Tiago Brandão Rodrigues: «A política continuará a nortear a minha vida e a ciência faz parte de mim»

Entrevista Paulo Farinha | Fotografias Gonçalo Delgado/Global Imagens

Cresceu entre Paredes de Coura e Braga, doutorou­‑se em Bioquímica em Coimbra, fez investigação em Madrid, Dallas e Cambridge e agora é ministro com sede em Lisboa – é a primeira vez que é fotografado no novo gabinete, na Avenida 24 de Julho, em frente ao Tejo – mas passa boa parte do tempo a visitar escolas pelo país todo. Tiago Brandão Rodrigues prepara­‑se bem para as entrevistas e gosta de ter os números na ponta da língua – nem que tenha de consultar apontamentos que rabiscou antes numa letra impercetível. E nem nas perguntas mais pessoais perde o discurso de político.

Sempre teve interesse por política mas nunca se filiou em nenhum partido. Essa influência direta nos destinos do país só chegaria com o convite de António Costa para ser cabeça­‑de­‑lista por Viana do Castelo nas legislativas de 2015. Isso alguma vez lhe tinha passado pela cabeça?
Eu não estranho os partidos políticos. O facto de nunca me ter filiado num partido não significa que ostracize ou secundarize ou estigmatize o trabalho aí feito. Pelo contrário. Eu é que fui fazendo a minha vida política não filiado.

Ficou surpreendido com o convite? E com o que António Costa sabia do seu percurso académico?
Tinha ficado positivamente surpreendido no ano anterior, quando nos conhecemos em Paredes de Coura. Eu estava de férias da minha vida científica em Inglaterra e António Costa estava em campanha eleitoral nas primárias do PS. O meu percurso era público e tinha visibilidade, mas fiquei feliz com o facto de ele conhecer o meu trabalho.

Pensou muito antes de lhe dar uma resposta?
Pensei com força.

Durante muito tempo?
Não consigo precisar. Essas coisas são do foro íntimo e quando alguém nos faz um convite desta natureza temos de decidir, connosco e com uma ou duas pessoas mais próximas.

Quem consultou na altura?
Os que estavam na minha intimidade mais próxima. A minha mãe e o meu irmão estiveram nesse grupo de pessoas. Mas foi um grupo muito restrito que eu quis trazer até mim para robustecer a minha decisão. António Costa deu­‑me tempo suficiente, mas por muito que nos deem um mês, um ano ou dois para tomar uma decisão dessas, esse tempo pode esfumar­‑se. Eu sabia que aquilo poderia ser um momento de inflexão da minha vida. Eu estava em Cambridge, uma cidade absolutamente fantástica, numa atividade recompensadora, com todos os graus de liberdade que se pode imaginar numa vida com uma compensação salarial.

Nunca exijo aos outros o que não exijo a mim. E sou extremamente exigente comigo, na quantidade e na qualidade do trabalho.

Foi ganhar menos dinheiro, presumo.
Eu não consigo quantificar porque a vida lá também é mais cara.

Dizem que é difícil estar ao nível do seu ritmo de raciocínio e das coisas que quer ver feitas. É verdade? Às vezes tem de andar mais devagar para que os outros o acompanhem?
Isto deve perguntar às pessoas que me rodeiam.

Já perguntei. Agora gostava de ter a sua opinião.
Nunca exijo aos outros o que não exijo a mim. E sou extremamente exigente comigo, na quantidade e na qualidade do trabalho. Mas também na audácia, no arrojo e na capacidade de compromisso total relativamente ao que fazemos. Mas quando é preciso esperamos uns pelos outros, para podermos chegar lá. Como equipa, todos juntos.

É uma resposta muito diplomática. Telefona para a sua equipa mais próxima a qualquer hora?
A qualquer hora não. A menos que haja necessidade. Mas as relações que estabeleço com as pessoas que trabalham comigo, secretários de Estado, a minha chefe de gabinete, os meus adjuntos, são verdadeiramente biunívocas. Eu não faço nada com eles que eles não façam comigo. Agora, também lhes peço que a partir de determinada hora mandem uma mensagem a perguntar «ainda posso ligar?»

