E se Trump tiver danificado o cérebro das crianças migrantes para sempre?

Larry W. Smith/EPA

Texto de Ana Tulha

As imagens e sons correram o Mundo: crianças enjauladas, choros copiosos, o desespero em rostos onde a confiança há muito não mora. Aconteceu na fronteira entre os Estados Unidos e o México, no seguimento da política de separação de pais e filhos migrantes. A reação interna e da comunidade internacional foi massiva e Donald Trump, presidente americano revogou a prática em vigor a 20 de junho.

As consequências, essas, são bem mais difíceis de eliminar. Se o impacto emocional, derivação lógica dos fantasmas de uma experiência traumática, é mais ou menos óbvio, o futuro pode trazer outras repercussões negativas, nomeadamente ao nível do funcionamento do cérebro. Nalguns casos, garantem os psicólogos, os danos podem ser permanentes.

“Este tipo de trauma pode afetar os cérebros das crianças e, potencialmente, o desenvolvimento a longo prazo”, garantiu Colleen Kraft, presidente da American Academy of Pediatrics, no Spotlight Health Festival.

Em abril, Colleen foi autorizada a visitar um abrigo para refugiados, na fronteira dos Estados Unidos. Lá, encontrou uma divisão repleta de crianças a gatinhar e um silêncio sinistro, rasgado pelo pranto de uma menina que batia desesperada com os punhos no tapete. “Uma funcionária tentou confortá-la com livros e brinquedos, mas não estava autorizada a pegar nela ou sequer a tocar-lhe. Podemos perceber o trauma que advém daqui”, partilhou a psicóloga.

De acordo com estudos do National Scientific Council on the Developing Child, citados pela revista americana The Atlantic, a prevalência de elevados níveis de cortisol, uma das hormonas relacionadas com o stress, pode suprimir o sistema imunitário e mudar a arquitetura de um cérebro em desenvolvimento. Uma outra hormona relacionada com o stress, a corticotrofina, pode danificar o hipocampo, que tem um papel fundamental na aprendizagem e na memória.

Colleen Kraft descodifica o processo: “Em crianças normais e saudáveis, as ligações relacionadas com a aprendizagem, as brincadeiras e as capacidades sociais formam-se durante os primeiros anos de vida. Mas em crianças com stress contínuo, as ligações mais fortes são as relacionadas com o medo e a ansiedade.”

Depois, à medida que as crianças crescem, o cérebro começar a cortar nas ligações mais fracas, mantendo apenas as mais fortes. E, explica a psicóloga, se nas crianças saudáveis o cérebro mantém ligações relacionadas com a aprendizagem e a resiliência, apagando os pequenos percalços, nas crianças que sofreram de stress tóxico as ligações mais duradouras vão ser as que envolvem medo e ansiedade.

Kraft garante mesmo que muitas crianças que passam por experiências deste género “não desenvolvem discurso, não desenvolvem vínculos emocionais, não desenvolvem funções motoras fundamentais”. E conclui: “Provoca um atraso muito significativo no desenvolvimento.”