Vem aí um bebé. E agora? Como preparar o irmão?

Texto Cláudia Pinto | Ilustração Sérgio Condeço/Who

A chegada de um irmão é um motivo de felicidade para a família mas deve ser preparada pelos pais.

Constança Cordeiro Ferreira, diretora do Centro do Bebé, terapeuta de bebés e conselheira de aleitamento materno na Organização Mundial da Saúde, não gosta do termo «estratégias» nem de complexificar uma situação que considera normal e que faz parte da vida.

«Acho que, por vezes, se complica demasiado. É preciso entender que a vida do filho mais velho vai mudar, não vale a pena escamotearmos isso. Fazê­‑lo crer que tudo vai continuar igual é mentir­‑lhe, porque a chegada de um irmão é de facto uma alteração grande, não só em termos da disponibilidade materna nos primeiros tempos, como a vários outros níveis», explica.

Mãe de três filhos, Teresa, de 11 anos, Afonso, de 8, e Amélia, de 5 meses, a preparação passou por falar muito com os filhos mais velhos. Na segunda gravidez, Teresa soube, desde logo, que a mãe ia ter um bebé, que o bebé ia mamar, e que por isso ia passar muito tempo no colo da mãe.

A gestão do tempo muda com a chegada de um novo filho, mas a terapeuta Constança Cordeiro Ferreira considera que, no final, todos ficam a ganhar.

O mais complicado de gerir foi a vontade enorme de Teresa em participar nas tarefas porque ainda era muito pequena e era preciso atenção redobrada. «Houve naturalmente muita coisa que na altura mudou na vida dela, mas como já havia um grande envolvimento do pai nas suas rotinas e não havia uma divisão muito clara de quem fazia o quê, a adaptação foi muito boa e sem percalços», conta Constança.

A gestão do tempo muda com a chegada de um novo filho, mas a terapeuta considera que, no final, todos ficam a ganhar.

Para Vera Dias Pinheiro, produtora de conteúdos e blogger do As Viagens dos Vs, a segunda gravidez foi vivida de forma diferente da primeira. Mãe do Vicente (5 anos) e da Laura (22 meses), o facto de já ter um filho gerou­‑lhe alguma ansiedade na gestação mais recente. Mas também alguma preocupação.

Para Vera e o marido Bruno, o Vicente «só» ia ter uma irmã, não tinha de deixar de ser a criança que era, com a sua própria personalidade.

«Sei que fiz muito mais esforços. Fui muitas vezes para o parque, joguei à bola, peguei ao colo, havia rotinas com um filho que tinham de ser mantidas. Aquilo que me preocupava era que ele, de repente, deixasse de sentir tanto a minha presença e a minha entrega e muito menos que associasse isso à irmã que iria nascer», afirma.

A blogger optou por ir partilhando informação ao Vicente de acordo com a sua idade e curiosidade. E, no diálogo entre ambos, foram evitadas conversas e frases, não raras vezes utilizadas pelos pais, como por exemplo: «quando a mana nascer, vais ter de cuidar dela» ou «quando a mana nascer, vais ter de te portar bem para ajudar os pais».

Para Vera e o marido Bruno, o Vicente «só» ia ter uma irmã, não tinha de deixar de ser a criança que era, com a sua própria personalidade. Constança concorda com a blogger. «Acho fundamental acabar com a praga de se dizer aos mais velhos “já és crescido”, só porque nasceu um irmão.

As crianças não crescem de repente só porque lhes nasceu um irmão. Muitas vezes continuam a ser pequeninos e acho completamente desajustado dizerem­‑lhes “agora tu é que vais cuidar do/a mano/a” ou perguntarem­‑lhes se vão dar banho ou mudar fraldas, porque obviamente que não vão. Seria muito mais importante reforçar­‑se que a criança continua a ter a sua identidade, continuará a ser cuidada e a ter direito a ser pequena, embora seja a/o irmã/irmão mais velha/o», defende.

«O nascimento de um bebé implica uma diminuição da atenção ao filho mais velho. Mas é fundamental que este último continue a receber atenção e afeto.»

Um dos assuntos que ambos os casais fizeram questão de partilhar com os filhos foi o que implica o nascimento de um bebé. «Sem cegonhas nem histórias», diz Vera. Depois do parto, a primeira visita (ainda no hospital) foi a do Vicente, com todo o tempo para ele e para a descoberta daquela novidade na vida familiar.

«Nesse dia, havia um presente da irmã para ele, algo que quis levar no dia seguinte para a escola, dizendo a toda a gente quem lhe tinha oferecido. Nos dias seguintes, a curiosidade era muita e a incompreensão para muitas coisas também. Para mim, foi muito importante dosear as visitas, manter as rotinas e termos tempo a quatro», explica.