É um workaholic?
Não sou um workaholic, com esse sentido menos positivo, mas estas funções, pelas suas caraterísticas, impõem dedicação plena e exclusiva.

A que horas costuma chegar a casa?
Habitualmente doze minutos depois de sair daqui. Porque a essa hora nunca há trânsito.

E quantas horas passa no ministério?
Digamos que são poucos os dias em que chego a casa no mesmo dia em que cheguei aqui.

Vive sozinho?
Vivo.

Cozinha em casa? Faz jantar ou come qualquer coisa para desenrascar?
As refeições são um momento de partilha, o que significa que…

… significa que como vive sozinho não tem com quem partilhar. É o habitual?
Muitas vezes uso as refeições para trabalhar também. É bom poder trabalhar com pessoas de quem gostamos e cuja amizade se foi alicerçando.

O ritmo acelerado que leva, as muitas horas que passa aqui, as refeições fora de horas… Isso deve refletir­‑se na sua saúde. Ganhou peso, nestes anos… Quanto, desde que chegou ao ministério?
Diria que menos de uma arroba [15 quilos]! [risos]. Tudo o que fazemos deixa marcas para o futuro, inclusivamente a alimentação e a falta de exercício. Claro que há aqui uma conjugação de fatores. Eu já tinha uma vida stressante, agitada e de muito trabalho, mas as responsabilidades agora são diferentes. E cheguei aos 40.

Isso bateu aí um bocadinho.
Bate­‑nos a todos. Não é só a mim. Sair dos trintas e entrar nos quarentas é chegar à idade adulta, sólida. Já não somos jovens adultos.

«Vivi toda a vida rodeado de professores. Alguns dos meus melhores amigos e a maioria dos amigos dos meus pais são professores, no ativo ou já aposentados. O mundo das escolas e o mundo vivido pelos docentes não me é estranho.»

Esta entrevista estava agendada para outra hora [são 17h00]. Se tivesse sido mais cedo, cheguei a pensar em convidá­‑lo para almoçar numa cantina escolar.
Eu vou muitas vezes. Aliás, como fiz sempre durante a minha vida escolar. E olhe, hoje ainda não almocei.

Não o fiz porque teria de avisar. E possivelmente preparavam uma refeição especial para o ministro da Educação e lá se ia o fator surpresa.
Mas é assim que nós estamos a fazer. Os pais poderem aparecer sem avisar.

Se eu dissesse numa escola que levava o ministro da tutela para almoçar, aposto que preparavam uma refeição especial. Ou com outro cuidado, vá.
Eu não acredito verdadeiramente nisso. Sempre que eu vou comer às escolas, como da mesma comida. Pode dizer­‑me que, provavelmente, como sabem que nesse dia o ministro vai almoçar, a dose ou a qualidade são reforçadas, mas muitas vezes isso não estava previamente equacionado. Como a visita se estende, sou eu que às vezes digo: «E se almoçássemos, senhor diretor?» E eu tenho de lhe dizer que a qualidade média das nossas refeições é enorme.

Do ponto de vista nutritivo, sim. Mas quanto ao sabor…
Podemos pensar como estamos a educar as novas gerações. Para que tipo de alimentação, para que tipo de estímulos e para que tipo de riqueza alimentar. Temos vindo a fazer, em Portugal, um processo de redução do sal no pão, por exemplo. Se compararmos o pão que temos com o que tínhamos há quarenta anos, agora é aparentemente menos saboroso. Fizemos uma redução gra­dual. A comida nas escolas passa pelo mesmo. Temos, nas nossas escolas, cerca de quatro milhões de refeições servidas todas as semanas, seiscentas mil refeições servidas todos os dias. Robustecemos as parcerias, fizemos cadernos de encargos, aumentámos a qualidade e a fiscalização e a possibilidade de reporte por parte das famílias…

Muitos alunos queixam­‑se do sabor.
Muitas vezes confundem­‑se conceitos. Em cada delegação regional do Ministério da Educação existem equipas que estão única e simplesmente centradas na qualidade das refeições escolares. Mas os nutricionistas são os primeiros a dizer que as nossas crianças não devem comer quantidades exageradas, não devem privilegiar as gorduras, etc. Muitas vezes, o conceito que temos sobre o que é uma boa refeição nem sempre é o certo. Muitas direções das escolas têm feito um trabalho de sensibilização na educação para a alimentação saudável junto dos alunos, principalmente os mais pequenos. E há também um trabalho com as famílias. Para lhes explicar que a comida não é tão saborosa como em muitos dos nossos restaurantes porque isso nas cantinas escolares não seria uma opção adequada.

