Z: Afinal, que geração é esta?

Bernardo Jesus (Foto: Álvaro Isidoro/Global Imagens)

São acelerados, imediatistas e nasceram no final da década de 90 num mundo evoluído tecnologicamente. São milhões de jovens com sonhos e projetos, defendem causas, querem ser ouvidos. Bem-vindos à geração Z.

Sente-se completamente perdido quando o telemóvel fica sem bateria. O dispositivo acompanha-o para todo o lado. Bernardo Jesus tem 18 anos. Mafalda Ribeiro é sua amiga e tem a mesma idade. Ambos tiveram o primeiro telemóvel por volta dos dez, 11 anos, quando passaram para o 5.º ano e mudaram de escola.

“Foi uma questão de necessidade. Os meus pais queriam que estivesse contactável”, diz a jovem. Ambos fazem parte da geração Z, também intitulada de centennials, que inclui pessoas nascidas entre 1995 e 2010, embora nunca tenham ouvido tal designação… até serem entrevistados pela “Notícias Magazine”.

Por terem nascido em países tecnologicamente avançados, são também reconhecidos como “nativos digitais”. Afinal, que geração é esta que sucede aos millennials? Nada como perguntar a quem a integra. “A nossa geração gosta de viver as coisas de forma muito rápida, sobretudo com o aparecimento de internet como um meio obrigatório de sobrevivência”, descreve Bernardo. É uma geração apressada, com valores e crenças bastante vincados na sua personalidade. “Diria que somos teimosos e determinados”, sublinha.

“A nossa geração gosta de viver as coisas de forma muito rápida”
Bernardo
18 anos

Mafalda tem mais dificuldade em caracterizar a sua geração mas assume que os jovens se preocupam cada vez mais com o futuro, começando a traçar alguns caminhos para os seus projetos. “É uma geração que gosta muito de música, de festivais, de festas, mas que também acredita nos valores importantes. Queremos encontrar o amor, ter filhos e um bom emprego. Somos uma geração que nasceu no meio de um grande avanço tecnológico que nos moldou bastante, de forma positiva mas também negativa.”

Alguns autores definem também esta como a geração Zapping, ou seja, que se move depressa e faz as coisas rapidamente. “É a primeira geração a nascer num mundo totalmente digital, no qual as respostas estão na ponta do dedo, num simples clique”, explica Ana Isabel Costa, psicóloga clínica do Centro Catarina Lucas, em Lisboa.

“São jovens que aprenderam, desde a infância, a conviver com e a utilizar computadores, telemóveis, tablets, videojogos, e têm à sua inteira disposição serviços e aplicações, mensagens instantâneas, banda larga, comunicações sem fios.” Mafalda e Bernardo juntam-se aos mais de dois milhões e meio de jovens portugueses desta geração (segundo dados do Instituto Nacional de Estatística), nascidos com a globalização já consolidada, o que proporciona maior liberdade de escolha, inquietação e exigência.

“É uma geração que gosta muito de música, de festivais, de festas, mas que também acredita nos valores importantes. Queremos encontrar o amor, ter filhos e um bom emprego”
Mafalda
18 anos

Segundo o estudo TGI da Marktest referente à vaga global de 2017, “esta é a geração instantânea do YouTube, Instagram, Snapchat e Twitter. Estes jovens são, também, os que mais falam inglês”.

O telemóvel torna-se, inevitavelmente, um objeto inseparável. E se Mafalda tem por hábito colocar no silêncio enquanto dorme, Bernardo opta por deixar o som ligado. No caso da rapariga, imaginar um mundo sem internet é difícil. Começou a fazer pesquisas online com oito anos para procurar vídeos de músicas de que gostava e aceder a jogos em sites infantis.

Mafalda Ribeiro (Foto: Sara Matos/Global Imagens)

“Uns tempos mais tarde criei [uma página no] Facebook, mas também só o usava para jogar Farmville. Acho que só me apercebi das potencialidades da internet uns anos depois.” Atualmente, a internet é uma ferramenta para pesquisar algo que lhe interesse, seja relacionado com viagens, comida ou música, ver vídeos no YouTube e aceder ao Instagram.

Mais emojis do que expressões faciais

O Facebook já é praticamente coisa do passado. “Quase toda a gente da minha geração considera que esta é uma rede social que está a ficar para trás.” A opinião é partilhada por Bernardo e respetivo grupo de amigos: “Julgamos que se deve ao efeito de discussão de vários temas políticos e sociais em que cada pessoa tem muita necessidade em manifestar o que pensa à espera de ter a aprovação dos outros. Começámos a sentir isso a partir da crise económica.” Nos tempos livres, gosta de utilizar o YouTube para ouvir música porque não tem “paciência para descarregá-la no telemóvel”.

