ao início do século XIX para que este método contracetivo ficasse também acessível às classes mais desfavorecidas.
A propagação das DST a grande velocidade, que aconteceu na viragem para o século XX, fez o resto. Numa primeira fase, a solução recomendada era – espante-se – a abstinência, mas a popularidade do preservativo espreitava ao virar da esquina. Muito graças a Charles Goodyear que, em 1839, descobriu uma forma de processar borracha natural de forma a torná-la mais consistente, pondo fim aos preservativos de origem animal. Tanto que, durante a Primeira Guerra Mundial, já quase todos os países que enviaram tropas para os cenários de guerra distribuíram preservativos entre os soldados. A invenção do látex, na década de 1920, e o “boom” da SIDA, nos anos 1980, acabariam por escancarar-lhe as portas da massificação.