
Das saudades dos pais às dificuldades sentidas na implementação da Sexologia no nosso país, o apresentador de programas de êxito como “O sexo dos anjos” ou o atual “O amor é” conduz os leitores da “Notícias Magazine” pela esfera mais privada de uma vida cuja sobrecarga de trabalho promete aligeirar já no próximo ano. Quanto mais não seja, para evitar problemas com os netos, que há muito reclamam por uma presença mais regular e constante do avô.
1 – “Nasci no Porto e espero morrer no Porto”
“Seria o fim lógico de uma paixão de vida inteira. Se não aprendi mais com as gentes da cidade foi por minha culpa. Mas ao longo de 70 anos ninguém – que eu saiba – duvidou da terna gratidão que lhes dedico. Das “ilhas” de Anselmo Braamcamp à foz do rio, o Porto foi o meu lar a céu aberto.”
2 – “Em criança queria ser varredor”
“Uma fantasia de vida noctívaga que não se confirmou. Durante a adolescência ainda fiz a ronda pelas discotecas da época, mas a adultícia fez nascer um amante do paleio tripeiro depois de um bom jantar. Perdeu-se um bom vivant!”
3 – “Escolhi Medicina por causa de uma campanha levada a cabo por minha Mãe”
“A minha Mãe via com tristeza a orfandade do laboratório de análises clínicas de meu Pai. Eu não suportava vê-la triste. Estavam criadas as condições para eu ‘escolher’ Medicina. Resultado – troquei a História pelas estórias de quem me procurava e o laboratório…fechou na mesma por falta de herdeiros!”
4 – “Estava tão nervoso antes da primeira aula teórica na universidade, aos 22 anos, que bebi duas cervejas antes”
“Espero que não seja interpretado como um incitamento ao álcool, mas é verdade, estava uma pilha de nervos e recorri ao ansiolítico mais à mão. Ou boca?”
5 – “Tenho mais saudades dos meus pais hoje do que há dez anos”
“Lidei com as perdas com um intervalo de dez anos, embora de minha Mãe só restasse a sombra. Hoje concentro-me no que sinto. E a saudade, livre de condicionantes, assume a sua dimensão – é enorme.”
6 – “Sinto-me desconfortável com a deslealdade ou a ingratidão”
“Trilhei um longo caminho até ser capaz de cortar com pessoas que estimava. Não me arrependo, a ternura não tem preço. Mas hoje sou capaz de o fazer.”
7 – “Comprei uma instalação estereofónica com o dinheiro do meu primeiro salário”
“Foi dinheiro bem gasto. Permitiu que revisitasse os Beatles a sós e desse as boas vindas aos Pink Floyd.”

8 – “Se trouxesse sempre um poema comigo seria do Eugénio de Andrade”
“Corrijo: seriam as suas obras completas. Admirava o poeta, antes de gozar o convívio do amigo. Ele partiu, mas os poemas ficaram. Solares, como tão bem disse Óscar Lopes.”
9 – “Ao esvaziar a casa dos meus pais descobri que o meu pai me escreveu bilhetes durante mais de 20 anos sem nunca mos ter enviado”
“E a palavra escrita deixou-me um travo ambivalente na boca e no coração. Porque se confirmou um enorme e tímido amor, me deixou a nostalgia do que poderia ter sido a nossa relação se tivéssemos arriscado maior intimidade. Fica a certeza do seu afeto, não é coisa pouca.”
10 – “Os meus pais conheceram-se no Teatro Sá da Bandeira e foi também por isso que quis lançar lá o meu novo livro”
“É uma sala cheia de memórias e alucinações. O olhar dele, o seu primeiro encontro, a paixão que se seguiu. Não podia desejar lugar mais simbólico.”
11 – “Sou duro de ouvido como o meu pai”
“Ou talvez mais do que ele! Não interessa. Primeiro porque tal praga, divina ou laica, poupou filhos e netos. Depois porque nunca me impediu de fazer da música a moldura favorita para trabalho e repouso, não concebo a vida sem ela.”
12 – “A escrita tem-se tornado cada vez mais penosa para mim”
“Quando releio os artigos que escrevia para o JN e para o DN surpreende-me a facilidade com que criava personagens e enredos para ilustrar um ponto de vista ou contar uma estória. Agora o imaginário funciona em 33 rotações, parece exausto ou esmagado pelo quotidiano.”
13 – “É cada vez mais raro visitar escolas”
“É natural que se tenha insinuado o cansaço. Dei voltas a Portugal a falar de Educação Sexual. Mas não é só isso – cada vez mais me interessam o envelhecimento, a relação médico-doente e o futuro do SNS, temas que pedem outras ‘arenas’. Por isso…, lugar aos novos!”