As refeições escolares estiveram debaixo de atenção no último ano. Era um dos problemas que antecipava?
Eu não fiz futurologia quando aqui entrei.

Mas quando tomou posse, em novembro de 2015, sabia que iria enfrentar uma série de dossiês sensíveis – como todos os seus antecessores no cargo. A colocação dos professores, os concursos, os modelos de avaliação, a renovação do parque escolar, etc. Houve algum assunto a que teve de dar atenção e com o qual não contava?
Temos feito caminho em todas essas áreas. Os últimos anos letivos abriram a tempo, temos diversidade, temos inclusão, temos valorização. Isso faz que entendamos que o Serviço Nacional de Educação está a cumprir o seu trabalho. Por outro lado, promover o sucesso escolar, por outro lado incluir e ser para todos, mesmo.

E surpresas, houve?
Havia algo que eu sabia e que depois pude reafirmar com um conjunto de passos que demos. Sabia que o mundo da educação não ganha nada se estiver recheado de beligerância. A beligerância, a conflitualidade com os atores da educação, sejam alunos, famílias, professores, organizações sindicais ou profissionais, não traz nada de bom. Pelo contrário, faz perder muito tempo. Cada um faz o seu trabalho: os partidos políticos, as confederações de pais, o governo… Se cada um cumprir o seu trabalho, isso é uma mostra da nossa maturidade democrática e torna­‑se mais fácil vencer a inércia em muitas mudanças e transformações que temos de fazer.

Eu fui a quase cem escolas no primeiro ano e meio [de governo]. Fui, em média, a duas escolas por semana. Já me encontrei com todos os diretores do país. São 811 agrupamentos.

Com que frequência fala com Mário Nogueira [líder da Fenprof]? Há uns meses que não falam.
Não sei. Eu e a minha equipa falamos com uma frequência absolutamente anormal para aquilo que era a normalidade aqui no Ministério da Educação.

Têm reuniões a dois ou sempre na presença de mais pessoas?
As reuniões são sempre com mais do que uma pessoa. Mário Nogueira, que é professor de uma das nossas escolas públicas, é o secretário­‑geral de uma das federações de sindicatos. Existem outros e este ministério articula­‑se e dialoga com todos.

Eu falo de Mário Nogueira por ser o líder da maior confederação de sindicatos da educação do país. E o mais mediático.
Não só da educação. A educação tem a primazia do mundo sindical, porque temos a maior massa de trabalhadores da administração pública.

Mas nunca tem uma reunião a dois com o professor Mário Nogueira? E se ele o convidasse para almoçar?
Na minha vida privada, poderia fazê­‑lo. Mas no nosso trabalho, se eu almoçasse o professor Mário Nogueira tinha de ter pelo menos onze almoços diferentes. Tinha de reservar duas semanas por causa de todo o trabalho equitativo que fazemos, independentemente da dimensão de representatividade dos sindicatos ou das federações de sindicatos. Agora há uma coisa fundamental, este governo e este ministro não se deixam instrumentalizar por ninguém. E é muito importante termos sindicatos que não se deixem instrumentalizar por nenhum partido político nem por nenhum governo. Enquanto assim for, estamos todos a fazer o nosso papel.

Mas há sindicatos que estão mais ligados a determinados partidos. E vai continuar a ser assim.
Uma coisa é determinadas organizações sindicais sentirem­‑se ideologicamente próximas de determinado partido político, outra coisa é instrumentalização. Quando os sindicatos estiverem instrumentalizados por partidos políticos estamos a perder como sociedade.