Apesar da dependência natural da idade relativamente ao telemóvel, ambos consideram que as relações presenciais não podem ser substituídas pelo mundo virtual. “Complementam-se, mas continuo a preferir sair com a minha namorada e amigos”, enfatiza Bernardo, aproveitando para criticar pessoas mais novas que estão sempre agarradas ao dispositivo, em todo o tipo de momentos sociais, “com a total aprovação dos pais”.

Mafalda assume que não gosta de estar incontactável e que recorre ao equipamento para apontar o número de alguém, ouvir música nos transportes públicos e fazer pesquisas na internet. “Mas consigo estar perfeitamente com os meus amigos sem tocar no telemóvel”, defende.

A componente social e emocional constitui um dos maiores desafios destes jovens, bem como a capacidade de comunicar, criar relação e vínculos, sustenta a psicóloga clínica Ana Isabel Costa. “O relacionamento social ganha uma dimensão mais distante, numa espécie de contrassenso com a possibilidade de conversar com quem está longe, acabando por se perder a oportunidade de socializar com quem está perto, mesmo ao lado, na sua própria casa. Esta geração vive numa realidade com mais emojis do que com expressões faciais, podendo tornar-se mais insegura para travar contacto físico.”

“Esta geração vive numa realidade com mais emojis do que com expressões faciais, podendo tornar-se mais insegura para travar contacto físico”
Ana Isabel Costa
Psicóloga

Outra característica da geração Z é o imediatismo. “Não conseguem e não sabem esperar. Querem obter tudo de forma célere, como se a vida real fizesse parte do mundo virtual onde as coisas podem acontecer com um simples toque de ecrã. Isto pode afetar a perseverança”, acrescenta.

Foto: Sara Matos/Global Imagens

Vítor Sérgio Ferreira é sociólogo e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e não concorda com esta moda das designações geracionais. “Quando a sociologia começou a abordar as gerações, pensava-se normalmente em rutura social associada a um momento de mudança estrutural, ou seja, aconteciam revoluções, guerras e situações específicas que alteravam as condições de socialização dos jovens, tornando-os diferentes relativamente aos seus pais”, refere.

Foi o caso dos baby boomers, a geração que sucedeu à Segunda Guerra Mundial. “É muito claro que grande parte destas designações nascem de consultorias e empresas de comunicação que têm um interesse em levar os jovens a identificá-las com o objetivo de procurar segmentos de consumo, muito relacionados com gadgets tecnológicos. A cada inovação da Apple temos quase uma nova geração em formação.”

Multiplicação de atividades

Da experiência e da prática clínica de Ana Isabel Costa, alguns jovens verbalizam e até acedem a alguma informação via internet ou em palestras a que assistem em contexto escolar sobre a temática, mas “não se autodenominam com esta terminologia”.

Designações à parte, o que se nota é uma segmentação da vida social atual. “Os jovens estão em muito mais espaços, multiplicam-se em atividades e têm mais polos de identificação do que outras gerações. O número de contactos é muito maior, há uma acumulação de redes sociais e isto marca uma diferenciação relativamente aos pais e avós. Estes jovens têm um conjunto de afinidades e de experiências com o mundo muito mais amplo”, considera Vítor Sérgio Ferreira.

É o caso de Bernardo: tirou a carta de condução, esteve envolvido na organização da festa e da viagem de finalistas do 12.º ano no decorrer de 2018, trabalha em part-time aos fins de semana e nas férias, e acaba de entrar em Direção e Gestão Hoteleira na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril. Divide ainda o tempo com os três treinos semanais de futebol federado no Sport Futebol Damaiense e os jogos ao fim de semana.

“Muitos dos meus amigos estão bastante envolvidos em juventudes partidárias, em ações de voluntariado, defendem causas sociais, participam em associações de estudantes ou estão a trabalhar. Estas atividades tornam-nos mais completos e formam a nossa personalidade”, destaca o rapaz.

Mafalda também é caloira e está em Dietética e Nutrição na Escola Superior de Tecnologia de Saúde de Lisboa. O objetivo é ser nutricionista mas quer apostar numa abordagem diferente, mais holística, “centrada na pessoa e nas suas características individuais”. Começou a pesquisar sobre o assunto, a ter algum cuidado ao nível alimentar, e acredita que a comida pode curar ou matar consoante as opções de cada um.

“Segundo as previsões dos especialistas, somos quem mais vai sofrer com cancro, obesidade, problemas cardiovasculares. O facto de perceber que todas essas doenças podem ser evitadas ou, pelo menos, prevenidas, tornou a alimentação saudável numa das minhas necessidades básicas.”

Projetos não faltam aos 18 anos de Mafalda Ribeiro e Bernardo Jesus. Graças ao dinheiro que foi amealhando no trabalho e também com a ajuda dos avós, Bernardo comprou um carro. “Com o que ganho no part-time consigo pagar a gasolina. O objetivo é desafogar os meus pais dos meus gastos.” Mafalda está a ter aulas de código. Ela namora há três anos e sonha ser mãe. Ele assumiu um compromisso há dez meses e sonha ser pai.