14 – “Devo aos meus pais a capacidade de escutar”
“Com minha Mãe aprendi o silêncio acolhedor, com meu Pai o esgrimir argumentos sem desqualificar os dos outros. A sair da campânula da minha classe social aprendi com os habitantes das ‘ilhas’ de Anselmo Braamcamp, havia pouco pão mas muita solidariedade. Há silêncios para todos os gostos, o pacificador é precioso e minha Mãe guardava-lhe o segredo. Meu Pai era um mestre e conversador inigualável, ouvi-lo foi um privilégio e o primeiro passo para ouvir os outros, a caminho da escuta interventiva.”

15 – “Nunca sei quando um casal já não consegue ultrapassar as divergências”
“O prognóstico torna-se sombrio quando até a simples (?) ternura desapareceu, o afago é já uma recordação longínqua, o outro já não consegue surpreender-nos ou fazer sorrir e sair a dois se tornou um deserto silencioso.”
16 – “Não nasci para chefiar longe do terreno”
“Foi o que aprendi nos cinco anos em que estive à frente do CAT (Centro de Atendimento a Toxicodependentes) de Cedofeita. Odeio reuniões estéreis, idas inúteis a ministérios e a ‘maleabilidade’ de certos políticos.”
17 – “Já fui banido do Facebook”
“Publiquei um artigo de primeira página do ‘El Pais’, com a imagem das mamas ‘prensadas’ de garotinhas africanas. O Facebook considerou que eu violara códigos comunitários (qual comunidade?). Em contrapartida permite anúncios políticos falsos. A hipocrisia ao Poder!”
18 – “Na altura do ‘Sexo dos Anjos’ era reconhecido na rua por causa da minha gargalhada”
“E que culpa tenho eu? Quando rio, faço-o com gosto e alto. As pessoas diziam-me – ‘conheço essa gargalhada, você é o Machado Vaz do Sexo dos Anjos, não é?’ E de imediato nascia uma tertúlia breve sobre o programa e a vida em geral.”
19 – “Lembro-me da primeira vez que a minha mãe não me reconheceu. Foi trágico”
“Quando alguém que muito amamos nos murmura um ‘como está?’, ficamos siderados. Naquele momento percebi que o fundamental da personalidade de minha Mãe se perdera – o seu amor por nós, filho e netos, perdera o norte, só o corpo sobrevivia.”
20 – “O programa ‘Sexualidades’ foi alvo de censura”
“Durante seis meses o ‘Sexualidades’ foi um sucesso de audiências em horário nobre. Depois chegou a mensagem para evitar certos assuntos. A seguir o desterro para horário de filme pornográfico e a irregularidade na apresentação. Uma morte lenta planeada.”

21 – “Começo sempre o dia a ler as primeiras páginas dos jornais”
“À medida que envelheço, sorrio ao notar como determinados hábitos de meu Pai sobrevivem em mim. Ele era um consumidor compulsivo de notícias. Eu fico-me pela manhã e por uma vista de olhos sobre o Mundo.”
22 – “Já fui acusado de destruir a moral da juventude portuguesa”
“Quando fiz o ‘Sexualidades’ cheguei a ouvir comentários desses. E durante as idas às escolas para falar sobre Sexologia, ao lado de gente como o Afonso de Albuquerque, o Chico Allen, o António Palha, fui proibido de entrar várias vezes. Enfim, ossos do ofício.”
23 – “Fui ameaçado de morte e vítima de perseguição”
“Só uma vez participei o caso às autoridades por considerar a ameaça credível. Tive o meu telefone ‘preso’ noites seguidas por alguém que acabou por cair em si e parar.”
24 – “Na altura do ‘Sexualidades’ havia pessoas do Porto que pensavam que era de Lisboa”
“O que era natural. Tudo vinha da capital do Império e eu fazia um programa de televisão. Ainda por cima, por influência de minha Mãe, o sotaque tripeiro era quase impercetível. Em termos de centralização receio que não tenhamos mudado muito.”
25 – “O meu pai chegou a ser meu professor na Faculdade”
“O que acontecia quando eu ia às aulas dele, que eram cedo. Magníficas? Seguramente. Em permanente diálogo e sempre recusando a ‘prisão’ do programa. Ali qualquer tema podia surgir – da sua amada política à religião, importante era fazer-nos pensar.”

26 – “O meu primeiro paciente só queria medir a pressão arterial”
“Já deve ter morrido: era um bocado mais velho do que eu. Espero que tenha mantido a pressão arterial dentro de limites razoáveis e vivido vida longa e gratificante.”