Como lhe chega a informação do que se passa nas salas de aula? Pelos professores, pelas direções regionais?
Eu fui a quase cem escolas no primeiro ano e meio [de governo]. Fui, em média, a duas escolas por semana. E agora continuo a ir. Por quem é que me chega a informação do que acontece nas escolas? Primeiro, pelo contacto direto com diretores e associações de diretores. Eu já me encontrei com todos os diretores do país. São 811 agrupamentos.

Esteve com todos?
Se eles faltaram à reunião, essa é outra questão. E quando não é comigo, é com os meus secretários de Estado ou com os meus dirigentes. Cada direção de cada um dos agrupamentos ou das escolas não agrupadas já teve a possibilidade de estar com o ministro da Educação. E quando falo de professores, falo também de sociedades científicas, associações de professores, as confederações de pais.

Lia o blogue do Paulo Guinote?
Paulo Guinote é um professor?

É professor de História, tinha um dos blogues mais lidos nesta área, A Educação do Meu Umbigo.
As minhas fontes fidedignas de informação relativamente à educação são outras. A informação chega­‑me por contacto direto ou por fontes oficiais. Sou um grande adepto das redes sociais e da blogosfera, mas sempre que me encontro com a blogosfera é em momentos de ócio e de lazer.

E nesses momentos de ócio e de lazer, o que vê na blogosfera?
Eu vivi oito anos em Madrid e quase seis no Reino Unido. Esses países fazem parte de mim, o que implica que passe também muito tempo de ócio a ver coisas de outros paí­ses. Há de tudo. Mas acima de tudo música e muita política internacional, no melhor sentido da palavra, de gente que vai descrevendo o que vai acontecendo.

O Sérgio Godinho certamente não sabe, mas já passou muito tempo comigo. Muitas das coisas que escreve eu vou identificando em muitas das coisas que me vão acontecendo na vida.

A música é muito importante na sua vida. Tem uma banda sonora para a sua entrada na política ativa?
Não. A minha vida foi feita de muitas mudanças. Vivi em Coura, depois fui para Braga, Coimbra, onde habitei e coabitei em vários espaços, como a Rádio Universidade, a Associação Académica, as repúblicas. Fiz Erasmus em Madrid, estive em Dallas, depois no Reino Unido. Podia ter muitas bandas sonoras.

Mas tem um músico cujas canções podiam fazer a banda sonora da sua vida.
Sim, o Sérgio Godinho. Ele certamente não sabe, mas já passou muito tempo comigo. Muitas das coisas que escreve eu vou identificando em muitas das coisas que me vão acontecendo na vida.

Tem uma playlist no seu telemóvel?
Tenho. Mas acima de tudo tenho programas de rádio, que fazem a playlist por mim. Eu ouço principalmente duas rádios, durante todo o dia: a Antena 1 (que já ouvia em Madrid e em Cambridge) e a Rádio 3 espanhola. E também oiço muito a KCRW, uma rádio americana que tem um programa de que gosto muito, o Eclectic 24.

Está sempre a ouvir música?
Muitas vezes.

Nunca se ouviu tanta música neste ministério como agora.
Se algum ministro passou aqui 24 horas por dia a ouvir música, ouviu mais música do que eu. Mas sim, ouço muita música e ponho as pessoas à minha volta a ouvir música. E partilho música com elas.

Sei que levou a sua mãe à final da Eurovisão. O apreciador eclético ficou com os cabelos em pé com a canção vencedora?
Acho que a minha mãe gostou de ter ido, por todas as memórias que as «eurovisões» do passado lhe vão trazendo e que fazem parte das nossas conversas. Eu gostei que a minha mãe tivesse ido comigo e acabei por aproveitar aquela noite diferente. Sendo um in­curável amante de música, achei que ia gostar de estar naquele momento, também porque sabia que ia ser certamente uma organização portuguesa de elevado nível. E foi! Quanto a muitas das canções, é importante ser flexível…

Se me pergunta se tem mais peso no currículo ser de Coura ou ser ministro da Educação, muito provavelmente lá em Coura dizem: «Ser ministro da Educação courense.»

