Rui Cardoso Martins

Um jornalista em crise

João Vasco Correia

De qualquer maneira, não seria fácil escrever uma notícia clara. Eu, que assisti a uma sessão do julgamento, não estou bem certo do que Alberto fez. Sei, no entanto, que vem na sequência da acelerada quebra de receitas e de leitores dos últimos anos. Menos pessoas a comprarem no papel e muitas outras que se convenceram de que a informação é grátis como um clique de computador. E depois o ataque – é normal dizer “sem precedentes”, mas há sempre precedentes… – dos poderes políticos contra a imprensa, chamando (a administração Trump e, com ela, muitos governos pelo mundo) “fake news”, notícias falsas, ao trabalho independente dos jornalistas. A crise da imprensa levou a crise à casa de Alberto. Mas no quadro geral não cabem todos os particulares.

Alberto foi acusado de uma dívida de milhares de euros em cheques que passou de uma empresa na qual trabalhara. “Após ter emitido os cheques, usou o subterfúgio de denunciar o seu desaparecimento por motivos de roubo.” Isto é, o banco cancelou o pagamento. Agora está no tribunal, num pullover azul de cotoveleiras roxas, cabelo cor de crude, a discutir um cheque de 33 mil euros, depois de alegadamente ter fingido o seu roubo.

– Estávamos em 2011, na altura da crise financeira, aqueles anos terríveis em que os bancos não emprestavam dinheiro a ninguém.

Foi-lhe apresentada, como sócio minoritário, uma solução para “podermos fazer o financiamento através de outra empresa”.

– O único sócio que tinha o nome limpo no banco era eu. Eu emprestei os meus cheques, de 60 mil euros.

Isto é, pediu um empréstimo para poder emprestar à empresa o dinheiro com que esta lhe pagava! Um “roulement” de cheques.

– Nós contribuíamos para o financiamento da empresa através do nosso ordenado.

Mas as dívidas deram lugar a zangas.

– Eu era director editorial da empresa. Em Julho de 2011 sou despedido. Recebo carta de extinção do meu posto de trabalho. Aquele cheque que está como garantia no banco também têm de me devolver porque já não pertenço à sociedade!

Alberto, que já vendera a sua quota, achou que a sua dívida estava incluída nessa venda. E que os cheques pré-datados (a começar pelo de 33.700 euros) nunca serviriam para levantar, só como garantia. Perceberam ou nem por isso? Eu também não…

– Fui alvo depois de um assalto. Desapareceram dois portáteis, cheques, documentos que ainda hoje me fazem falta. Quando fui ao balcão, anulei a caderneta toda. Anulei os cheques todos, os 13.

– Porquê?

– O gerente do banco aconselhou.

– Qual era o problema se não tivesse anulado estes em concreto?

– O gerente disse que era melhor anular todos os cheques.

– Mas estes sabia que tinham sido passados. Roubados, não.

– Sim, mas esses não eram para serem levantados.

– Mas podia ter dito: “Olha que dei baixa dos cheques.”

– Nunca mais falei com o senhor. Fiquei pasmado quando soube que os cheques tinham tentado ser levantados.

É uma formulação curiosa, porque sugere que os cheques têm vontade própria (talvez seja verdade). Uma pessoa que financia o próprio pagamento de assalariado deve esperar o pior.

– Eu… ao ter saído da empresa eu… emprestei uma coisa e esperei que isso me fosse devolvido. Não pensei, porque não devia nada a ninguém. Quem me assaltou não arrombou portas. Foram pessoas que trabalhavam lá.

Alberto é licenciado em Comunicação Social.

– Não cheguei a acabar. Trabalhei em jornais e revistas ao longo de muitos anos. Como a internet estragou o negócio da comunicação, pelo menos nos moldes em que eu trabalhava, agora estou mais ligado ao turismo. Faço comunicação ligada ao turismo.

O turismo sempre, agora. Ganha ordenado mínimo mais comissões. Dois filhos, um divórcio. Até os cheques pré-datados cheiram a esse tempo antigo que quase acabou com a internet, melhor, que a internet quase fez acabar.

– Era uma situação muito difícil.

E vai continuar a ser.

O autor escreve de acordo com a anterior ortografia