27 – “‘Muros’, o meu primeiro romance, não é um romance”
“‘Muros’ foi um exorcismo aos fantasmas que acarretava nessa altura, uma tentativa de pacificação através da escrita. Uma associação livre torrencial e não uma obra meditada e esculpida como o Eugénio de Andrade queria.”
28 – “Recuso-me a aderir à prática corrente das consultas cada vez mais supersónicas”
“Na medicina privada não há desculpas, somos donos do nosso tempo. E por isso me atraso com frequência. A Medicina em geral e a Psiquiatria em particular dão-se mal com limites temporais severos, é da sua vida que as pessoas nos falam e interrompê-las, às vezes, roça o desrespeito.”
29 – “Faço parte de duas tertúlias semanais”
“Na primeira, o engenheiro Oliveira Dias atura com estoicismo vários médicos, às vezes com a ajuda da Inês Meneses. A outra é na Casa Castanheira, em que os donos almoçam com vários amigos, entre os quais me incluo. Ambas contribuem para a minha sanidade mental.”
30 – “Tive uma depressão aos 28 anos”
“Hoje percebo que a ida para a Suíça, pese embora o que lá aprendi, teve muito de fuga à depressão que já sentia e me recusava a aceitar. Foi pena. Se o tivesse admitido mais cedo, mais cedo teria desaguado no consultório do Dr. Jaime Milheiro, que me ajudou a sair dela.”
31 – “Barcelona é a minha segunda cidade favorita”
“Barcelona é um amor antigo e feliz. Tão antigo que hoje só visito as atrações turísticas quando um amigo me pede para servir de cicerone. Se não, prefiro descobrir os bairros mais periféricos, os abrigos da Guerra Civil com jovens cicerones independentistas, a loja improvável que vende pastéis de nata e bacalhau… à portuguesa!”
32 – “Eu e a Inês Meneses já comunicamos por sinais de fumo”
“Doze anos é muito tempo; eu e a Inês somos amigos. A preparação dos programas é fácil – cada um propõe temas e depois ‘esculpimos’ a semana, que abarca seis. E, em geral, alternamos a escolha da música.”
33 – “Quis aplicar no Porto o estilo ‘british'”
“Lembro-me de um episódio passado nas discotecas inglesas, era eu adolescente. À entrada de uma, cartaz afixado – ‘Estou a dançar, deixe o pagamento na caixa’. Voltei ao Porto. Contagiado por tanta honestidade, chamei o revisor do elétrico para pagar, saía na próxima. A meu lado, voz risonha – ‘pire-se, homem!’ E eu pirei-me.”…
34 – “Fartei-me da política de corredores da Universidade”
“Quando me apercebi que já nem sempre levava slides de arte e livros de poesia para as aulas e os alunos notavam, percebi que estava farto. Vim embora.”
35 – “A associação livre é um condimento indispensável”
“Seria hipócrita negar o gozo que a associação livre me dá em contexto tribal, nas longas noites de Cantelães. A tertúlia nasce do entrelaçar de várias, sob o céu estrelado que emigrou das cidades.”
36 – “Os meus filhos, João e Guilherme, disseram-me que não era preciso telefonar-lhes todos os dias”
“O telefonema vespertino era um ritual obrigatório com meu Pai. De um modo acéfalo, reproduzi-o com meus filhos. Os quais, gentilmente, o consideraram exagerado. Satisfeito pela sua franqueza, passei a cultivar os ritmos deles; a certeza do afeto não estava em causa.”
37 – “Vou abrandar o ritmo de trabalho”
“Sei que trabalho de mais e 2019 foi um exagero, por uma confluência de circunstâncias. Em 2020 vou abrandar. Como não confio na minha força de vontade, assumi compromissos com os meus netos, que me puxarão as orelhas se os não cumprir.”
38 – “Só defendi as causas que a minha consciência exigiu”
“Nunca considerei que a cidadania se esgotasse no voto. Sem nunca ter enveredado pela política no sentido mais estreito da palavra, defendi causas. E também por não esquecer os tempos em que ouvia a BBC para saber do meu país.”
39 – “Com o passar dos anos, fiquei mais sensível aos pequenos prazeres”
“Valorizo cada vez mais os momentos de lazer com a tribo; a solidão acompanhada de livros e música em casa; uma viagem decidida num repente; um fim de tarde à beira-rio.”
40 – “É em Cantelães que encontro o meu refúgio”
“Em Cantelães repousam meus Pais. É o meu refúgio – pelo silêncio; o ladrar dos cães; o abraço da Mindinha; a gratidão pela amizade dos vieirenses; a visita surpresa de filhos e netos; a bênção de ver a mesa da cozinha cheia e me sentir um patriarca incompetente mas feliz.”