Cresceu em Paredes de Coura. Regressa todos os anos para o festival?
Sim. Já falhei por estar no estrangeiro ou em viagem de trabalho, mas em 25 edições devem ser menos do que os dedos de uma mão as vezes que não fui.

É amigo dos fundadores, o João Carvalho, o Carlos Loureiro, o Vítor Paulo…
Sou. E do José Barreiro, que é também o diretor do Primavera Sound. E do Filipe Lopes. Eu sou mais novo do que eles. Eles é que começaram, inicialmente como associação cultural.

Teve algum papel na fundação do festival? Eu ia perguntar­‑lhe o que tinha mais peso no currículo: ministro da Educação ou cofundador do Festival Paredes de Coura, mas se calhar a pergunta cai por terra.
Não fui cofundador do festival. Fui à primeira edição, mas não sou cofundador. Agora se me pergunta se tem mais peso no currículo ser de Coura ou ser ministro da Educação, muito provavelmente lá em Coura dizem: «Ser ministro da Educação courense.»

O Vítor Paulo, atual presidente da câmara, diz que a coisa mais maravilhosa que o festival deu às pessoas foi autoestima. Concorda?
Coura é um sítio muito peculiar, muito pequeno. Um concelho com menos de dez mil pessoas. E o festival representa muito para aquele território porque as pessoas começaram a acreditar que era possível. E trouxe uma vitalidade económica que aquele território não tinha. Tudo associado, fez que as novas gerações de courenses se aventurassem a ir para o ensino superior ou a serem empreendedores. E a câmara municipal a sentir a necessidade de ter ensino articulado. E os clubes da terra a terem cada vez mais desportos. Acho que aqui há uma causa evidente em tudo. Muito provavelmente o facto de aqueles jovens terem tido a iniciativa apoiada na altura pela câmara também acontece porque a geração dos meus pais era uma geração especial, absolutamente aberta e empreendedora, que tinha organizado eventos de música pop rock nos anos 1970. Estes jovens, que foram os verdadeiros feitores do festival, quando chegaram ao presidente da câmara pela primeira vez e disseram que precisavam de xis dinheiro para começar, tiveram alguém atento e a dizer «sim, vamos para a frente».

Gostava de envelhecer em Coura? Ou preferia envelhecer em Cambridge? Ou em qualquer outro grande centro académico e de investigação?
Acho que todos aqueles que conhecem Coura, mesmo os que não são de lá, não se importariam de lá envelhecer.

O seu irmão e a sua mãe vivem em Paredes de Coura. O seu irmão é veterinário, um dos maiores especialistas mundiais em burros. O João sabe mais sobre reivindicações dos professores e currículos de ensino ou o Tiago sabe mais sobre burros?
Ambos nos mantemos muito atentos à atividade profissional um do outro. O meu irmão é académico, tem muita obra publicada e trabalho feito sobre burros, para uma fundação inglesa chamada The Donkey Sanctuary. Corre o mundo inteiro a lidar com animais de trabalho. Colabora com equipas internacionais que vão aos sítios onde os animais de trabalho são absolutamente fulcrais para as economias familiares.

Quantas vezes por semana falam os dois?
Menos do que gostaríamos, mas as vezes suficientes para mantermos finamente o azimute alinhado.

«Já trabalhava com cancro quando a minha mãe teve cancro. Isso deu­‑me, acima de tudo, serenidade para saber que o que é da ciência é da ciência e o que é dos médicos é dos médicos.»

E com a sua mãe, fala todos os dias?
Falo muito. Mas não todos os dias. Curiosamente, quando estava em Cambridge falava todos os dias. Tinha pelo menos meia hora de viagem de casa para o trabalho e do trabalho para casa e aproveitava nessa altura.

A sua mãe está reformada do ensino. A professora Maria José dá conselhos ao ministro da tutela, sobre uma área que ela conhece bem? E onde ela trabalhou durante muitos anos.
Não. Para a minha mãe eu sou, em cem por cento do tempo, filho dela. Mas ela tem um conhecimento alicerçado e vai seguindo com minúcia as políticas do Ministério da Educação. Obviamente que nas nossas conversas em privado vai comentando, referendando, e 99 por cento das vezes vai homologando e promulgando aquilo que eu vou fazendo.

