WhatsApp: quando a família cede às “tribos”

Texto de Filomena Abreu

É conhecida como a “Seita de São Mamede de Infesta”. Não é perigosa e, ao contrário da música dos Cabeças no Ar, não tem radar. Mas tem algo parecido: um grupo de conversa no WhatsApp para a família “botar faladura”. Até ao momento há 11 elementos aprovados. Sete a viver no Norte, entre Porto e Matosinhos, e quatro em Lisboa. José Ferreira, o mais velho dos cinco filhos de Sadik Jamal e Maria Koch, é unanimemente apontado como o culpado. Foi ele quem criou a Seita e livrou a mãe do fardo de ser a mensageira-mor da informação da tribo. Ainda assim, Sadik assegura que o “politicamente incorreto” continua a ser dito diretamente a Maria. Tudo o resto, onde cabem mais alegrias do que tristezas, é partilhado no grupo, com palavras, vídeos e fotos.

Parece divertido, não é? Mas há regras. Definidas no arranque, já no final de 2014. A entrada na Seita está vedada aos apêndices. “Primeiro é preciso casar e só depois passa a fazer parte da família”, afirma José Ferreira, “el fundador”. Tiago Gonçalves, o marido de Joana Ferreira, outra descendente do casal Sadik-Maria, serve de exemplo. “Eu estava indeciso se casava ou não e esse requisito fez-me dar o passo”, diz, brincalhão. Sadik aproveita e deita achas à fogueira. “Somos uma família muito conservadora e isto serve de incentivo para os namorados tomarem decisões.” A frase espoleta uma gargalhada geral do grupo, que naquele momento fazia uma videochamada entre a Estrela, em Lisboa, e São Mamede, em Matosinhos.

Curiosamente, é neste ponto que uma outra família nunca se entende. São quatro irmãos, que pelos motivos que se seguem preferem não ser identificados. Também têm há anos um grupo de conversa no WhatsApp. Dois deles são comprometidos. Um terceiro é casado. E há um solteiro. Sempre que se fala em adicionar os respetivos companheiros ao grupo acabam a discutir. Metade acha que as coisas devem continuar como estão. A outra metade defende que a família já foi alargada e não devia haver exclusões. Claro que os “respetivos” nem sonham que o assunto vem, de vez em quando, à baila, lá nas conversas do grupo. Caso contrário haveria mal-estar.

“Os desconfortos provocados pelas mudanças são sociologicamente normais” nas “tribos” que crescem no WhatsApp ou no Messenger do Facebook, defende Jean-Martin Rabot, docente na Universidade do Minho. O especialista em sociologia e comunicação social, sociologia do quotidiano e novas tecnologias sublinha que “os grupos de conversa entre irmãos, entre primos, entre mulheres ou entre homens de uma mesma família, excluem os não-irmãos, os não-primos, os não-mulheres, os não-homens”. Em todo o caso, “uns têm uma maior propensão para a extensão e abertura e outros para a restrição e fechamento”.

No caso da Seita as coisas correm bem porque todos sabiam quem podia ou não entrar. E também estavam cientes do objetivo do grupo: esbater a distância entre os 11 que, além de viverem em cidades diferentes, viajam bastante.

“O grupo aproximou-nos. Agora estamos sempre a combinar fins de semana e a tentar encontrar formas para estarmos juntos”, garante Sheila Jamal, outra das filhas de Sadik e Maria. Falam todos os dias. Embora nem sempre sejam assuntos importantes. “As conversas tanto são sérias como banais. Por vezes são mesmo muitas mensagens”, desabafa Sarah Jamal, a mais nova da prole. A mãe Maria esclarece: “Das coisas importantes a gente já está à espera e presta atenção. Mas se ao fim do dia há 100 mensagens por ler eu não vou ver tudo”, confessa.

Pertencer à Seita implica fazer alguma ginástica, conta o pai Sadik com humor: “Já aconteceu estarmos os dois sentados no sofá e ela começar a falar comigo como se eu estivesse a par da conversa do grupo. Como não percebo o que ela me está a dizer, levanto-me, vou ler as mensagens e volto. Já não me sinto perdido.” Para uma família quase toda avessa a redes sociais, este grupo no WhatsApp é visto como um canal privado. Privilegiado. “Não há dúvida de que é a forma mais eficiente de estarmos juntos”, conclui Maria.

As relações virtuais ajudam as reais
Sem querer, cinco primas de Braga chegaram à mesma conclusão. Pertencem a uma família muito grande. Mas elas, talvez por terem idades próximas, sempre foram muito unidas. Terá sido exatamente por se destacarem em termos de afinidade que uma outra prima, mais velha, as convidou para serem as damas de honor no seu casamento. Nessa altura, para facilitar a logística dos preparativos para o evento, criaram um grupo no Messenger do Facebook que incluía a noiva. Eram as “Damas”.

Após o casamento esse grupo deixou de fazer sentido, mas continuaram a falar por ali. Só quando sentiram necessidade de falarem mais à vontade para resolverem um problema de família é que nasceu a atual equipa. Eis a ficha técnica: Catarina Loureiro, 29 anos; Rita Peixoto, 25 anos; Elisabete e a irmã gémea Jéssica Peixoto, ambas com 24; e Daniela Ferreira, com 23. As cinco são “as Zabumbas”. E só elas querem continuar a saber porquê. Neste mundo, garantem, não entra mais ninguém.

Falam quotidianamente. “Às vezes, ao final do dia, quando vou ver as mensagens, não tenho paciência para estar a ler tudo e peço um resumo”, desabafa Elisabete. As restantes primas riem. Sentadas à mesa de um café no do Centro Histórico de Braga, não escondem a cumplicidade que as une. E começam a trocar acusações divertidas: “A Rita tem a mania de ler e ignorar com sucesso o que foi escrito”, atira-lhe Elisabete. “Eu sou a única que lê tudo até ao fim e não peço um resumo”, vinga-se Rita. As gargalhadas são constantes. A saga continua: “Quando ligo a net as mensagens ficam a cair durante dez minutos”, assegura uma delas – e nenhuma das outras a desmente.

“É uma forma de estarmos mais próximas, já que o trabalho nos obriga à separação. É a vida adulta. Desta maneira combatemos a distância”, considera Catarina. As cinco garantem que, desde que reforçaram os laços na rede, estão mais vezes juntas, a tomar café, a jantar, ou simplesmente a combinar como haveriam de juntar o resto da família. O especialista Jean-Martin Rabot tem uma explicação para isso: “As relações ditas virtuais, mediadas pelos ecrãs e pelas ferramentas tecnológicas, são tão reais como as relações presenciais e aproximam realmente as pessoas que a sociedade moderna separou, ao imporem-lhes condições de vida pouco propícias aos encontros, como é o caso das exigências ligadas ao mundo do trabalho.”