Sobreviver, uma alquimia muito nacional

Notícias Magazine

Na despedida de 2017, Marcelo Rebelo de Sousa apelou a uma reinvenção do país assente na criatividade. Cumpriu-se a tradição da época: a oposição atacou o governo, as forças da «geringonça» assobiaram para o lado e todos se disseram alinhados com o popular Presidente. Todos se esqueceram de que os portugueses não precisam de reinvenção, há muito que o país é de verdadeiros alquimistas.

Nesta época pouco ligamos a notícias, mas uma devia merecer atenção – a entrada em vigor do novo salário mínimo, um aumento de 23 euros, de 557 para 580, que, a partir deste mês, 800 mil portugueses vão passar a receber. E é aqui que entra a alquimia, essa arte de transformar metais comuns em ouro.

Procurando num portal de imobiliário aparecem, no distrito de Lisboa, com renda até 600 euros, 34 ofertas (no Porto são 28), na maioria nos arredores da cidade, entre a Bobadela e Rio de Mouro. No centro? A busca fica reduzida a duas possibilidades – o mais em conta é um 4º andar sem elevador na Graça, com 35 metros quadrados e entrada pela cozinha.

Por mais 200 euros por mês, mas com mais dez metros quadrados, há outro apartamento na Penha de França, mas já custa mais vinte euros do que o salário mínimo. Se tem pronto o argumento de que viver no centro da cidade é um luxo, deixo outro exemplo: para circular de metro e autocarro, um morador da Póvoa de Santo Adrião, bem à entrada de Lisboa, paga mais de 53 euros por mês.

Em 1984, os Dire Straits brincaram aos alquimistas. Aproveitaram duas noites de concertos no Hammersmith, em Londres, onde passaram pelos sucessos de quatro discos e lançaram a primeira coletânea. Aproveitaram o que tinham, embrulharam e voltaram a distribuir, fórmula que repetiriam em 2001 quando reeditaram Alchemy: Dire Straits Live. Os fãs dirão que a magia está na guitarra de Mark Knopfler, os críticos continuarão sem perceber como até hoje os Dire Straits continuam entre as bandas recordistas de vendas.

Por cá é mais complicado perceber como se faz a magia de sobreviver. Em ano de aumento de 23 euros, 800 mil alquimistas terão de compensar as subidas de preço nos transportes, na eletricidade e nas rendas. Como sempre, terão criatividade para fazer a sua magia, mas não lhes peçam mais. Não são eles quem precisa de se reinventar.

Dire Straits
ALCHEMY:
DIRE STRAITS LIVE
(1984)
7 euros

A MINHA ESCOLHA

ACORDOU, APONTOU A TRUMP E QUER MAIS
Estreou-se em 1996, chegou a estrela em 1999 quando assumiu o alter ego de Slim Shady para obrigar o mundo a decorar-lhe o nome. Pelas músicas sincopadas, pelas rimas mais ou menos polémicas, por ter sempre o coração na boca, por ser branco num meio tradicionalmente negro,

Eminem nunca foi discreto. Foi polémico com piadas sobre mulheres e gays, quando cantou o assassínio (imaginário) da mulher e agora, ao nono disco e 21 anos depois da estreia, lançou-se a Trump. Já cantou como Slim Shady e como Marshall Matters, livre de alter egos cantou os anos perdidos entre drogas, a luta pelo regresso, a recaída e agora a Revival. Diz que está limpo, adulto, que se deixou de provocações estéreis. Agora, o rapper mais feroz do mundo, apontou ao presidente dos EUA e aos seus apoiantes. Diz que não dá para evitar.

Se a estética é vincada – de bom ou mau gosto, depende da tolerância ao hip hop – e se samples estão longe do gosto bem mais apurado de alguns dos seus pares, na hora da rima, Eminem continua sem rival e quando o assunto é sério tudo melhora. Já confessou que gostava que o presidente lhe respondesse aos ataques. E diz que tem mais surpresas guardadas. Nem Trump se vai meter nisso.

EMINEM
Revival
10,76 euros