A sua mãe às vezes diz­‑lhe coisas que não gostava de ouvir?
A minha mãe nunca teve dificuldades em me desacomodar. Mas vindo dela, nunca nada do que me disse, por muito que não seja aparentemente agradável, me incomodou. O que ela me faz sempre é abrir espaço para pensar.

Ser filho de uma professora faz de si um melhor ministro que tutela os professores?
Não. Habitualmente os ministros da Educação eram pessoas nos seus 60, 70 anos e oriundos da academia. O meu caso é diferente. Eu vivi toda a vida rodeado de professores. Alguns dos meus melhores amigos e a maioria dos amigos dos meus pais são professores, no ativo ou já aposentados. O mundo das escolas e o mundo vivido pelos docentes não me é estranho. E isto faz que eu tenha um profundo respeito pela atividade e pelo trabalho dos professores. Não é de agora – é absolutamente estrutural, não é conjuntural. E em nada o trabalho que tenho vindo a desenvolver e a minha relação como todos os atores da educação tem abalado este respeito.

A sua mãe teve um cancro há uns anos. O facto de ter feito investigação na área da oncologia ajudou­‑o a posicionar­‑se melhor e a enquadrar a doença dela de forma diferente?
Eu já trabalhava com cancro quando a minha mãe teve cancro. Isso deu­‑me, acima de tudo, muita serenidade e tranquilidade para saber que o que é da ciência é da ciên­cia e o que é dos médicos é dos médicos. Eu ali era só filho dela e mantinha a minha confiança em quem sabe muito mais do que eu: os médicos que a trataram. Isto sem deixar de olhar de frente para o que é o cancro e sem ter medo de falar com ela sobre o cancro da mama que era preciso enfrentar.

E a doença do seu pai? Como é que isso o moldou a si e ao seu irmão?
O meu pai faleceu em 2010. Aos 29 anos, quando o meu irmão tinha 6 meses e eu tinha 5 anos, teve um AVC. Na sequência disso teve afasia, que depois se revelou permanente. Fez fisioterapia e terapia da fala durante anos e voltou à sua ocupação na repartição de finanças onde trabalhava. Mas a linguagem ficou sempre comprometida.

Isso marcou­‑vos bastante.
Muito. Eu faço e mimetizo os gestos que o meu pai fazia porque ele não tinha uma língua gestual portuguesa formal. Foi desenvolvendo uma ao longo do tempo e muitos dos meus gestos hoje são gestos como ele fazia, para nos explicar muitas das coisas. Este gesticular todo – e que muitas vezes não é compreendido na política, porque parece que há única e simplesmente vivacidade e assertividade – é a marca do sotaque carregado do meu pai. E eu não tinha noção disso até me ver pela primeira vez na televisão.

Li algures que foi monitor de colónias de férias.
Sim, fui animador em campos de férias durante quatro anos.

Isso ajuda a explicar o fenómeno de hoje em dia se dar tão bem com crianças, quando vai às escolas? Fala com os miú­dos, senta­‑se ao lado deles, faz brincadeiras…
Sim, talvez. Ou se calhar fui bom animador de campos de férias porque já gostava de crianças. Eu tento gerar empatia com as crianças.

Fez karaté e andebol quando era adolescente. Atualmente pratica desporto a um nível regular?
Pouco. E muitas vezes forçado. Mas tenho um compromisso comigo mesmo de rapidamente fazer que algumas das horas de trabalho se transformem em horas em que cuido de mim através do desporto.

E onde vai buscar essas horas?
Pode ser que algum dos meus colaboradores se aventure a correr comigo ou a praticar desporto. E de vez em quando vou jogar futebol com amigos, quando estou em Coura.

«O que aconteceu na Academia do Sporting foi um crime. O crime não tem lugar no desporto e os criminosos não podem ter lugar dentro ou perto do desporto. A lei não tolera criminosos e os clubes cumpridores da lei não podem tolerar criminosos.»

É bom a jogar à bola?
Não necessariamente. Mas sempre fui um bom desportista, durante seis anos fui trabalhar de bicicleta, quando estava em Cambridge.