Foi também essa a preparação que Constança e o marido Carlos fomentaram na segunda gravidez, para que Teresa soubesse que, quando chegasse a hora, a mãe teria de ir passar uns dias fora, no hospital onde iria nascer o mano, e que depois viriam para casa, onde foi preciso dar espaço à adaptação natural das rotinas e hábitos na nova vida com um recém-nascido. Na terceira gravidez, tudo foi vivido de forma diferente, e em família. «Estavam os dois muito conscientes, orgulhosos e participativos.»

Não se deve exigir que a criança cresça mais rapidamente só porque teve um irmão. É muito importante que os pais se esforcem para que cada filho tenha um lugar especial na família.

O nascimento de um bebé implica naturalmente uma diminuição da atenção da parte da mãe ao filho mais velho. No entanto, é fundamental que este último continue a receber atenção e afeto.

«Não se deve exigir que a criança cresça mais rapidamente somente porque teve um irmão. É muito importante que os pais se esforcem para que cada filho tenha um lugar especial na família e fomentem uma relação harmoniosa entre os irmãos, baseada em sentimentos positivos. Quando isto acontece, aumenta a probabilidade de as crianças se tornarem adolescentes e adultos mais saudáveis do ponto de vista psicológico e emocional», explica a psicóloga clínica Cláudia Madeira Pereira.

«A maternidade é maravilhosa mas não é isenta de obstáculos, de dor, e por vezes de angústias. Se há coisa que tenho aprendido é precisamente a descomplicar», diz a blogger Vera Dias Pinheiro.

Este foi um tema sobre o qual Vera já escreveu várias vezes no seu blogue (ver aqui), mas sob diferentes ângulos. Foi a forma que encontrou de fomentar as partilhas das mães, por considerar que «a maternidade é maravilhosa mas não é isenta de obstáculos, de dor, e por vezes de angústias. Se há coisa que tenho aprendido é precisamente a descomplicar. Muitas vezes, estamos tão focadas na teoria, nos livros, nos workshops, que nos esquecemos de que as melhores fontes de aprendizagem são os nossos próprios filhos», explica.

Em todo este processo, é essencial que os pais estejam em sintonia nas decisões a tomar e na forma como pretendem preparar o filho para o nascimento de um bebé. No caso de Vera e Bruno, e de Constança e Carlos, tudo foi articulado em conjunto. Até porque podem surgir retrocessos nas crianças mais velhas, como o voltar a querer mamar, a utilizar chucha, voltar a fazer chichi na cama, ou até chamadas de atenção, como aconteceu com Vicente, certo dia, que acabou por presentear os pais com pinturas na parede da casa de banho ou na cadeira da papa da irmã.

A reação do mais velho pode não ser logo esfuziante, e não faz mal. E, por mais que julguemos e queiramos, não vai ser possível fazer tudo como fazíamos antes.

«Foi na parte da amamentação que o Vicente mais se ressentiu em relação ao tempo que a irmã passava comigo. Era nesses momentos que tudo acontecia: as maiores birras, a vontade súbita de ir à casa de banho, os copos de leite entornados à minha frente… Não vou mentir: os primeiros meses, até que o bebé chegue a uma fase mais madura e que seja um pouco mais independente, são complicados», partilha Vera.

Constança recebe alguns pais no Centro do Bebé com as preocupações, inerentes às adaptações das rotinas da criança mais crescida, com o nascimento de um irmão, ou relativamente à disponibilidade para acalmar ou amamentar o recém­‑nascido e, ao mesmo tempo, ter um mais velho em casa que também precisa de atenção na hora de dormir ou que lhe contem uma história.

«Muitas vezes é uma reordenação do puzzle, é montar as peças de outra forma, porque agora há uma peça nova… o bebé», diz a terapeuta. No seu trabalho com os pais, ajuda­‑os a reorganizar tarefas e a encontrarem momentos de harmonia, bem­‑estar e felicidade entre todos os membros da família.

Não menos importante é ajustar expetativas. «A reação do mais velho pode não ser logo esfuziante, e não faz mal. E, por mais que julguemos e queiramos, não vai ser possível fazer tudo como fazíamos antes: não vai ser possível estarmos cem por cento disponíveis para o filho mais velho pela simples razão de que agora temos um recém­‑nascido que precisa de nós. Acho pedagógico explicar isto aos mais velhos: crescerem a aprender que os bebés quando nascem precisam muito de colo, de maminha e de estar ao pé das mães», diz Constança.

Se ajudar, a terapeuta aconselha a que se recorra a exemplos da natureza, dizendo que as crias pequenas estão sempre coladas às mães, as mais crescidas já se aventuram um pouco mas têm sempre lugar no colo da mãe quando querem vir descansar um pouco. É que o colo dos pais não acaba, haja um, dois, três ou mais filhos.

Veja os conselhos da psicóloga Cláudia Madeira Pereira para que o nascimento de um irmão seja vivido de forma positiva através da fotogaleria em cima.