Tutela também o desporto – além da juventude. Isto depois de em 2012 ter sido adido olímpico nos Jogos de Londres. Muito antes de saber que seria o ministro com essa pasta.
O Comité Olímpico de Portugal [COP] pediu ao embaixador de Portugal em Londres um conjunto de pessoas reconhecidas na comunidade, que conhecessem bem a realidade inglesa e que fossem proativas. As coisas correram bem e acabaram por ser sete das semanas mais maravilhosas da minha vida, em que pude ajudar o COP e os atletas portugueses. Mal eu sabia que ainda iria tutelar o desporto. Quatro anos depois fui ao Rio de Janeiro, já em exercício de funções. E agora que já estive do lado de lá entendo melhor as vicissitudes e as preocupações e como podemos trabalhar em conjunto para melhorar o desporto de alta-competição em Portugal.

O futebol ocupa uma grande fatia da atenção dada ao desporto de alta-competição. Preocupa­‑o todo este frisson?
O futebol move paixões. Economicamente, é uma das atividades que mais mexem em Portugal e tudo isso tem consequências. O que temos de fazer, acima de tudo, é ter moderação. E agir para que todo e qualquer exemplo de violência, que não tem lugar no desporto, passe a ser absolutamente secundário. Quem ama o desporto, quem entende o que é o desporto, mesmo o mais profissional e competitivo, não pode aceitar isto. A violência deve ser absolutamente erradicada.

O que aconteceu na Academia do Sporting, em Alcochete, ultrapassa todos os limites. Acha que os responsáveis devem ser proibidos de entrar em recintos desportivos? Como se controla isto?
O que aconteceu na Academia do Sporting foi um crime. O crime não tem lugar no desporto e os criminosos não podem ter lugar dentro ou perto do desporto. A lei não tolera criminosos e os clubes cumpridores da lei não podem tolerar criminosos.

E a violência verbal dos comentadores nos programas de análise desportiva? Isso não o preocupa? Bem como toda a quantidade de programas. Isso é bom ou mau? Vai­ dizer‑me que depende das direções de informação…
Essa, como deve entender, não é a nossa responsabilidade. Mas acompanhamos. Temos falado com a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, com o Sindicato dos Jornalistas e com um conjunto de entidades. E posso dizer uma coisa: eu não os vejo e não acompanho e entendo com dificuldade que alguém possa ter fruição a ver programas como esses.

É adepto de algum clube? Há alguma equipa do coração?
A seleção nacional. E isto não é um cliché. Provavelmente todos os que viveram fora do território nacional nos últimos anos entendem isso bem.

Certo. Mas clubes, tem um preferido?
O meu pai era benfiquista e isso deixa marcas, porque ele acompanhava muito de perto o que era o futebol da primeira divisão, a Taça de Portugal e as competições europeias. Mas há dois clubes que me deixaram marcas profundas, por ter tido a oportunidade de viver nessas cidades: o Sporting Clube de Braga e a Académica de Coimbra.

Aos domingos à noite, são esses os dois cujos resultados vai procurar?
Sim. Muitas vezes não tenho oportunidade de seguir ao minuto o que vai acontecendo nos jogos. Nunca me esqueço de ir ver o resultado do Braga e da Académica. Se eu tiver cinco segundos, são esses os clubes que vou ver primeiro.

Se o PS ganhar as próximas eleições, se António Costa for o próximo primeiro­‑ministro e se o convidar para continuar em funções, vai aceitar?
Sempre gostei de astronomia, mas nunca fui fã de astrologia. A futurologia a mim não me diz muito. Este foi um convite do atual primeiro­‑ministro, para esta legislatura. Acredito que será o próximo primeiro-ministro de Portugal e terá, inevitavelmente, o meu apoio. Quanto ao meu futuro, há uma coisa fundamental: sabemos o quão transientes são estas funções. No dia em que tomei posse, a minha mãe disse sabiamente: «Hoje começa o dia para tu deixares um dia estas funções.» Não o disse porque desejava que eu acabasse estas funções depressa. Mas ela entende quão transiente é ser ministro ou estar em funções governativas e isso é muito importante.

Posso ter tirado o cientista da minha vida, neste momento. Mas não tirei a ciência. Gosto de estar atento e algum do meu pouco tempo de ócio e lazer passa por aí.

Gostava de deixar de andar de fato todos os dias e voltar à bata do laboratório?
O fato, que representa a política, e a bata, que representa o laboratório, estarão na minha vida, quer eu use uma coisa ou outra. Levarei muitas armas e ferramentas da minha vida científica e da minha vida política. A política continuará a nortear a minha vida e a ciência faz parte de mim.

Ainda arranja tempo para ler papers e estar atento as novidades da ciência?
Posso ter tirado o cientista da minha vida, neste momento. Mas não tirei a ciência. No meu e­‑mail pessoal continuam a cair os alertas da Medline [Sistema Online de Pesquisa de Literatura Médica], com as novas publicações da minha área. Gosto de estar atento e algum do meu pouco tempo de ócio e lazer passa por aí.

Refinadamente é mais difícil, macroscopicamente é possível. Mas quer voltar à bata e ao laboratório?
Essa é a minha atividade principal, é onde vivi durante muito tempo. Mas não me sinto desconfortável na minha vida atual, com o fato e a gravata. A bata é mais confortável por ser menos formal, apenas isso.

Longe de casa

Cresceu em Paredes de Coura mas aos 15 anos foi para Braga, sozinho, para estudar noutro liceu. Isso implicava uma grande confiança da parte dos seus pais.
Fui morar para Braga, para um apartamento com estudantes universitários, que eram cinco ou seis anos mais velhos do que eu. Todos os fins de­ semana ia a casa. Hoje era uma coisa praticamente impensável, mas os tempos eram diferentes e a confiança era total. E tinha havido gerações anteriores que tinham feito o mesmo, porque não havia ensino secundário em Paredes de Coura.

Mas no seu tempo já havia. Porque quis ir para Braga?
Já havia, mas só Saúde e Humanidades. E eu queria Quimicotecnia, que só havia em Braga. Era bastante ambicioso relativamente a tudo aquilo que podia aprender e a massa crítica média de uma escola mais pequena era, em meu entender, insuficiente. E aos 15 anos passei a cozinhar todos os dias para mim e a fazer setenta quilómetros à boleia para ir a casa aos fins­ de­ semana.

Mais autonomia

O Conselho de Ministros aprovou a decisão de dar às escolas a possibilidade de flexibilizar o currículo. Os 25 por cento que podem adaptar­‑se poderão aumentar, a curto prazo?
É uma nova forma ferramenta que estamos a dar às escolas. Era um pedido antigo dos diretores, dos professores, das organizações sindicais, das sociedades científicas. Todos nos diziam que era preciso reforçar a autonomia das escolas e expandir a flexibilização que estas podem ter para aumentar o trabalho de grupo e transdisciplinar. Uma secundária em Telheiras, no Alto Douro ou no Baixo Alentejo têm especificidades diferentes. É preciso entender as vicissitudes de cada comunidade. E, no limite, de cada aluno.

Vamos caminhar para modelos como o da Escola da Ponte?
A OCDE vem agora dizer que o aumento da autonomia de cada uma das escolas é o caminho a fazer. O que a Escola da Ponte tem neste momento é uma flexibilidade praticamente total.

E acha que podemos caminhar para aí? Poderá ser esse o modelo de escola pública que queremos, mais adaptada aos jovens que a frequentam?
Cada comunidade educativa tem de fazer o seu próprio caminho, com as suas lideranças, com o seu corpo docente, com as suas famílias e os seus estudantes. Esse caminho faz­‑se com instrumentos como este.

Falou das diferenças entre alunos. A escola está preparada para isso: respeitar a diferença?
Também aqui temos um caminho a fazer. Estamos a trabalhar muito na inclusão. Tínhamos um processo de absoluta segregação, depois começámos a trabalhar num processo de integração. E agora estamos a trabalhar na verdadeira inclusão. Obviamente, com todos os instrumentos para que essa inclusão possa ser total. Mas o caminho da segregação para a integração e até à inclusão é um passo civilizacional.